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Academia de Letras: o habitat da inteligência

É indispensável que os intelectuais não fiquem distantes ou sigam com disciplina as mudanças que se sucedem em continuidade no Planeta. Para esse propósito é necessário que eles se proponham a ter acesso a fontes certificadas e confiáveis.

18/6/2010


Academia de Letras: o habitat da inteligência*

Jayme Vita Roso*

"A Academia francesa é uma espécie de museu, mas de personagens vivos." (P. Mille, citado por P. Descanes, Mes Goncourts, Laffont)

É indispensável que os intelectuais não fiquem distantes ou sigam com disciplina as mudanças que se sucedem em continuidade no Planeta.

Para esse propósito é necessário que eles se proponham a ter acesso a fontes certificadas e confiáveis e, consequentemente, rompam o círculo fechado do microcosmo em que se isolam.

Se esse é o propósito que entendemos servir de orientação para os intelectuais, não menos o será para qualquer Academia de Letras. Afinal, ela é o habitat da inteligência.

Com este raciocínio, situamos a Academia de Letras, no mundo contemporâneo, como o fez o cientista político Bertrand Badie, com o ensaio que porta o intrigante título: "O mundo numa encruzilhada: nada mudar enquanto tudo muda" .

Mostra o politólogo que o mundo se tornou interdependente, "comunicando tudo em combinação de culturas e de historias tão diversas, tornando impensável um encadeamento normativo comum e homogêneo" .

Dentre as inúmeras tarefas que uma Academia de Letras poderia debruçar-se nesse século, gostaria de concentrar-me sobre o meio ambiente e as novas tecnologias. Por que? Como?

Assim:

1) não podem escapar das inquietações acadêmicas os efeitos dos conhecidos chips contra as liberdades individuais;

2) não deixar de pensar em um novo modelo de jornalismo e a repercussão dele para a sociedade, parece ser de igual importância;

3) é lícito cogitar que a televisão pode precipitar-se na Web? Isso admitindo-se, daí concreta a possibilidade do uso das plataformas numéricas e o fim dos programas comuns;

4) então, como nos situarmos diante do impacto cultural do Google, grande arquiteto da informação mundial, que se empenha no culto da inovação, mas coloca a liberdade em transe?

5) de que maneira encontrar uma saída honrosa para o fascínio tecnológico? Ele se presta somente para impulsionar o consumo sem trocas?

De outro lado, não se pode relegar ao acaso os impactos da informação e das tecnologias de comunicação para o desenvolvimento sustentável. E, muito menos, abandonar as preocupações e encontrar propostas para tentar solucionar, ainda que parcialmente, o tema crucial da coleta dos detritos ou do lixo produzido nas cidades.

E por falar em lixo e detritos perigosos, os acadêmicos conheceram e certamente não ficaram indiferentes com o que sucedeu, há poucos meses, na cidade de Nápoles. Lá o lixo não foi recolhido em virtude da Camorra ter obstaculizado a prestação desse serviço público.

Na mesma linha, as preocupações dos acadêmicos devem se voltar também aos grandes problemas que ocorreram recentemente com a exportação de lixos perigosos para o Brasil. A Convenção de Basiléia foi ignorada pelos fictos exportadores como as recomendações de entidades ambientais de âmbito internacional também o foram. O Hemisfério Sul passou a ser o depósito de lixo do Norte.

A grande preocupação mundial é a mudança climática, como estamos sentindo. À medida que o tempo passa sem solução dos problemas causados pelas emissões de poluentes na atmosfera e eles aumentam, constata-se a vulnerabilidade dos países mais pobres. A sensibilidade dessas sociedades, diante das variações do clima e das transformações ambientais, são postas à calva: com o aumento ou redução das precipitações pluviométricas, a diminuição da cobertura vegetal, a elevação do nível dos mares, a alta das temperaturas ou a multiplicação e a intensificação das tempestades, destacam-se sonhos acalentados com a perda dos bens mínimos à vida decente.

O resultado da incúria gerada pelas ambições mercantis liga-se à vulnerabilidade daquelas populações e também ao contexto social de política pública. Os acadêmicos tem ciência de que, em mais quarenta anos, teremos cento e cinquenta milhões de pessoas que serão consideradas como refugiados climáticos. E, com certeza, eles terão a lucidez de lutarem, proporem soluções e se engajarem numa cooperação internacional para amainar, reduzir ou mitigar a injustiça criada pelos países ricos ou pelo egoísmo das empresas multinacionais. A luta contra as mudanças climáticas, pela sua crueldade como tem ocorrido, acima de tudo, é imperativo de solidariedade humana.

Dentro de tantas atribuições e inquietações, penso que o impacto ambiental em todo o Planeta e as novas tecnologias para as pessoas, podem constituir também o objetivo a ser perseguido por uma Academia de Letras deste século, dentro de outras possíveis preocupações com o homem, verdadeiro destinatário deste Planeta.

*Contributo à Academia Paulista de Letras por seu centenário, recém comemorado.

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1 Bertrand Badie, "Un monde dans l’impasse: ne rien changer pendant que tout change", artigo no livro adiante mencionado, p. 15/25

2 Bertrand Badie e Sandrine Tolotti, "L'état du monde 2009", Le Grand Livre du Mois, Paris, 2008, p.15

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*Advogado e fundador do site Auditoria Jurídica




 

 

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