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Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirma legalidade do prazo de validade dos créditos

Em decisão publicada em 6.4.2005, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento ao Recurso de Apelação do Ministério Público Federal, confirmando, assim, a sentença proferida pelo Juízo da Subseção Judiciária de Bento Gonçalves-RS em sede de Ação Civil Pública. Na sentença, o Juiz de Primeira Instância havia afastado a pretensão do Ministério Público Federal, reconhecendo a legalidade e legitimidade do prazo de validade dos créditos do celular pré-pago.

14/4/2005


Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirma legalidade do prazo de validade dos créditos do celular pré-pago

Carlos S. Forbes*

Cristiano C. Kozan*

Em decisão publicada em 6.4.2005, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento ao Recurso de Apelação do Ministério Público Federal, confirmando, assim, a sentença proferida pelo Juízo da Subseção Judiciária de Bento Gonçalves-RS em sede de Ação Civil Pública. Na sentença, o Juiz de Primeira Instância havia afastado a pretensão do Ministério Público Federal, reconhecendo a legalidade e legitimidade do prazo de validade dos créditos do celular pré-pago. Na verdade, diversas ações civis públicas foram (e têm sido) ajuizadas país afora, contestando a sistemática de fixação de prazo para utilização dos créditos ativados nos celulares pré-pagos. No entanto, tal tese está em conflito com questões de ordem técnica, econômica e jurídica, além de não encontrar subsídio na legislação consumerista.

Inicialmente, cumpre destacar que a sistemática em questão não foi “inventada” pelas operadoras de telefonia móvel, mas sim, criada pelo órgão competente, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (Agência Reguladora e Fiscalizadora das telecomunicações no país). A União Federal, exercendo a competência constitucional que lhe foi conferida para legislar, com exclusividade, sobre matérias de telecomunicações (art. 21, inciso XI da Constituição Federal), editou a Lei nº 9.472/97, mais conhecida como Lei Geral de Telecomunicações, criando a ANATEL (art. 8º) e conferindo-lhe poderes para editar Normas sobre questões envolvendo as telecomunicações no país.

Munida dessa competência, a ANATEL editou a Norma 03/98, dispondo sobre os “critérios para elaboração e aplicação de plano de serviço pré-pago no serviço móvel celular”. Tal regramento não foi fruto de ato precipitado ou arbitrário. Ao contrário, resultou de vários estudos comparativos com serviços semelhantes prestados em outros países, bem como de orientações técnicas e discussões levadas a efeito por meio de “Consulta Pública”, na qual tiveram voz os mais variados segmentos da sociedade.

Foi somente após a apuração democrática e consciente de todos os aspectos envolvidos na prestação do serviço móvel pré-pago, que a ANATEL encontrou a forma final para a Norma 03/98. E uma das principais características desta Norma foi a possibilidade de as operadoras fixarem prazo mínimo de 90 (noventa) dias para a utilização dos créditos ativados nos celulares pré-pagos.

É certo que, posteriormente, diante da demanda dos usuários por Planos de Serviços com condições diferenciadas, a ANATEL editou o Ofício Circular nº 060/99-PVGPA/PVCP/SPV-ANATEL, autorizando as operadoras a comercializarem cartões pré-pagos com prazos e valores “alternativos”, mas desde que mantida a oferta dos “cartões convencionais”, com prazo para utilização de, no mínimo, 90 (noventa) dias.

Note-se que nunca houve a imposição dessa modalidade de serviço móvel aos potenciais usuários, que sempre puderam optar pela habilitação de um celular pós-pago. Portanto, os usuários que escolheram o serviço pré-pago, optaram por esta modalidade de serviço, simplesmente por verificar que lhes é mais benéfica em comparação aos diversos outros Planos Pós-Pagos ofertados pelas operadoras, inclusive em relação ao “Plano Básico de Serviço” (que, diga-se, é o único que deve, obrigatoriamente, ser disponibilizado pelas operadoras, dentre as espécies de serviços comercializadas).

Em meados do ano de 2002, atenta às inovações tecnológicas do Setor de Telecomunicações, a ANATEL editou a Resolução 316, que aprovou o “Regulamento do Serviço Móvel Pessoal – SMP”, espécie de serviço que sucedeu o Serviço Móvel Celular e passou a ser adotada pelas operadoras.

Tendo em vista o exponencial sucesso do celular pré-pago no Serviço Móvel Celular, que, incontestavelmente, conciliou os interesses dos usuários (principalmente os de baixa renda) e das operadoras, bem como o acerto técnico e a perfeição jurídica de seus termos e condições, o “Regulamento do Serviço Móvel Pessoal” manteve a sistemática de validade dos créditos pré-pagos. Em outras palavras, permitiu que as operadoras comercializassem créditos pré-pagos com qualquer prazo para utilização, desde que oferecessem aos usuários créditos com “valores razoáveis” (art. 55), com prazo de validade de, no mínimo, 90 (noventa) dias.

Novamente acertou a ANATEL, já que o número de usuários dos celulares pré-pagos no Brasil só veio aumentando, sendo que, em pesquisa divulgada no início do ano, a Agência Reguladora verificou que tais celulares já representam cerca de 80% das estações móveis do país.

Não há dúvida de que a telefonia móvel pré-paga foi o principal instrumento de democratização do acesso à telefonia de todos os tempos. Até mesmo aqueles que nunca tiveram acesso à telefonia fixa, considerada artigo de luxo em um passado não tão remoto e sob o controle absoluto do Poder Público, hoje têm o seu lugar de direito reconhecido no cenário das telecomunicações, justamente em função da existência do celular pré-pago.

Importante notar que o que faz o celular pré-pago tão atrativo é o seu baixo custo de manutenção. Isto porque, as operadoras comercializam, por exemplo, um cartão de R$ 20,00 em créditos, que permite que os usuários utilizem os créditos ativados para realizar ligações e receber quantas chamadas quiserem, pelo prazo de 90 dias. Isso representa um custo mensal menor que R$ 10,00, o que seria impensável na telefonia fixa ou mesmo no serviço móvel pós-pago.

Um dos principais argumentos sustentados nas ações civis públicas que questionam a legalidade da sistemática de fixação de prazo para utilização dos créditos pré-pagos, é o de que o usuário não pode ser privado dos créditos que já pagou, pois teria direito de utilizar referidos créditos, para realizar chamadas, em sua integralidade, independentemente do momento de ativação. E a solução apontada nas referidas ações civis públicas seria simplesmente extirpar qualquer prazo de validade desses créditos pré-pagos.

Ora, esse raciocínio simplista parte de premissa manifestamente equivocada, ou seja, de que só há prestação de serviço quando o usuário realiza ligações a partir de seu aparelho celular. Na verdade, quando a operadora habilita o celular pré-pago em nome do usuário, permitindo que este, dentro do limite temporal contratado (prazo dos créditos), receba e realize ligações quando bem entender ou necessitar, já está, indiscutivelmente, prestando-lhe serviço.

Ao adquirir créditos pré-pagos, o usuário, de fato, contrata o direito de ter o serviço móvel à sua disposição por determinado período, podendo receber quantas ligações quiser e, ainda, realizar ligações quando a vontade (ou necessidade) se fizer presente, até o limite dos créditos ativados e dentro desse lapso temporal.

Não deve haver dúvida de que a operadora tem custos para manter ativo o “sinal” do usuário. Mesmo que não efetive chamadas, o aparelho celular do usuário está apto a receber inúmeras ligações, sem qualquer pagamento adicional. Necessário destacar ainda que, durante o prazo dos créditos adquiridos, a operadora mantém a disponibilidade do serviço de realização de chamadas 24 (vinte e quatro) horas por dia, 7 (sete) dias por semana. E é esta disponibilidade regular e ininterrupta, tanto para o recebimento, quanto para a realização de chamadas, parte do serviço prestado e, consequentemente, mais uma justificativa para a fixação de validade dos créditos pré-pagos.

Caso não houvesse prazo para utilização dos créditos pré-pagos, o usuário, mediante a ativação de um número mínimo de créditos em seu aparelho, poderia utilizar seu celular apenas para receber chamadas. Portanto, sob a ótica míope daqueles que sustentam a ilegalidade do prazo desses créditos, a operadora seria obrigada a disponibilizar “sinal” ao usuário, por prazo indeterminado, sem receber qualquer contraprestação deste.

