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Vendas a não-contribuinte do ICMS: um novo capítulo na guerra fiscal

Recentemente voltou à tona na mídia as discussões acerca da necessidade de repartição do ICMS cobrado nas vendas a não-contribuinte do imposto localizado em outro Estado.

31/5/2010


Vendas a não-contribuinte do ICMS: um novo capítulo na guerra fiscal

William Roberto Crestani*

Recentemente voltou à tona na mídia as discussões acerca da necessidade de repartição do ICMS cobrado nas vendas a não-contribuinte do imposto localizado em outro Estado. Atualmente, pela regra inserida na CF/88 (clique aqui) (artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alínea b), as operações que destinem bens a consumidor final não-contribuinte do ICMS se sujeitam à alíquota interna do Estado de origem, que recebe o valor integral do imposto.

As discussões, dessa vez, foram iniciadas pelas tentativas de alguns Estados (Ceará e Mato Grosso) em forçar o pagamento pelo fornecedor de um novo ICMS na entrada das mercadorias nesses Estados, inclusive com a exigência do cumprimento de novas obrigações acessórias, sob pena de apreensão das cargas na fronteira. Frise-se que tal cobrança é ilegítima do ponto de vista jurídico.

Na prática, as medidas afetam, sobretudo, as empresas de comércio eletrônico, que têm nas pessoas físicas seus principais clientes e cujos centros de distribuição estão localizados em São Paulo ou em outros Estados da região sul e sudeste. As medidas também podem impactar nas vendas feitas diretamente a pessoas jurídicas não-contribuintes do imposto, como hospitais, clínicas e prestadores de serviço em geral.

Uma observação mais atenta da situação é suficiente para concluir que se trata de uma clara tentativa desses Estados, sob a justificativa de preservação da sua arrecadação, de fazer valer o seu ponto de vista ao largo do que determina a CF/88 (clique aqui). Para as secretarias de fazenda desses Estados não é justa a concentração da arrecadação nos Estados de origem, especialmente diante da crescente participação do comércio eletrônico nas vendas a varejo.

Sob um ângulo estratégico, o comportamento desses Estados também significa um estímulo à retomada da discussão do assunto em contramão ao que deseja os Estados fornecedores, como São Paulo. Não por acaso, o tema já está na pauta do CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária e deve ser tratado na próxima reunião do órgão, a despeito dos argumentos jurídicos de que o CONFAZ não tem competência para alterar ou limitar uma regra constitucional.

Para os contribuintes, por sua vez, esse é um sinal importante sobre o que esperar para um futuro próximo. No passado, o tema já foi objeto de outra polêmica. Em 2000, após a suscitação de diversos debates, o CONFAZ aprovou o Convênio 51/00 para disciplinar o pagamento do ICMS nas vendas de veículo novo pela internet. O convênio estabeleceu que o imposto dessas operações deveria ser recolhido em parte ao Estado do fornecedor (fábrica) e em parte ao Estado onde o consumidor recebesse o veículo.

Na ocasião, o Estado de Minas Gerais não aceitou ratificar o convênio e chegou a propor a ADIn 2747 (clique aqui) para discutir a inconstitucionalidade do convênio. Após três anos, com a alteração do ambiente político, o Estado aceitou se submeter ao convênio e a ação acabou perdendo o seu objeto. Apesar disso, durante esse período os fornecedores mineiros estiveram sujeitos a uma regra distinta dos demais contribuintes e, por essa razão, se submeteram, na prática, a algumas retaliações dos outros Estados.

Seguindo essa lógica, causa certa preocupação a possibilidade das medidas adotadas pelos Estados do Ceará e Mato Grosso não apenas serem mantidas, mas também serem replicadas por outros Estados, como forma de pressão política para induzir à aprovação e ratificação nacional de um convênio que atenda aos seus interesses.

É fato que estamos diante de um novo capítulo da tão comentada guerra fiscal, que invariavelmente faz vítimas entre os contribuintes e cuja solução definitiva depende da aprovação da reforma tributária atualmente em trâmite no Congresso Nacional, a qual pretende instituir a tributação do ICMS no destino e criar um sistema de compensação das perdas financeiras dos Estados.

Isso não significa, porém, que os contribuintes/fornecedores prejudicados estão de mãos atadas, o que, em última instância, poderia significar uma perda para os próprios clientes localizados nesses Estados, na medida em que o fornecedor se sinta obrigado a repassar o custo da guerra fiscal ao consumidor final ou, pior, tenha de cessar a atividade de venda para o respectivo Estado em razão da inviabilidade comercial.

Como dissemos, a cobrança é absolutamente ilegítima do ponto de vista jurídico, pois claramente desrespeita a CF/88, existindo medidas judiciais para afastar o comportamento abusivo das autoridades estaduais. Portanto, apesar de o contribuinte dever ser cauteloso antes de iniciar batalhas judiciais, esse mesmo contribuinte não deve se sentir acuado se a evolução do assunto implicar em novas ofensivas das fazendas estaduais, principalmente diante da inconstitucionalidade que permeia essas novas exigências.

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*Associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2010. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS












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