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A ameaça terrorista contra o Brasil

Não é de hoje que a prática de atentados terroristas vem estarrecendo o mundo. Não só pela ousadia com a qual alguns atos de terror são realizados, mas também por atingirem populações civis, que não tem relação direta com os conflitos geradores de tais ataques.

9/7/2010


A ameaça terrorista contra o Brasil

Sérgio de Oliveira Netto*

I – INTRODUÇÃO

Não é de hoje que a prática de atentados terroristas vem estarrecendo o mundo. Não só pela ousadia com a qual alguns atos de terror são realizados, mas também por atingirem populações civis, que não tem relação direta com os conflitos geradores de tais ataques.

Cenário que vem sendo objeto de preocupações cada vez maiores. Tanto como consequência do aumento significativo da execução destes atos extremos, bem como em razão da capacidade destruidora cada vez maior com a qual são levados a cabo.

Basta ver agora na Copa do Mundo de 2010, realizada na África do Sul, como as delegações de jogares de alguns países - que são constantemente vítimas ou ameaçados por facções terroristas - estão sendo fortemente escoltadas por uma quantidade imensa de agentes de segurança. Com o propósito de se evitar a ocorrência de qualquer ato de terror contra seus integrantes. Ou as restrições impostas no embarque em aeroportos, com revistas cada vez mais minuciosas nos passageiros e suas bagagens. Com a finalidade de impedir que sejam levados para dentro da aeronave artefatos que, em tese, poderiam ser empregados num ato terrorista.

II – CONCEITO

Exatamente por estes motivos é que a ONU, por meio do seu Conselho de Segurança, editou a Resolução 1373 em 28 de setembro de 2001. Pela qual expressamente repudia a prática de atos terroristas, e exorta os estados-membros a prevenirem e reprimirem sua prática. Seja por meio de medidas simples, como o bloqueio de ativos financeiros de pessoas ligadas a grupos terroristas, seja mediante adoção de providências mais severas. Tais quais a não concessão de abrigo no país a pessoas que se engajam nestas práticas, ou não permitindo a movimentação de terroristas ou grupos terroristas pelo seu território.1

No âmbito regional, a OEA, também tratou de confeccionar a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, assinada em Barbados em 3 de junho de 2002. Pela qual insta os países que integram a OEA a prevenir, combater, punir e eliminar o terrorismo (art. 1)2. Colocada em aplicação no sistema jurídico nacional pelo Decreto 5.639 de 26 de dezembro de 2005.

Neste contexto, seria de se indagar: e o Brasil também está sujeito a ser um alvo de ataques terroristas?

Para iniciar esta análise afigura-se conveniente delinear, ainda que em seus aspectos gerais, aquilo que se deve entender por "terrorismo." Conceito que, é verdade, pode comportar diferentes significados.3 O que não impede que se estabeleça uma definição indicativa das suas principais características.

A própria ONU ainda não conseguiu alcançar um consenso acerca do conceito de terrorismo. Motivo pelo qual ainda não foi elaborada uma convenção universal sobre o tema. Fato que não vem sendo óbice à tomada de iniciativas contra os atos de terror. Do que é exemplo a edição, em abril de 2005, da Convenção Internacional para a Repressão de Atos de Terrorismo Nuclear.4

No Brasil, existe a intenção de se inovar na ordem jurídica, acrescentando-se no CP uma conceituação daquilo que se deva reputar por terrorismo. Trata-se do PL 6.764, de 9 de maio de 2002, que adicionaria o Título XII, que versa sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito, à Parte Especial do Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - CP, e dá outras providências. Cujo art. 371 seria redigido da seguinte forma:

"Terrorismo

Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o fim de infundir terror, ato de:

I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou

II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população:

Pena – reclusão, de dois a dez anos.

§ 1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo, mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática..."

Estabelecido este parâmetro, cabe adentrar especificamente no exame do questionamento acima formulado. Qual seja, o de estar ou não o Brasil, na condição de um provável alvo de atos terroristas.

Os atos de terrorismo, é cediço, podem ser executados por inúmeros meios. Dentre os quais ataques pelo meio virtual (terrorismo cibernético), com o emprego de agentes patogênicos (bioterrorismo), ou por práticas mais comuns como a detonação de artefatos explosivos ou os assassinatos seletivos.

