Pode o advogado ser responsabilizado por utilizar e-mail para se comunicar com os clientes?
Jayme Vita Roso*
Valho-me do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB – Lei nº 8.906/94), para apontar, em nosso país, como o tema pode ser enfocado ou questionado.
Antes de mais nada, o artigo 32 do EAOAB, categoricamente, afirma que “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”, além do que “o advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina” (artigo 33, reportando-se ao CED, DJU, de 1/3/95), dentre os quais, e particularmente: “São deveres do advogado: II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé” (art. 2º, CED). E, enquanto aplicável, o dever de “informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos de sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda” (art. 8º, CED).
Corolário das regras que definem a parte deontológica embutida no artigo 2º, CED, o sigilo profissional é a síntese da relação cliente-advogado, porque “é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa” (art. 25, CED).
Tanto o legislador da EOAB, quanto o redator do CED, tiveram por escopo, de forma aguda, colocar em questão o relacionamento cliente-advogado, no dialogar sobre situações, correlacionadas a processos judiciais. Óbvio que a mentalidade litigante predominou ao serem redigidos os textos focalizados, levando o intérprete da questão proposta no título a enveredar por exegese da norma legal, por extensão, e, malgré tout, abordar as normas deontológicas e as éticas, com o cuidado que se obriga, pela sensibilidade da problemática.
Aqui, não se trata, canhestramente, de sustentar que as normas legais, deontológicas e éticas, como redigidas, não podem ser aplicadas e não derivadas de processo, porque, ex natura, tem uma carga penal, ao serem infringidas.
Como temos lei, procuremos respeitá-la, dando-lhe a interpretação que se faz necessária, com a metodologia de exege peculiar ao escrutínio da norma deontológica ou ética, em paralelo à legal, conscientes do quanto a primeira informa (ou forma) a segunda.
Diferentemente do sistema norte-americano, que confere ao Judiciário examinar, estudar e aplicar as normas éticas e legais concernentes ao exercício da advocacia, com soberania, no Brasil, essa tarefa é privativa da OAB (art. 70, EOAB).
Qualquer magistrado não pode invadir aquilo que é de competência exclusiva e privativa do Conselho Seccional, “em cuja base territorial tenha ocorrido a infração” (art. 70, EOAB).
Sendo a infração disciplinar de outra natureza, mesmo constatada a ausência de culpa ou dolo, nessa área, o exercício profissional do advogado, enquanto nele e derivado dele qualquer ato praticado com dolo ou culpa, pode ser levado à consideração do Judiciário, para eventual ressarcimento. Reitero que, embora a jurisdição disciplinar e, consequentemente, penal dos Conselhos Estaduais ou do próprio Conselho Federal, seja, e é, exclusiva e privativa, a reparação do dano civil não pode ser impeditiva do seu exame, à luz da legislação civil. E, como o processo, na OAB, adota e aplica regras de procedimento administrativo e da legislação civil, não vejo qualquer inibição de eventual lesado por advogado recorrer ao Judiciário, mesmo que o processo disciplinar tenha sido favorável ao profissional imputado pelo ato tido como lesivo.
Hoje em dia, mesmo nos países supostamente democráticos, sendo os Estados Unidos um deles, o exercício pleno e privativo, da atividade do advogado (art. 1º, EOAB), é de alto risco. Da consciência desse risco, os profissionais do direito buscam produtos oriundos do mercado securitário para se protegerem contra reclamações, por erro ou dolo, que podem ocorrer no dia-a-dia de quem vive em estado de estresse.
Uma das probabilidades pode advir do fato de um cliente alegar que, tendo o advogado usado e-mail para se comunicar com ele, qualquer ocorrência que o desagrade poderá ser motivo de insatisfação e de pedido de indenização.
Na relação cliente-advogado, como na que se transformou entre casais (ou companheiros, como se diz, sem alusão aos petistas), os laços que os unem cada vez se tornam mais tênues, em virtude das modificações das mentalidades, comportamentos, desejos e aspirações das pessoas, sobretudo nos sórdidos meandros do mundo de negócios globalizado.
Confiança há, como nos movimentos musicais alegro ma non troppo.
Mas, poderá o advogado sobreviver sem e-mail?
A facilidade desse instrumento de comunicação em resolver problemas cotidianos não terá nenhum problema, para o advogado, se ele for precavido, com a elegância e com a sobriedade indispensáveis ao seu lavor.
O advogado, com franqueza, deverá entender-se logo no início de sua contratação com seu cliente, sobre a possibilidade de se comunicarem por e-mail e quais os limites mínimos e máximos tolerados para cada um.
Essa franqueza deve advir de que, ambos conscientemente sabem que, embora não sejam técnicos capacitados para recobrar um e-mail apagado (ou “deletado”), há outros que poderão fazê-lo, embora qualquer das partes tenha o máximo interesse em recuperá-lo.
Três hipóteses me ocorrem, que possam surgir na vida de um advogado e que, pela natureza de cada uma delas, tem um espetro muito amplo para interpretação: a) quebrará o advogado o dever de confidencialidade (art. 34, VII, EOAB) se se comunicar com seus clientes, a respeito de assuntos relativos à relação profissional, por e-mail?; b) arriscam os advogados a quebrar a necessária confidencialidade, fazendo comunicações confidenciais por e-mail? e c) se o cliente tiver proteção de programa encriptológico para as mensagens pessoais e se o advogado souber que ele isso utiliza, deverá fazer o mesmo, para se comunicar com ele?
Falemos da normalidade, porque as situações atípicas, no mundo das relações entre cliente-advogado, entendo-as como patológicas. E depende de profissionais de outra áreas, não jurídicas, a sua apreciação, avaliação e comentário (p.ex.: os psiquiatras).
Quem usa o telefone espera existir um mínimo de confidencialidade nesse meio de comunicação, sendo mais fácil a sua interceptação que um e-mail.
Quem tem por cliente uma empresa, obrigatoriamente, deve solicitar permissão, por escrito, assinada pelo Diretor responsável, para receber e trocar mensagens por e-mail, respeitadas algumas peculiaridades.
Quem contrata com cliente que permita o uso do e-mail para troca de informações, deve assegurar-se que ele não emprega meios de segurança particulares, sem seu conhecimento.
Quem autoriza o e-mail deve arcar com os eventos que lhe possam causar dano, dentre a interceptação ou desvio, mas deve prover regras bem definidas pelo mau uso que seja feito por outrem (quer da parte do emissor, quer do recipiente).
Enfim, as regras práticas que extraí de casos e casos, acima colecionados, que a Illinois State Bar Association (ISBA), vem editando, mostram não só a preocupação dos advogados daquele Estado, que tem nela um escudo de grande valia, como também a consciência do valor e da soberania do uso do e-mail nas comunicações com clientes, com as preocupações necessárias. Entre usar ou não usar o e-mail, prefiro, como dizem meus colegas do ISBA, just do it.
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* Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos