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Consequências advindas da (in)observância das garantias do contribuinte no âmbito do processo administrativo-tributário - breves linhas

Temos como uma realidade em nosso cenário nacional a nefasta presença de uma carga tributária por demais excessiva e onerosa, que representa um mecanismo de frenagem e limitador às empresas que buscam desenvolver suas atividades com formalidade e seriedade.

22/6/2010


Consequências advindas da (in)observância das garantias do contribuinte no âmbito do processo administrativo-tributário - breves linhas

Marcio Basso*

Temos como uma realidade em nosso cenário nacional a nefasta presença de uma carga tributária por demais excessiva e onerosa, que representa um mecanismo de frenagem e limitador às empresas que buscam desenvolver suas atividades com formalidade e seriedade.

Destoa-se com clarividência que a origem da natureza de uma carga tributária em tal escala seja o inchaço da máquina estatal e a ausência ou ineficácia de plano de gestão na atividade pública, que apresenta valores e práticas impensáveis e insustentáveis sob o prisma da iniciativa privada.

Sem pretender adentrar nas causas que resultam na busca desenfreada de arrecadação por parte dos entes federados e, sabendo de antemão, que o argumento que impera reside no sentido que a função do Estado justifica o injustificável em face ao axioma do interesse da coletividade, não intencionando apresentar nossa contrariedade com a acidez que o tema provoca, eis que fogem ao escopo, pretendemos nessas breves linhas, limitar o estudo sob o viés das conseqüências advindas no plano jurídico-tributário em atenção ao processo administrativo tributário.

Reside e decorre do poder estatal que, em regra, serve ao interesse da coletividade, as garantias e privilégios postos à disposição do poder fazendário para constituir e exigir os tributos que são a principal fonte de receita para às administrações.

No entanto a partir do momento que nasce para o Leviatã a possibilidade de constituição de um crédito tributário, surge para defesa do contribuinte um arcabouço legal que se constitui dos mais comezinhos princípios às mais fundamentais e precípuas garantias, que atrelam a legislação tributária de observação cogente em um Estado Democrático de Direito como é o nosso.

Nesse diapasão ao passo que o Estado deve buscar a autuação dos contribuintes faltosos, sob pena de responsabilização funcional do setor encarregado, o contribuinte tem ao seu dispor medidas que servem de freios e contra-peso diante da crescente necessidade de aumento de arrecadação que podem gerar - e de fato comumente ocorrem - odiosos excessos que se não repelidos podem gerar exações eivadas de nulidades parindo-se verdadeiro monstro jurídico-tributário.

Nessa esteira, de observação cogente e por demais necessária, se insere o processo administrativo tributário como verdadeira garantia do contribuinte e pelo qual se espera como eficaz mecanismo capaz de coibir e retificar exações indevidas ou despidas de respaldo legal, encontrando sua previsão constitucional na cláusula pétrea disposta no Art. 5º LV, in verbis.

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

O professor JAMES MARINS, assim esclarece:

"o processo administrativo tributário contempla o conjunto de normas que disciplinam o regime jurídico processual aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública (pretensões tributárias e punitivas do Estado impugnadas administrativamente pelo contribuinte). Integra, ao lado do Processo Judicial Tributário, o Direito Processual Tributário."1

Tratando-se de garantia fundamental, a regra acima referida é inalcançável quando interpretada de forma a gerar, mesmo que em tese, uma restrição ao direito do contribuinte de se insurgir na plenitude do seu direito assegurado ante a autuação fazendária.

Daí que hodiernamente temos vislumbrado excessos e ilegalidades resultantes de pífios processos administrativos regulados por legislações locais de constitucionalidade duvidosas que vão, em ultima ratio, de encontro a uma garantia elevada ao status de cláusula pétrea, razão pela qual, merece nossa atenção visando identificar a (i)legalidade das legislações locais que almejam disciplinar o processo administrativo tributário.

Em que pese a outorga constitucional deferida aos Estados e Municípios para Legislarem e regulamentarem o Processo Administrativo em suas esferas, por decorrência do Art. 24 da Constituição Federal2, temos que a competência concebida mereça ser vista com o temperamento necessário decorrente do sistema constitucional que serve como limite a nortear as garantias mínimas aos contribuintes em seus diplomas pétreos.

De outra banda a 'liberdade' prevista não pode originar normas e procedimentos que indo de encontro às garantias dos contribuintes representem manifesta e odiosa inconstitucionalidade decorrente do ferimento aos princípios e normas que residem no âmago da Carta Magna e afetos ao arcabouço legal-tributário, tornando ilegal e inválido o procedimento administrativo instaurado e, por conseguinte, a inexistência do crédito tributário correspondente no plano da legalidade.

Aqui reside um tema que talvez pela diversidade de entes municipais e estaduais, corroborado pela fragilidade e inconsistências de legislações de constitucionalidade como já afirmamos, duvidosas, culminam em processos administrativos eivados de nulidades e contaminados quando não pela legislação que erroneamente se estribam, pelas equivocadas ações de agentes públicos e funcionários despreparados e desconhecedores dos caminhos que o Direito Constitucional Tributário impõe para dar azo à origem e exequibilidade do crédito tributário, tornando a rediscussão em sede judicial como decorrência lógica e necessária.

Entre as principais garantias constitucionais cujo ferimento, infelizmente, verificamos ocorrer nos processos que tramitam no âmbito administrativo das fazendas estaduais e municipais está a garantia da ampla defesa e do contraditório prevista no já transcrito Art. 5º LV da CF/88 (clique aqui).

Sendo de obrigatória observação no âmbito administrativo ou judicial, a garantia a ampla defesa é artéria principal do sistema de defesa previsto na constituição que forma o devido processo legal, assim destacado por JOSÉ AFONSO DA SILVA:

"O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e "quando se fala em "processo", e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídicas. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais, conforme autoriza a lição de Frederico Marques."3

A garantia aqui tratada deve ser interpretada e, sobretudo, aplicada de forma ampla, não se reconhecendo ou admitindo qualquer ato que interfira, mitigue ou relativize a ratio essendi do instituto, que se aplica a qualquer tipo de processo, seja no âmbito administrativo seja na seara judicial.

Sobre o arcabouço legal a ser observado no processo administrativo tributário destacamos preciosa lição de JAMES MARINS:

"Representa, em seu conjunto, verdadeira conditio sine qua non da validade constitucional do processo administrativo tributário brasileiro, justamente por encontrarem radicação constitucional no art. 5º, incisos LIII, LIV e LV, da CF/88: a) direito de impugnação administrativa à pretensão fiscal (art. 5º, LIV); b) direito a autoridade julgadora competente (art,. 5º, LIII); c) direito ao contraditório (art. 5º, LV),; d) direito à cognição formal e material ampla (art. 5º, LV); e) direito à produção de provas (art. 5º, LV); f) direito a recurso hierárquico (art. 5º, LV)."4

Por vezes, defrontamo-nos com atos que, indo de encontro ao sistema de garantias que o diploma constitucional citado representa, dificultam ou impossibilitam o exercício de defesa do contribuinte na sua forma plena, como de fato pretendeu o constituinte primário ao criar o r. axioma legal.

Deve-se entender por obstaculização, qualquer ato que embarace a defesa, como restrições de prazo, ausência do teor das decisões nas intimações, ausência de intimações dos procuradores habilitados, exigências de taxas para protocolo, depósitos recursais, enfim todo ato que não se coadune com a viga mestra dos processos reconhecidos pela Lei Maior.

Tal garantia elevada pelo poder constituinte originário ou primário à cláusula pétrea representa um limite a obrigatoriamente (veja bem: obrigatoriamente e não mera faculdade!), ser seguido pelos entes estaduais e municipais ao editarem suas legislações conforme lhes outorga a própria Constituição Federal.