III – TERRORISMO CIBERNÉTICO

Segundo informações obtidas do diretor de Segurança da Informação e Comunicação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, quando prestou esclarecimentos perante a Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados Federais no ano de 2009, o Brasil já foi vítima de terrorismo cibernético. Perpetrado por um grupo sediado em alguma localidade do Leste Europeu. Que, após ter conseguido ingressar clandestinamente em redes de informática governamentais, modificou seus códigos de acesso, paralisou seu funcionamento, e demandou o pagamento de resgate para restaurar o sistema.5

E, como a origem do ataque foi identificada como sendo um país da face oriental da Europa, as suspeitas são de que se tratava não de um racker comum. Mas sim de um grupo terrorista, que visava angariar fundos para financiar o terror na região. Que vem sendo palco de sangrentas batalhas, em decorrência da tentativa de alguns países de se libertar definitivamente do domínio Russo. Mormente após o esfacelamento da portentosa União Soviética, que impunha aos países membros, a obrigação de se manterem subalternos ao poder central de Moscou.

Portanto, o Brasil – os indícios apontam nesta direção – já foi vítima de terrorismo virtual. Nada indicando que não possa voltar a ser alvo de investidas cibernéticas por sectários de grupos terroristas. Seja na condição de vítima final do ato, seja apenas para se obter aportes monetários, para o financiamento de ações mais violentas noutras nações.

Motivos de sobra para que o país, cada vez mais, esteja preparado a se defrontar e debelar tais ameaças.

IV – TERRORISMO CONVENCIONAL

E quanto ao chamado terrorismo convencional, estaria o Brasil na iminência de presenciar explosões de bombas em lugares públicos, ou o sequestro de aeronaves e outras práticas assemelhadas?

Pragmaticamente, talvez a resposta imediata seria que não. Todavia, uma análise mais minuciosa e projetada no tempo, pode revelar que o Brasil estaria sim dentre os potenciais objetivos finais de atos terroristas.

Isto porque, por mais esteja insculpido na Constituição Federal Brasileira, que a nação rege-se, nas suas relações internacionais, pelos princípios da defesa da paz; solução pacífica dos conflitos, também assevera que repudia o terrorismo.6

Portanto, os agentes governamentais estão constitucionalmente obrigados a se posicionarem de maneira contrária a qualquer sorte de discurso ou prática terrorista. Devendo, assim, não apenas por força dos tratados internacionais a que o Brasil está vinculado, mas também por imposição da sua Lei Maior, promover a repressão do terrorismo por qualquer uma das suas exteriorizações.

Afora este motivo, outro mais contundente ainda precisa ser considerado. O Brasil vem pleiteando a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Que, atualmente, é integrado por quinze países. Sendo dez deles com assento rotativo - não permanente - e cinco com assento permanente e dotados do cobiçado poder de veto.7

Na hipótese, o Brasil vem reivindicando seu legítimo direito de integrar o seleto clube de nações com assento permanente e poder de veto. Tanto que vem encampando iniciativas deliberadas pela ONU, consubstanciadas, por exemplo, no envio de tropas militares brasileiras para ajudar a manutenção da paz (peacekeeping) como é o caso do Timor Leste, ou para auxiliar na reconstrução de países como o Haiti (peacebuilding).

Também vem contribuindo com a participação de brasileiros em missões de alto risco a serviço da ONU. Que eventualmente acabam sendo vitimados por intentonas terroristas. Lamentavelmente o que veio a acontecer com o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello. Que, em maio de 2003, foi designado representante do Secretário Geral da ONU no Iraque (à época o Sr. Kofi Annan). Cujo encargo era viabilizar a ajuda humanitária internacional, e coordenar o esforço de reconstrução do Iraque. Mas que, em agosto de 2003, veio a ser atingido pela explosão de um carro bomba, enquanto estava no centro de operações da ONU no Hotel Canal, no Iraque.

Inspecionando o histórico da atuação dos cinco membros permanentes da ONU (China, França, Rússia, Reino Unido da Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América), verifica-se que, com exceção da China (que parece estar apenas preocupada em explorar a mão de obra barata dos seus próprios trabalhadores, e em entupir o mundo com seus produtos – não estando, no mais das vezes, tomando posição de destaque frente os conflitos internacionais da atualidade) todos eles já foram açoitados por insurgentes terroristas.

