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O anteprojeto do novo CPC e os prejuízos à arbitragem

É inegável que a Comissão de Juristas encarregada de elaborar o anteprojeto do novo CPC não teve a intenção de desprestigiar a arbitragem. Pelo contrário: da leitura do texto final da Comissão resta clara a preocupação de preservar o desenvolvimento daquele instituto.

30/6/2010


O anteprojeto do novo CPC e os prejuízos à arbitragem

Guilherme Rizzo Amaral*

É inegável que a Comissão de Juristas encarregada de elaborar o anteprojeto do novo CPC não teve a intenção de desprestigiar a arbitragem. Pelo contrário: da leitura do texto final da Comissão resta clara a preocupação de preservar o desenvolvimento daquele instituto, cuja essencialidade para a sociedade dispensa comentários.

Todavia, a boa intenção não produziu, em nosso sentir, resultados satisfatórios. Pelo contrário: a redação de alguns dispositivos que fazem referência ao instituto da arbitragem é preocupante, muito embora seus defeitos possam ser contornados com uma dose de boa vontade. Já a consequência prática da nova sistemática recursal pode ser extremamente nociva para o desenvolvimento da arbitragem no país, o que demanda pronta intervenção, no curso do processo legislativo, para que se corrija o que constitui, provavelmente, um mero lapso, não intencional, da douta comissão.

No tocante ao problema redacional, vale lembrar o que prevê o atual CPC, em seu artigo 86: "as causas cíveis serão processadas e decididas, ou simplesmente decididas, pelos órgãos jurisdicionais, nos limites de sua competência, ressalvada às partes a faculdade de instituírem juízo arbitral".

O anteprojeto repete basicamente o mesmo texto, em seu artigo 27: "as causas cíveis serão processadas e decididas pelos órgãos jurisdicionais nos limites de sua competência, ressalvada às partes a faculdade de instituir juízo arbitral, na forma da lei." Porém, em seu artigo 3º, dispõe que "não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral, na forma da lei."

O dispositivo, absolutamente desnecessário para o sistema diante da interpretação que o STF já deu ao artigo 5º, XXXV, da CF/88 (clique aqui), mexe com temas sensíveis e, o fazê-lo, o faz inadequadamente.

Em primeiro lugar, o texto claramente retira da arbitragem o caráter jurisdicional, ao dispor que os litígios voluntariamente submetidos à arbitragem seriam excluídos da apreciação jurisdicional. Não vemos nisso, necessariamente, um problema. A uma, em razão de o artigo 86 do atual Código (clique aqui), embora não de forma tão clara, já abrigar semelhante ideia. A duas, em razão de o reconhecimento da jurisdicionalidade da arbitragem, apesar de autorizadas opiniões em sentido contrário, não reforçar o instituto, assim como o reconhecimento de seu caráter contratual não o enfraquecer. Porém, não faltarão vozes a sustentar a relativização da força da arbitragem pela suposta "opção" do legislador – certamente inconsciente – por lhe retirar o caráter jurisdicional. Não havia necessidade alguma de se fazer esta opção teórica no texto legal.

Em segundo lugar, ao afirmar que a arbitragem excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, o artigo 3.º não descreve corretamente o fenômeno que se passa quando da submissão de um litígio à arbitragem. Como bem decidiu o STF no acórdão proferido no AgRg na SE 5206, o que se passa é uma renúncia relativa à jurisdição estatal, com o reconhecimento da liberdade individual dos contratantes para submeterem seus litígios futuros à arbitragem. Não se exclui, com isso, da apreciação do Poder Judiciário, a apreciação de lesão ou ameaça a direito, que pode se dar com a instauração de ação anulatória da sentença arbitral. O que não se permite é a análise, pelo Poder Judiciário, do mérito das questões submetidas à arbitragem, quando não constatada lesão a direito que tivesse o condão de anular o pacto arbitral ou a sentença dele decorrente. Interpretação diversa dessa esbarraria na cláusula pétrea contida no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Logo, a afirmação contida no artigo 3.º, de que a instituição da arbitragem simplesmente excluiria da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, não só é incorreta como poderia levar à declaração de inconstitucionalidade do dispositivo.

