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O plano nacional de combate à pirataria

No momento da criação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (“Conselho”), ocorrida ano passado, por meio do Decreto no 5.244/2004, muito se especulou acerca de sua efetividade.

4/4/2005

O plano nacional de combate à pirataria


André Zonaro Giacchetta*

Bruno Caldas Aranha*

No momento da criação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (“Conselho”), ocorrida ano passado, por meio do Decreto n° 5.244/2004, muito se especulou acerca de sua efetividade. Vários representantes de setores econômicos interessados no combate à pirataria temiam que, assim como o antigo Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, o novo órgão pecaria pela inoperância. Entretanto, o lançamento do Plano Nacional de Combate à Pirataria afastou essa primeira impressão.

O Plano Nacional de Combate à Pirataria terá duração de dois anos e apresenta, fundamentalmente, 92 medidas para combater a pirataria. O Plano prevê a participação das três esferas de poder – Executivo, Legislativo e Judiciário – tanto no âmbito federal como no estadual e no municipal. Nesse sentido, pode-se afirmar que o Governo Federal atuará em três frentes distintas: (i) a repressão da fabricação e comercialização dos produtos contrafeitos; (ii) a conscientização da população a respeito dos efeitos danosos da pirataria e do cometimento de delitos penais; e (iii) o melhoramento do ambiente econômico para os setores mais atingidos pela proliferação dos produtos contrafeitos.

A repressão da fabricação e da comercialização de produtos contrafeitos

O Plano Nacional de Combate à Pirataria apresenta um viés repressivo muito forte, e não poderia ser diferente. Atualmente, a pirataria movimenta R$56 bilhões no País, principalmente em setores como fumo, bebidas, combustíveis, software, editorial e audiovisual; só ano passado, a pirataria eliminou 2 milhões de empregos formais e causou um prejuízo ao Estado de R$8,4 bilhões na arrecadação de impostos1. Dessa forma, é nessa vertente que encontramos a maioria das medidas propostas pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria.

Em âmbito federal, uma das medidas repressoras de destaque são as recém-criadas “Divisões de Repressão ao Contrabando e Descaminho e Combate à Pirataria” nos Departamentos da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Essas divisões formarão um grupo específico de inteligência e investigação para combater as organizações criminosas que coordenam esse tipo de ilícito no país, que será permanentemente capacitado e treinado para esse fim, por meio de cursos ministrados com apoio da iniciativa privada.

Além disso, sob a coordenação do Conselho, será criado um banco de dados sobre a Pirataria no País, que estará ligado ao Sistema Único de Segurança Pública. Qualquer órgão público deverá ser capaz de alimentar esse banco de dados, que passará a incorporar aqueles atualmente alimentados pelo setor privado. Essa medida tornará possível a realização de consultas e estatísticas, bem como o imediato recebimento e direcionamento de eventuais denúncias aos órgãos competentes.

O Plano também prevê a criação, em âmbito estadual, de órgãos especiais vinculados às Secretarias de Justiça Estaduais2. Os órgãos serão responsáveis por centralizar as informações e coordenar as ações da polícia, por meio de delegacias especializadas3, com o auxílio do Ministério Público estadual e dos municípios-chave. Os municípios terão importante participação nessas ações, pois deverão atuar como polícia administrativa, aplicando aos “piratas” sanções como multa, apreensão de materiais, cassação de alvarás de funcionamento e interdições de locais4.

Além das medidas acima discriminadas, relacionadas ao Poder Executivo, o Plano também propõe a criação de um grupo especial no Conselho, que visará à elaboração e ao acompanhamento, no Congresso Nacional, de propostas para a alteração da legislação em vigor5. Nesse sentido, diversas modificações legislativas serão encampadas pelo Conselho, dentre as quais podem-se destacar: (i) o aumento das penas para os crimes contra a Propriedade Industrial; (ii) a simplificação da perícia dos produtos apreendidos pelas autoridades policiais e judiciais; e (iii) a desnecessidade da anuência do autor da obra intelectual (vítima da contrafação) para o ajuizamento de ação nos casos de crimes cometidos através da rede mundial de computadores (Internet).