Apenas a título de ilustração, os Estados Unidos da América pelos atentados terroristas de setembro de 2001 (que resultou, dentre outras calamidades, na derrubada das Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York). A Inglaterra (Reino Unido) pelas explosões, em julho de 2005, nas suas estações de metrô e ônibus em Londres. A Rússia que assistiu mais um episódio de terrorismo no seu território em março de 2010, com a detonação de explosivos no metrô de Moscou, provavelmente executado por subversivos islâmicos do Cáucaso Norte. E até mesmo a França, que até então apenas sentia reflexos do terror por parte de grupos separatistas bascos, agora se depara com a nova ameaça advinda de militantes da Al-Qaeda, tendo em vista a participação dos franceses nas mais recentes incursões militares no Afeganistão. Tanto que a queda do voo 447 da Air France que decolou do Brasil com destino a França, inicialmente foi considerada como um possível ato de terrorismo (posteriormente descartado pelas investigações). E pelo mesmo motivo a França instaurou um procedimento judicial em maio de 2010, para investigar o ataque terrorista ao ônibus da seleção de futebol do Togo em janeiro de 2010,que participaria da Copa da África de Nações (CAN) em Angola.

Ora, se os países que integram o Conselho de Segurança da ONU estão sob constante estado de ameaça terrorista (como corolário das posturas que assumem perante os conflitos internacionais), tudo levar a crer que, se o Brasil lograr êxito em obter uma vaga permanente neste órgão, passará também a ter que se posicionar categoricamente sobre os temas que são ali tratados.

E, consequentemente, poderá vir a desagradar aqueles que venham a ser prejudicados por estas determinações que serão emitidas pela ONU. Nada afastando a potencialidade de vir a ser o alvo de meliantes terroristas, que tenham se sentido perseguidos ou aviltados por estas resoluções rotineiramente expedidas pelo Conselho de Segurança da ONU.

Sob este ângulo, seria de boa prudência que, desde já, houvesse a real preocupação brasileira de se precaver contra tais práticas hediondas de possíveis grupos terroristas. Que viessem tentar executar algum ato, dentro ou fora do território nacional, contra os interesses nacionais.

V – TERRORISMO DE ESTADO

Tais precauções também deveriam se estender contra os denominados atos de terrorismo de estado. Pelos quais um país, por meio dos seus agentes, executa ações clandestinas noutros países, contra alvos específicos, visando erradicar uma potencial ameaça aos seus interesses estratégicos.

À guisa de exemplo, certo país, valendo-se de equipes operacionais pequenas e muito bem treinadas, sabota uma instalação que desenvolve projetos nucleares noutro país. Sob o pretexto de que ali estavam sendo conduzidas pesquisas com finalidades bélicas. Obviamente que, se a operação for bem sucedida, ninguém ficará sabendo ao certo o que ocorreu, ou quem foi o responsável pelo ato. Segundo consta, norte-americanos (por seus operadores da Delta Force ou Navy Seal Team Six) e israelenses (pelos respeitados integrantes das Forças de Defesa de Israel, divididas em várias camadas, dentre as quais se destaca a Sayeret Matkal) constantemente empregam estas unidades especiais na execução de missões secretas desta natureza.

Inequivocamente que o Brasil vem pautando, não de hoje, sua atuação no cenário internacional, pela defesa da paz. Não tendo intenções bélicas que o qualifiquem como uma ameaça externa.

Entrementes, a tomada de posições (equivocadas ou não) sobre certos temas sensíveis, pode vir a atrair a desconfiança (ou pelo menos o receio) de países que se sintam acuados na sua segurança nacional por tais posicionamentos.

Ilustrativamente, pegue-se a questão nuclear. A Constituição Federal Brasileira determina que, qualquer utilização da tecnologia nuclear somente será admitida para fins pacíficos.8

Tendo o Brasil assinado em 1998, perante a ONU, o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) de 1968. Que, em síntese, visa impedir o uso desta tecnologia para finalidades bélicas. Assim como pretende promover a eliminação das armas nucleares existentes, e assegurar o uso da energia nuclear somente com propósitos pacíficos.