Em terceiro lugar, é interessante notar que a interpretação do STF, no AgRg na SE 5206, foi a de que o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal continha vedação ao legislador: a este – e não às partes, cuja liberdade individual deve ser respeitada – não seria dado excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Já no artigo 3º do anteprojeto, não há, tal qual no dispositivo constitucional, menção à lei ("a lei não excluirá..."), mas, sim, uma referência genérica, de que não se excluirá da apreciação jurisdicional lesão ou ameaça a direito, ressalvados os litígios submetidos à arbitragem. Dois problemas surgem de imediato por conta disso.

O primeiro deles está na aparente obrigatoriedade de submissão de toda e qualquer lesão ou ameaça a direito à jurisdição estatal ou à arbitragem. A interpretação literal do dispositivo – que deve ser afastada, por absurda – levaria a crer que não seria dado sequer às partes, no exercício de sua liberdade individual, excluir de apreciação do Judiciário e da arbitragem lesão ou ameaça a direito. Não seria dado às partes simplesmente deixar de litigar!

O segundo problema está na inutilidade e inadequação da ressalva acerca da arbitragem. Se o objetivo é limitar a extensão ou escopo do artigo 5º, XXXV, da CF/88, trata-se de medida inútil – diante da interpretação que já foi dada ao referido dispositivo constitucional pelo STF, ressalvando que tal dispositivo contém vedação ao legislador, e não às partes –, além de inadequada, visto que não é dado ao legislador ordinário instituir ressalvas ou exceções a dispositivo constitucional, mormente tratando-se este de cláusula pétrea.

Os problemas de redação do artigo 3º, ora descritos, são, no entanto, de pequena relevância prática se comparados com os transtornos que serão gerados caso seja não seja corrigida a sistemática recursal prevista no anteprojeto do novo CPC. É que, segundo o seu artigo 929, o agravo de instrumento somente será cabível das decisões interlocutórias que : "I - que versarem sobre tutelas de urgência ou da evidência; II - que versarem sobre o mérito da causa; III - proferidas na fase de cumprimento de sentença ou no processo de execução;" e "IV - em outros casos expressamente referidos neste Código ou na lei".

Note-se ainda que, segundo o parágrafo único do artigo 923, "as questões resolvidas na fase cognitiva não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final."

A opção do anteprojeto, assim, é pela irrecorribilidade das decisões interlocutórias, com exceção daquelas para as quais a lei expressamente prever o recurso de agravo de instrumento. Até aí, nada de mal, salvo o evidente "triunfo da esperança sobre a experiência", ou seja, a insistência na crença de que não se ressuscitará o mandado de segurança contra ato jurisdicional ou que não se criará outro subterfúgio ou sucedâneo recursal.

O problema é que em nenhum dos incisos I a III do artigo 929 se enquadra a decisão de primeiro grau que indefere a extinção do feito com base na existência de convenção de arbitragem (artigo 467, VII). Tampouco há previsão no novo CPC ou na lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem - clique aqui) para o cabimento de agravo de instrumento contra semelhante decisão. Desta forma, segundo a redação do novo CPC, indeferida a preliminar de convenção de arbitragem, a parte que a suscitou teria de aguardar o desfecho do processo judicial em primeiro grau de jurisdição para, somente em grau de apelação, requerer a reapreciação da matéria e, com isso, uma vez acolhida a preliminar, instituir a arbitragem.

Nem é preciso argumentar de forma pormenorizada sobre os prejuízos de semelhante sistemática para a arbitragem, em especial levando-se em conta que, incrivelmente, ainda há decisões de primeiro grau dando pela inconstitucionalidade da execução específica da cláusula arbitral, mesmo seis anos após a publicação do célebre acórdão do STF que sepultou a questão e julgou constitucionais todos os dispositivos da Lei de Arbitragem. Tais decisões de primeiro grau – irrecorríveis! – simplesmente não seriam corrigidas antes do julgamento de apelação contra a sentença no processo de conhecimento. E note-se que, segundo o anteprojeto (art. 908), o recurso de apelação não terá, de regra, efeito suspensivo, de forma que poderemos ter execução provisória de sentença judicial proferida em violação de cláusula arbitral não apreciada pelo segundo grau de jurisdição.

Por todas essas razões, urge enfrentar, o quanto antes, e para que a arbitragem continue cumprindo cada vez mais o seu papel, os problemas ora levantados, eliminando-se o absolutamente desnecessário artigo 3º do anteprojeto e corrigindo-se a sistemática recursal para prever o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que indeferir a preliminar de convenção de arbitragem.

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*Sócio do escritório Veirano Advogados











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