A proposta de elevação das penas dos crimes contra a Propriedade Industrial (marcas, patentes, desenho industrial, indicações geográficas e proteção contra a concorrência desleal), previstos na Lei 9.279/1996, visa a um tratamento isonômico em relação aos crimes cometidos contra os direitos autorais (obras intelectuais, sejam literárias, artísticas ou científicas, oriundas da criação do espírito e expressas em qualquer meio; os direitos conexos dos artistas intérpretes, executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de transmissão; e do software), previstos no Código Penal, com as modificações introduzidas pelo Decreto 10.695/2003.

Isso significa que a pena mínima para os crimes contra a Propriedade Industrial passará de seis meses para dois anos de detenção, e esses crimes deixarão de ser considerados de menor potencial ofensivo – o que justificava a possibilidade de aplicação das regras estabelecidas pela Lei nº 9.099/95 (“Lei dos Juizados Especiais”) e a concessão de diversos benefícios aos contrafatores, como a transação penal e o sursis processual.

Com a atual aplicação dos dispositivos da Lei dos Juizados Especiais em razão da pena mínima prevista para os crimes contra a propriedade industrial, por meio da transação penal, o pirata não pode ser condenado à pena privativa de liberdade, mas apenas ao pagamento de uma multa ou ao cumprimento de uma pena restritiva de direitos (prestação de serviços comunitários, por exemplo). Além disso, o contrafator pode manter a sua primariedade e se utilizar desse mesmo benefício após cinco anos.

Em verdade, o que se tem observado é que a aplicação da transação penal e a possibilidade de concessão do sursis processual ao contrafator – que significa a possibilidade de suspensão do andamento do processo por período de dois a quatro anos, durante o qual o acusado de infração à Propriedade Industrial estará submetido a determinadas restrições (proibição de freqüentar determinados lugares e proibição de se ausentar da comarca onde reside sem autorização do juiz, por exemplo) – abre caminho para a continuação das atividades criminosas, demonstrando a inadequação da concessão desses benefícios aos infratores dos direitos de propriedade industrial.

As modificações legislativas quanto à desnecessidade da realização de perícia em todos os produtos contrafeitos que sejam apreendidos representam tão-somente a pacificação quanto à interpretação do artigo 530-D do Código de Processo Penal, introduzido pelo Decreto 10.695/2003, uma vez que, de acordo com a atual redação desse artigo, muitos entendiam haver imposição de se fazer perícia em todos os produtos apreendidos. Esse entendimento gera discussões intermináveis sobre a validade dos laudos periciais, visto que a realização de perícias de forma irrestrita é fisicamente impossível, dado o volume de material pirata regularmente apreendido nas ações policiais e judiciais. Assim, essa correção deixará claro que a perícia poderá ser realizada por simples amostragem.

Visando, ainda, a agilizar a adoção de medidas céleres e eficazes contra os contrafatores, no âmbito específico das novas tecnologias, como a Internet, destaca-se a proposta de modificação do artigo 186 do Código Penal, que permitirá ao Estado ajuizar ação penal pública incondicionada contra aqueles que oferecerem ao público, por meio da Internet, obras intelectuais de titularidade por terceiros, sem a necessidade da obtenção de autorização do autor (vítima) para tanto. Ou seja, a propositura da ação penal nesses casos independerá da anuência do autor que tem a sua obra injustificadamente violada, uma vez que o delito penal agrediria toda a sociedade.

Conscientização da população a respeito dos efeitos danosos da pirataria e do cometimento de delitos penais

Além da adoção de medidas repressivas, necessárias e essenciais ao combate da pirataria, o Governo Federal demonstra a sua preocupação com a educação e a conscientização da população a respeito dos efeitos danosos que a pirataria acarreta à iniciativa privada e ao próprio País, como, por exemplo, a ameaça dos Estados Unidos de excluir o Brasil do Sistema Geral de Preferências; empenha-se também, o Governo, em fixar a idéia de que a conduta de violação aos direitos de propriedade intelectual é caracterizada como crime.

Com essa mentalidade, e seguindo o caminho de diversos segmentos da iniciativa privada, o Plano Nacional de Combate à Pirataria prevê a veiculação constante, em âmbito nacional, de campanhas de conscientização que destaquem que: (i) o consumo de produto pirata é crime previsto na legislação nacional; (ii) o consumidor de produtos piratas financia o crime organizado, e, dessa forma, outros tipos de crime como o tráfico de drogas e de armas; e (iii) a pirataria rouba empregos, impostos e impede o crescimento da economia do Brasil.