Sendo que o Brasil é o único país que permite que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) fiscalize suas instalações militares, por meio de monitoramento remoto "realizado 24 horas por dia por sensores eletrônicos e câmeras de televisão acondicionados em caixas blindadas, lacradas pela Agência." Afora as inspeções periódicas feitas pelos técnicos, para verificar "quanto de U-238 (material energeticamente 'pobre') entra nas centrífugas, quanto de U-235 (mais 'rico') sai, e o que é feito com o resíduo, em uma conta que não deve apresentar sobras."9

Fato que não é obstáculo a que o Brasil continue a realizar pesquisas, tendentes a lhe proporcionar o domínio completo do ciclo do enriquecimento de urânio. Que, provavelmente, será alcançado ainda no ano de 2010. Dando ao Brasil total autonomia sobre "todas as etapas do beneficiamento do mineral radioativo, desde a extração até a fabricação do combustível nuclear em grande proporção."10

O que é uma gigantesca vantagem competitiva, posto que atualmente, afora o Brasil, apenas cinco nações dominam este ciclo completo (França, Rússia, Canadá, EUA e Irã).

Neste campo, a Marinha vem conduzindo um trabalho de excelência no complexo militar de Aramar, na cidade de Iperó no interior paulista, especialmente para o Programa de Propulsão Nuclear da Marinha. Cujo escopo é dotar o futuro submarino genuinamente nacional, da tecnologia nuclear de propulsão.

Mas, se o Brasil é signatário do TNP, se admite a fiscalização de suas instalações pelos técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e se sua Constituição Federal não permite a utilização das pesquisas nucleares para fins armamentistas, porque deveria se preocupar com a remota possibilidade de ser vítima de terrorismo de estado.

Primeiramente porque o Brasil está em vias de entrar no restrito grupo de países capazes de disponibilizar este material radioativo. Que podem ser usados para fins pacíficos, por exemplo, na geração de energia em usinas nucleares.

Acontece que, infelizmente, podem existir países não interessados em que o Brasil adentre este privilegiado grupo, por terem receio de perder uma significativa parcela do promissor e rentável mercado destes itens. Por cobiça, é verdade, mas que nem por isto deixa de gerar preocupações.

Espera-se que, tirando os embates comerciais normais, que certamente acontecerão no instante em que o Brasil vier a disponibilizar urânio enriquecido no mercado internacional (de acordo com as normas que permitem sua negociação), nenhuma outra ação mais extremada venha a ser executada contra suas instalações geradoras deste material radioativo. Mas este é um cenário (de eventual ataque e destruição) que não pode ser simplesmente descartado. Devendo ser seriamente levado em consideração, no instante de se traçar as políticas de segurança nacional.

Obviamente que não para se conduzir retaliações a potenciais países hostis, mas para esquematizar estratégias defensivas, contra eventuais investidas desta espécie.

Em segundo lugar porque, esta questão mercantil parece ser a que menos gera desconforto. Talvez o grande foco de inquietações seja o fato do Brasil estar mantendo uma política externa de alinhamento com países de índole notoriamente aguerrida. Dentre os quais a Venezuela e o Irã. Circunstância que o sujeita a ter de enfrentar situações tormentosas, para dizer o mínimo.

Veja-se o caso do Irã. Há vários anos que a ONU vem instando o governo iraniano para que deixe os técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) fiscalizarem sua pesquisa e produção de urânio. Sem que se tenha conseguido, até este momento, qualquer colaboração significativa das autoridades iranianas.

O Brasil, por intermédio do Palácio do Planalto e do Itamaraty – certamente bem intencionados e desejando alcançar uma solução negociada – paralelamente às iniciativas da ONU, conseguiram em maio de 2010, entabular um acordo, teoricamente promissor, com o Irã (Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil)11. Pelo qual o Irã entregará à Turquia seu acervo de urânio que, após enriquecido, será devolvido ao Irã para o uso rotineiro e permitido pela ONU (fins pacíficos). Mas, talvez por ingenuidade, o Brasil não tenha se dado conta da real dimensão dos problemas envolvidos neste assunto.