Além da falta de contraprestação, existem diversos outros fatores de ordem técnica que inviabilizariam a prestação do serviço. Tome-se como exemplo a hipótese dos usuários habilitarem aparelhos pré-pagos, e simplesmente deixarem de utilizá-los por qualquer razão que seja (roubo, extravio, desinteresse, etc.). A operadora, sem ser avisada desse fato, teria que manter “linhas fantasmas” ativas por prazo indeterminado, arcando com todo o respectivo custo pelo fato dessas linhas existirem em seus sistemas.

E mais. Os usuários, após deixarem de utilizar as linhas antigas, poderiam solicitar novas linhas às operadoras, gerando um ciclo vicioso de habilitações intermináveis e ociosas nas plataformas de serviço das operadoras. Não haveria, assim, a natural e necessária correspondência entre os custos fixos das operadoras e sua receita. De duas, uma: ou o serviço móvel pré-pago se tornaria inviável, ou os custos repassados aos usuários seriam astronômicos. As Ações Civis Públicas, todavia, não trazem esta discussão, esquecendo das conseqüências nefastas aos usuários e à própria sociedade.

Não é preciso ser um perito na seara jurídica, das telecomunicações, de engenharia ou mesmo de economia, para se constatar o sucesso do celular pré-pago, que, além de corresponder há cerca de 80% dos telefones móveis habilitados no país, tem sido o instrumento mais eficaz de democratização do acesso à telefonia, permitindo, principalmente às classes menos abastadas da sociedade, a sua efetiva integração no cenário mundial das comunicações.

Para finalizar, nada melhor que a transcrição de alguns trechos do acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região, que confirmou a legalidade da sistemática de fixação de prazo de validade dos créditos do celular pré-pago:

“Em síntese, a Agência Nacional de Telecomunicações instituiu a telefonia móvel pré-paga como serviço peculiar, alternativo e simplificado, garantindo aos usuários, por outro lado, a oferta de plano básico pós-pago.

Assim, a criação de planos de serviço alternativos, com características próprias, não ofende, ainda que defluído o prazo mínimo de validade para a fruição dos créditos adquiridos pelo usuário, o princípio da razoabilidade, porque é garantida ao consumidor a possibilidade de adesão ao sistema pós-pago, podendo este, assim, optar pelo serviço mais adequado às suas necessidade. Ademais, por tal razão, resta evidente que não há imposição aos consumidores das restrições que caracterizam o serviço pré-pago, visto que a ele é disponibilizada outra modalidade de contratação, se esta lhe for mais favorável.

(...)

Por fim, cabe registrar que a estruturação definida pelo regramento infraconstitucional não está em desacordo com o texto da Lei Maior, na medida em que esta outorgou ao legislador ordinário a organização do sistema de telecomunicações nacional.

Tenho, assim, que o regramento da telefonia móvel pré-paga está adequada aos preceitos constitucionais e legais que devem orientar a atuação da Agência Nacional de Telecomunicações.

(...)

Desse modo, nos planos pré-pagos de telefonia celular, não é possível vislumbrar a ocorrência de desequilíbrio entre os contratantes que coloque o consumidor em situação desfavorável e que, por conseqüência, implique violação ao regramento instituído pelo Código de Defesa do Consumidor.

Na verdade, o sistema de telefonia pré-pago, embora limitado nas prestações oferecidas nas companhias que o operam, apresenta-se como opção barata de acesso à telefonia móvel, beneficiando, como é notório, a população de renda mais baixa, que pode utilizar as parcelas disponíveis de seus ganhos para contratação do serviço, sem a inclusão em seu orçamento de encargo fixo mensal.

(...)

Cumpre observar, por outro lado, que a fixação de prazo para a fruição de créditos adquiridos pelo usuário não ofende o direito de propriedade deste, na medida em que não há locupletamento das empresas operadoras de telefonia. Como visto, ainda que não efetivada nenhuma ligação durante o prazo de validade dos créditos, a quantia despendida pelo consumidor do serviço reverte em utilidades para ele, que, durante tal período, teve o seu aparelho celular operante e pôde receber número ilimitado de ligações.”

Assim, seja sob a ótica jurídica, técnica ou econômica, verifica-se que a sistemática de fixação de prazo para utilização dos créditos pré-pagos não apresenta qualquer irregularidade. Ao contrário, além de ser absolutamente legítima e legal, é a forma mais eficaz de acesso à telefonia móvel, estando, inclusive, de acordo com todos os princípios insculpidos na legislação consumerista.
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*Advogados do escritório Mundie e Advogados









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