Dessa banda, resta evidente que a competência constitucional outorgada aos entes da federação deve ser mitigada em face às garantias constitucionais dos contribuintes, que somente admitem a recepção de uma norma que amplie seus efeitos em prol do contribuinte, mas jamais, tratando-se de um Estado Democrático de Direito, quando cause a mínima redução que seja, sob pena de manifesta nulidade do procedimento e, por conseguinte, do crédito tributário decorrente eis que não se salva o fruto de uma árvore podre.

É deveras importante que os entes federados sigam e respeitem as normas que disciplinam as garantias dos contribuintes que se opuserem ao lançamento de tributos, visando a perfectibilização de um processo válido, capaz de manter e estribar o crédito tributário que traz em seu âmago, evitando-se com isso a declaração de nulidade de todo procedimento e, inclusive, do pretenso crédito que tornaria-se de pleno direito senão fosse as mazelas e arbitrariedades perpetradas no âmbito administrativo que, levadas ao embate no contencioso judicial, resulta nulo, quiçá inexistente, trazendo prejuízos aos administrados e odiosa insegurança jurídica aos litigantes na fase administrativa.

Exemplo de limitação inconstitucional ao exercício do direito de defesa do contribuinte residia na mal fadada exigência de depósito prévio para discussão administrativa da autuação fiscal, situação que reiteradamente enfrentávamos e causava-nos os mais primitivos sentimentos decorrentes da indignação frente a tentativa desenfreada dos entes administrativos em manterem a ilegal exigência mesmo após receberem e, em regra, apreciarem nossa argumentação, tecendo sobre a mesma pareceres de raso conhecimento jurídico.

Tais procedimentos, quando levados ao conhecimento do judiciário e enfrentados com 'olhos de ver' e não de 'arrecadar', foram declarados nulos de pleno direito em face da inconstitucionalidade, data vênia flagrante, que estavam acoimados, e retornados à esfera administrativa para que lá tivesse regular e constitucional prosseguimento.

O tema por ser causador de embate constante em todos Estados e Municípios da federação esbarrou no STF que, assumindo sua função de guardião da CF/88, pôs fim a querela e declarou a inconstitucionalidade da exigência de depósito por afronta ao, já citado, Art. 5º, LV da CF.

E foi da lavra do Ministro CELSO DE MELO, relator do agravo regimental em recurso extraordinário, o voto que preponderou em julgamento do STF assim ementado:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EXIGÊNCIA LEGAL DE PRÉVIO DEPÓSITO DO VALOR DA MULTA COMO CONDIÇÃO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ADMINISTRATIVO. OCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO ART. 5º, LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO DE AGRAVO PROVIDO. A exigência legal de prévio depósito do valor da multa, como pressuposto de admissibilidade de recurso de caráter meramente administrativo, transgride o art. 5º, LV, da Constituição da República. Revisão da jurisprudência: RE 390.513/SP (Pleno)."5

Lamentavelmente é imensurável a quantidade de processos administrativos que tiveram sua ilegalidade declarada por se estribarem em uma afronta constitucional assim declarada pelo STF, fruto de incompetência ou ignorância de alguns agentes fiscais que, talvez imbuídos na ânsia de arrecadar, acabaram semeando o próprio prejuízo ao erário e contribuindo para a manutenção e/ou aumento da carga tributária.

Outrossim, em que pese os avanços por parte de alguns entes estatais e municipais em suas legislações, com o fito de se coadunarem aos diplomas constitucionais correlatos às garantias dos contribuintes, diante da dificuldade, inclusive, da diversidade de entes federativos, para que se haja um procedimento padrão e sem arestas a serem polidas, cabe aos defensores dos contribuintes pugnarem nos processos administrativo-fiscais pela aplicação das normas fundamentais afetas ao direito tributário, visando manter ou restabelecer as bases de um processo administrativo constitucional decorrente de um Estado verdadeiramente Democrático.

______________

1 MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2001, p. 162

2 "Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;"

3 SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª edição, São Paulo: Malheiros Editores., 1993, p. 378.

4 MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2001, p. 186.

5 AgRe 504.288-BA, DJU 29/06/07.

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*Advogado tributarista do escritório Altemo Advogados Associados



 

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