Posto que este acordo, por si só, não resolve o problema central, que é o fato do Irã pretender continuar seu programa nuclear à margem das determinações da ONU. Mantendo as "atividades de enriquecimento em Natanz, a construção do reator de água pesada em Arak, a ocultação da usina de Qom"12 e recusando-se a responder aos inspetores da AIEA.

Noutros dizeres, o Brasil, talvez involuntariamente, colocou-se numa situação bastante delicada. Porque, se o Irã realmente cumprir os termos da avença e paralisar seu projeto nuclear (ou pelo menos levá-lo adiante em consonância com as condicionantes impostas pela ONU), o Brasil colherá os louros de ter conseguido o que até então, nenhum país ou organismo internacional haviam obtido. Ou seja, conseguir submeter o Irã ao regramento internacional sobre programas nucleares.

Pelo contrário, se as coisas derem errado, e o Irã continuar o desenvolvimento de projetos envolvendo material radioativo em descompasso com as normas internacionais, o Brasil poderá ser visto pela comunidade internacional, como um país que apenas dificultou ainda mais as coisas. Permitindo que o Irã ganhasse mais tempo, para persistir nas suas pesquisas clandestinas. Ou pior, o Brasil poderá ser compreendido como um parceiro do Irã, cujas intenções sobre o uso da tecnologia nuclear podem ser colocadas em dúvida. Com todas as consequências nefastas decorrentes desta assunção. Seja ela correta ou não, bem ou mal intencionada, mormente por aqueles que alocam o Irã na condição de país integrante do alcunhado eixo do mal.

Notadamente porque o Irã é reputado como sendo simpatizante à prática do terrorismo. Sendo considerado, inclusive pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIn) a face oculta do Hezbollah (ou Hisballah - Partido de Deus). Grupo terrorista sediado no Líbano e que recebe apoio militar e financeiro do Irã e Síria.13 Estimando-se que o governo iraniano entrega anualmente ao grupo algo em torno de US$ 100 milhões a US$ 200 milhões na forma bens de consumo, assistência militar, ou de recursos financeiros em espécie.14

Logo, se o Brasil, num cenário pessimista, vier a ser reputado como colaborador do Irá, na tentativa de driblar os esforços da ONU de conter o avanço da pesquisa nuclear para finalidades não edificantes, poderá, eventualmente, ter suas instalações de estudos atômicos atingidas por atos de terrorismo de estado.

Não por um grande contingente de tropas militares que invadiriam o país, mas sim pelas pequenas unidades operacionais acima mencionadas, de países que se sintam potencialmente em perigo pelo mau uso desta tecnologia.

Equivale a dizer, por mais que se espere que seja revista esta política de convergência com países, cujas intenções no plano internacional são suspeitas ou não são totalmente conhecidas, o fato é que, se for um postulado governamental, terá que ser defendido de qualquer ameaça externa que pretenda, pela força, mudar seus rumos.

Motivo adicional para que a nação também esteja preparada para, eventualmente, deparar-se com tais situações de conflito velado, mas iminente.

VI - CONCLUSÃO

Pelo exposto, é recomendável que as autoridades brasileiras realmente passem a se preocupar em criar mecanismos de defesa nacional, contra a prática de atos terroristas a que possa ser vítima. Inquietação que vem se materializando, ilustrativamente, pela reestruturação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIn). Pela qual se criou o Departamento de Contraterrorismo (DCT). Que terá como atribuição, em resumo, "planejar a execução das atividades de prevenção às ações terroristas no território nacional, bem como obter informações e produzir conhecimentos sobre tais atividades."15

Ou pela estruturação da Brigada de Operações Especiais (BOE), subordinada ao Comando do Exército, e sediada em Goiânia/GO. Cidade escolhida estrategicamente em razão de sua localização central. Que permite um rápido deslocamento para praticamente todo o território nacional.16

Vale lembrar, todavia, que como vivemos num estado democrático de direito, esta legítima iniciativa de adoção de providencias defensivas, não poderá redundar na desconsideração das garantias constitucionais. Jamais se podendo cogitar que a busca da defesa dos interesses nacionais, possa justificar um desenfreado processo de cerceamento dos direitos e garantias que limitam a atuação do estado.