A atividade de conscientização e de educação pretendida não se restringirá ao desestímulo ao consumo dos produtos contrafeitos, devendo abranger também ações do Poder Judiciário, como, por exemplo, a realização de simpósios e congressos onde se destacará a importância da Propriedade Intelectual. Além disso, há a previsão da criação, em nível estadual, de varas especializadas em delitos contra a Propriedade Intelectual, como já ocorre na Seção do Rio de Janeiro da Justiça Federal (Tribunal Regional Federal da 2a Região).

O melhoramento do ambiente econômico para os setores mais atingidos pela proliferação dos produtos contrafeitos

O Conselho Nacional de Combate à Pirataria, que é formado por representantes dos setores público e privado, reconhece que, tendo em vista os problemas sociais vividos no país, a diferença de preço entre os produtos originais e os produtos contrafeitos é um fator decisivo e um grande atrativo para a compra, pela população, de produtos falsificados.

Diante dessa constatação, o Conselho comprometeu-se a estudar a viabilidade da redução da carga tributária aos setores mais atingidos pela pirataria, como forma de lhes trazer maior competitividade, na medida em que a desproporção de preços gera uma concorrência totalmente desleal, penalizando o empresário que honra todas as formalidades para a abertura de sua empresa e para a manutenção do seu negócio.

Conclusão

O Plano Nacional de Combate à Pirataria é mais uma demonstração aos setores produtivos nacionais e à comunidade internacional de que o Brasil deseja enfrentar a pirataria. A implementação de todas as suas medidas – tanto na repressão das atividades ilícitas como na conscientização da população e na diminuição da carga tributária – fará com que haja um ambiente propício aos investimentos produtivos, e reduzirá um problema que assola todos os países do mundo, em maior ou menor grau.

Ressalte-se que, ao criar o Conselho Nacional de Combate à Pirataria, o Governo Federal acolhe as inúmeras reivindicações que durante anos lhe foram apresentadas pela iniciativa privada, reconhecendo que uma moderna legislação de proteção à propriedade intelectual não é suficiente para barrar o ímpeto dos contrafatores e estimular o desenvolvimento econômico e tecnológico do país.

A modernidade da legislação deve caminhar em conjunto com a sua aplicação efetiva e indiscriminada e com o aparelhamento dos órgãos e entidades administrativos e judiciais responsáveis pelo estabelecimento da ordem em âmbito nacional. Dessa forma, será possível criar o ambiente de credibilidade e segurança esperado para o crescimento do Brasil.

Sem dúvida nenhuma, o esboço do Plano Nacional de Combate à Pirataria apresentado pelo seu Conselho retrata um posicionamento sólido do Brasil perante as reclamações apresentadas no cenário internacional quanto à defesa dos direitos de propriedade intelectual, cujo êxito está na eficácia e eficiência da aplicação do trinômio conscientização, repressão e justa prestação estatal.
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1Fonte: O Estado de São Paulo – Metrópole. “Xerocar livro também poderá dar cadeia”, 2 de março de 2005.

2No Estado do Rio de Janeiro existe o Conselho Estadual de Defesa da Propriedade Intelectual - CODEPIN, criado pelo Decreto Estadual no 34.684/2003 e que têm como função a elaboração de políticas públicas estaduais para a proteção da Propriedade Intelectual.

3No Estado do Rio de Janeiro já estão em funcionamento 2 (duas) delegacias especializadas: (i) a Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial – DRCPIM, criada pelo Decreto Estadual no 33.535/2003 e que atua no combate aos crimes de violação aos Direitos Autorais e à Propriedade Industrial; e (ii) a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática - DRCI, criada pelo Decreto Estadual no 26.209/2000 e que combate os crimes contra a Propriedade Intelectual cometidos por meio de recursos tecnológicos de informação computadorizada (hardware, software e redes de computador).

4A Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, através do Decreto Municipal no 23.140/2003, determinou a realização, a cada 6 (seis) meses, de operações de destruição de produtos falsificados apreendidos do comércio ambulante nas áreas públicas do Município. Apesar da medida ser louvável, acreditamos que seria mais eficaz combater “as empresas de fechada” que distribuem estes produtos para o varejo.

5A Câmara dos Deputados abriu uma via para o encaminhamento de projetos de lei ao Congresso Nacional por meio da criação, no final de 2004, da Subcomissão de Propriedade Intelectual, integrante da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Industria e Comércio – CDEIC.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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