O que se pretendeu com estas considerações, portanto, foi apenas ventilar a questão acerca das possíveis ameaças terroristas contra o Brasil. Que, se forem realmente consideradas plausíveis, deverão ser enfrentadas com apoio na legislação existente. Pela qual, ao mesmo tempo que autoriza a adoção de procedimentos investigativos e aplicação de sanções aos violadores dos mandamentos legais, assegura a todos o direito de se verem livres de uma atuação exorbitante e à margem da legalidade, por parte dos agentes estatais incumbidos de prevenirem e reprimirem a execução de atos de terrorismo.

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BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 05 out 1988.

BRASIL. Decreto n° 5.639 de 26 de dezembro de 2005. publicado no DOU de 27.12.2005 (Promulga a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, assinada em Barbados, em 3 de junho de 2002.)

BRASIL. Decreto n° 6.408 de 24 de março de 2008. publicado no DOU de 25.03.2008 (Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão, das Gratificações de Exercício em Cargo de Confiança e das Gratificações de Representação da Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República).

BRASIL. Projeto de Lei n° 6.764, de 9 de maio de 2002. disponível em: https://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=51185. Acesso em 01 jun.2010.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. "Carta aos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas - Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil". Disponível em https://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/carta-aos-membros-do-conselho-de-seguranca-das-nacoes-unidas. Acesso em 07 jun 2010.

BESSA, João Manuel de Andrade Pinto. "As Nações Unidas e o Terrorismo." Disponível em:<_https3a_>

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DANTAS. Romulo Rodrigues. "O Hisballah e a evolução do quadro no Oriente Médio". Revista Brasileira de Inteligência, V.3 – N. 4 setembro 2007, ISSN 1809 - 2632. Brasília. Disponível em https://www.abin.gov.br/modules/mastop_publish/?tac=Publica%E7%F5es. Acesso em 07 jun 2010.

Defesanet. "Operação além das fronteiras." Disponível em https://www.defesanet.com.br/sof/cb_bda_opesp_1.htm. Acesso em 07 jun 2010.

DINIZ, Eugenio. "Compreendendo o Fenômeno do Terrorismo." Disponível em https://www.scribd.com/doc/7259139/Diniz-do-o-Fenomeno-Do-Terrorismo. Acesso em 07 jun 2010.

Jornal do Brasil. "Governo é vítima de terrorismo virtual." Disponível em https://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/08/15/e150821567.asp. Acesso em 01 jun.2010.

Jornal Correio Braziliense. "França: acordo Irã-Brasil-Turquia não soluciona o problema de fundo". Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/. Acesso em 07 jun 2010.

Jornal O Estado de SP. "Saiba mais sobre o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)." Disponível em https://www.estadao.com.br/noticias/internacional,saiba-mais-sobre-o-tratado-de-nao-proliferacao-nuclear-tnp,537169,0.htm. Acesso em 07 jun 2010.

MOURA, Eliane Schroder de. "O PARTIDO DE DEUS NO LÍBANO: histórico e atividades" Revista Brasileira de Inteligência, V.3 – N. 4 setembro 2007, ISSN 1809 - 2632. Brasília. Disponível em https://www.abin.gov.br/modules/mastop_publish/?tac=Publica%E7%F5es. Acesso em 07 jun 2010.

Poder Naval. "País pode dominar ciclo nuclear completo ainda em 2010." Disponível em: https://www.naval.com.br/blog/index.php?s=aramar. Acesso em 07 jun 2010.

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1 Resolução 1373 (2001): O Conselho de Segurança...
Reafirmando também a condenação inequívoca dos ataques terroristas ocorridos em Nova York, Washington, D.C. e Pensilvânia, em 11 de setembro de 2001, e expressando a determinação de prevenir esses atos,
Reafirmando ademais que tais atos, como quaisquer outros atos de terrorismo internacional, constituem uma ameaça à paz e à segurança internacional...
Reafirmando a necessidade de combater por todos os meios, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, ameaças à paz e à segurança internacional causadas por atos terroristas,
Profundamente preocupado com o aumento, em várias regiões do mundo, de atos de terrorismo motivados pela intolerância ou o extremismo,
...
Reafirmando o princípio estabelecido pela Assembléia Geral na declaração de outubro de 1970 (resolução 2.625 (XXV)) e reiterado pelo Conselho de Segurança na resolução 1.189 (1998) de 13 de agosto de 1998, qual seja o de que todo Estado tem a obrigação de abster-se de organizar, instigar, auxiliar ou participar de atos terroristas em outro Estado ou permitir, em seu território, atividades organizadas com o intuito de promover o cometimento desses atos,
Atuando ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas,
Decide que todos os Estados devem:
a) Prevenir e reprimir o financiamento de atos terroristas;
b) Criminalizar o fornecimento ou captação deliberados de fundos por seus nacionais ou em seus territórios, por quaisquer meios, diretos ou indiretos, com a intenção de serem usados ou com o conhecimento de que serão usados para praticar atos terroristas;
c) Congelar, sem demora, fundos e outros ativos financeiros ou recursos econômicos de pessoas que perpetram, ou intentam perpetrar, atos terroristas, ou participam em ou facilitam o cometimento desses atos. Devem também ser congelados os ativos de entidades pertencentes ou controladas, direta ou indiretamente, por essas pessoas, bem como os ativos de pessoas e entidades atuando em seu nome ou sob seu comando, inclusive fundos advindos ou gerados por bens pertencentes ou controlados, direta ou indiretamente, por tais pessoas e por seus sócios e entidades...
Decide também que todos os Estados devem:
Abster-se de prover qualquer forma de apoio, ativo ou passivo, a entidades ou pessoas envolvidas em atos terroristas, inclusive suprimindo o recrutamento de membros de grupos terroristas e eliminando o fornecimento de armas aos terroristas;
Tomar as medidas necessárias para prevenir o cometimento de atos terroristas, inclusive advertindo tempestivamente outros Estados mediante intercâmbio de informações;
Recusar-se a homiziar aqueles que financiam, planejam, apóiam ou perpetram atos terroristas, bem como aqueles que dão homizio a essas pessoas...

2 Artigo 1: Esta Convenção tem por objeto prevenir, punir e eliminar o terrorismo. Para esses fins, os Estados Partes assumem o compromisso de adotar as medidas necessárias e fortalecer a cooperação entre eles, de acordo com o estabelecido nesta Convenção.

3 Diniz. Compreendendo o Fenômeno do Terrorismo: "...corre-se o risco de agregar sobre um mesmo nome coisas muito diferentes, impossibilitando a análise, a identificação de alternativas adequadas para se lidar com o fenômeno e induzindo a erro quando da avaliação da eficácia dessas alternativas..."

4 https://www.onu-brasil.org.br/view_news.php?id=2881

5 Jornal do Basil: Governo é vítima de terrorismo virtual - BRASÍLIA - Sob constante ataque de criminosos, as cerca de 320 redes de computadores do governo federal – entre elas sistemas do porte do Banco do Brasil e o Serviço de Processamento (Serpro), que cuida do coração da economia e do mercado financeiro – geraram uma nova demanda para os órgãos segurança e de inteligência. Um inquérito que corre em segredo na Polícia Federal, em Brasília, investiga a atuação de uma quadrilha internacional que penetrou no servidor de uma estatal, destruiu os controles, trocou a senha e, depois de paralisar todas as atividades da empresa, exigiu um resgate de US$ 350 mil. A ocorrência veio à tona durante depoimento do diretor de Segurança da Informação e Comunicação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, Raphael Mandarino Júnior, num debate sobre terrorismo, na Comissão de Segurança da Câmara. Versão moderna do delito de “extorsão mediante sequestro”, a invasão foi praticada, segundo ele, por uma quadrilha estabelecida em um país do Leste Europeu que exigia um depósito no valor do pedido de resgate para devolver a senha modificada. Por se tratar de inquérito sob sigilo, a Polícia Federal não fala sobre o assunto, mas confirma que as investigações estão em andamento. Orientado pelos órgãos de inteligência, apesar dos prejuízos causados à estatal – ligada ao mercado financeiro – o órgão não pagou o resgate, mas a audácia exigiu uma operação de emergência para escapar da armadilha. – Com a ajuda da Cepesc (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para Segurança das Comunicações), da Abin e de alguns especialistas, conseguimos quebrar a senha colocada e recuperamos o servidor – explicou Mandarino Júnior. Embora a Abin tenha desenvolvido um dos centros de proteção contra crimes cibernéticos mais modernos do mundo, a ocorrência revelou o quanto é vulnerável a rede oficial de computadores...

6 Constituição Federal: Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - utodeterminação dos povos; IV - não-intervenção... VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo...

7 Carta da ONU: Artigo 23. 1. O Conselho de Segurança será composto de quinze Membros das Nações Unidas. A República da China, a França, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América serão membros permanentes do Conselho de Segurança. A Assembléia Geral elegerá dez outros Membros das Nações Unidas para Membros não permanentes do Conselho de Segurança, tendo especialmente em vista, em primeiro lugar, a contribuição dos Membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança internacionais e para os outros propósitos da Organização e também a distribuição geográfica equitativa.

8 Art. 21. Compete à União: XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional...

9 Jornal O Estado de SP: Saiba mais sobre o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP).

10 País pode dominar ciclo nuclear completo ainda em 2010 (https://www.naval.com.br/blog/index.php?s=aramar): O Brasil está pronto para dominar o ciclo nuclear completo em escala industrial, segundo o coordenador do Programa de Propulsão Nuclear da Marinha, capitão de mar e guerra André Luis Ferreira Marques. A inauguração da primeira fase da Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), prevista para este ano, permitirá que o País atue em todas as etapas do beneficiamento do mineral radioativo, desde a extração até a fabricação do combustível nuclear em grande proporção. Com isso, o Brasil ficaria independente de outros países no processo de enriquecimento, garantindo suprimento para as usinas nucleares e também para o futuro submarino nuclear. No Centro Tecnológico da Marinha, no complexo militar de Aramar, em Iperó (SP), onde fica a Usexa, o ritmo das obras é acelerado. Na mesma área estão sendo construídos os prédios do Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgen), responsável pela fabricação do reator do futuro submarino nuclear... Segundo o militar, o ”yellow cake” – urânio em forma de um pó amarelo – só deve começar a ser processado em 2011... O objetivo da Usexa é produzir combustível para o submarino nuclear brasileiro, que deve entrar em operação por volta de 2020. No complexo de Aramar serão produzidas 40 toneladas de UF6 por ano. Atualmente só seis países têm condições de fazer a conversão do “yellow cake” em gás: França, Rússia, Canadá, EUA, Brasil e Irã. O UF6 que o Brasil usa ainda é processado no Canadá.

11 EXTERIORES, Ministério das Relações. "Carta aos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas - Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil"

12 Jornal Correio Braziliense. "França: acordo Irã-Brasil-Turquia não soluciona o problema de fundo":O acordo alcançado entre Irã, Brasil e Turquia não soluciona o problema de fundo do programa nuclear iraniano e o fato de que o Irã continua enriquecendo urânio, indicou nesta segunda-feira (17/5) o ministério francês das Relações Exteriores. "Não nos enganemos: uma solução para o assunto (do reator de pesquisa civil iraniano) TRR não solucionará em nada o problema criado pelo programa nuclear iraniano", afirmou o porta-voz da chancelaria francesa, Bernard Valero, indagado pela imprensa sobre a possibilidade de frear o exame de novas sanções contra o Irã na ONU. "O intercâmbio de urânio é apenas uma medida de confiança, um acompanhamento. O nó do problema nuclear iraniano é o prosseguimento das atividades de enriquecimento em Natanz, a construção do reator de água pesada em Arak, a ocultação da usina de Qom, as perguntas dos inspectores da AIEA que ainda não foram respondidas", precisou... "O Irã deve pôr fim imediatamente a essas violações constantes das resoluções do Conselho de Segurança da ONU e do Conselho de Diretores da AIEA...

13 MOURA. "O PARTIDO DE DEUS NO LÍBANO: histórico e atividades"

14 DANTAS. "O Hisballah e a evolução do quadro no Oriente Médio".

15 Decreto n° 6.408 de 24 de março de 2008, Anexo I. Art. 15. Ao Departamento de Contraterrorismo compete: I - planejar a execução das atividades de prevenção às ações terroristas no território nacional, bem como obter informações e produzir conhecimentos sobre tais atividades; II - planejar, controlar, orientar e executar a coleta e análise de dados e informações sobre organizações terroristas...

16 Defesanet. Operação além das fronteiras.

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*Procurador Federal. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE/SC





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