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Penalidade de advertência em infração de trânsito – direito do motorista ou prerrogativa de aplicação da autoridade de trânsito?

A lei 9.503/97, rotulada como CTB - Código Brasileiro de Trânsito, por óbvio, prevê em seu bojo as penalidades a que se sujeitam os infratores das regras estabelecidas nesse diploma.

18/5/2010


Penalidade de advertência em infração de trânsito – direito do motorista ou prerrogativa de aplicação da autoridade de trânsito?

Sidney Martins*

A lei 9.503/97, rotulada como CTB - Código Brasileiro de Trânsito (clique aqui), por óbvio, prevê em seu bojo as penalidades a que se sujeitam os infratores das regras estabelecidas nesse diploma, na legislação complementar e nas Resoluções do CONTRAN - Conselho Nacional de Trânsito.1

Diversos são os tipos de penalidades prescritos no CTB passíveis de aplicação aos transgressores das leis de trânsito.

Tem-se: advertência por escrito, multa, suspensão do direito de dirigir, apreensão do veículo, cassação da CNH, cassação da Permissão para Dirigir e, frequência obrigatória em curso de reciclagem.2

O Código sob referência também estabelece categorias para as multas segundo a sua gravidade (leve, média, grave e gravíssima).3

No capítulo atinente às infrações, o CTB descreve as condutas dos motoristas consideradas como infrações de trânsito, bem como enumera as respectivas categorias das multas.4

De modo que, a todo comportamento ilícito é atribuída uma sanção que fica atrelada a uma categoria, conforme a sua gravidade. A penalidade mais corriqueira é a de multa e a que se afigura como enigmática é a de advertência por escrito.

Na prática parece que tanto motoristas como autoridades executivas de trânsito parecem desconhecer essa figura.

Quiçá o "desconhecimento" das autoridades que administram e fiscalizam o trânsito seja proposital, eis que se mostra inadmissível que o agente público esteja investido na função sem estar devidamente qualificado para desempenhar seu desiderato.

Advertir não traz receita!!!

Jornal de grande circulação na capital paranaense recentemente veiculou notícia dando conta que multas leves e médias correspondem a 60% (sessenta por cento) do total de penalidades aplicadas no primeiro trimestre deste ano no Paraná.

Já o motorista talvez realmente não saiba que nem toda infração leva inexoravelmente a uma multa ou à suspensão ou cassação da CNH, consoante as normas legais.

O CTB trata da penalidade de advertência por escrito em seu art. 267, o fazendo nos seguintes termos:

"Art. 267. Poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa.

§ 1º A aplicação da advertência por escrito não elide o acréscimo do valor da multa prevista no § 3º do art. 258, imposta por infração posteriormente cometida.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se igualmente aos pedestres, podendo a multa ser transformada na participação do infrator em cursos de segurança viária, a critério da autoridade de trânsito."

A primeira questão que emerge do texto antes reproduzido, como sugere o título deste artigo, é a concernente a constituir a aplicação da penalidade de advertência cogitada – em lugar da multa – um direito do motorista ou uma prerrogativa da administração?

Antes de externar juízo a respeito, registra-se que os entes executivos de trânsito, quando indagados sobre as razões pelas quais aplicam multas e não advertências, limitam-se a invocar uma inexistente discricionariedade do Poder Público na aplicação do disposto no art. 267, do CTB.

Dizem eles que "fica a critério da autoridade de trânsito aplicar a advertência se julgar que esta seria mais educativa".

Há manifesto equívoco perpetrado pelas autoridades na intelecção do contido no artigo sob referência.

A correta interpretação do preceito leva à ilação diversa da que têm emprestado os administradores/julgadores no momento em que se defrontam com o assunto.

Não orbita o campo discricionário daquele que julga o auto de infração a aplicação da penalidade de advertência se cumpridos os requisitos legais.

Sobre o assunto, conforme considerações insertas em "Multas de Trânsito – Defesa Prévia e Processo Punitivo"5, acentuamos:

a) advertência por escrito

A autoridade de trânsito, nas infrações em que seja cominada pena de multa, poderá impor ao infrator apenas a penalidade de advertência por escrito, desde que:

- a infração seja classificada como leve ou média (as categorias das infrações serão referidas adiante);

- o infrator não seja reincidente na mesma infração, nos últimos doze meses;

- entenda esta providência como mais educativa, considerando o prontuário do infrator.

A penalidade de advertência por escrito pode ser aplicada igualmente aos pedestres, podendo a multa ser transformada na participação do infrator em cursos de segurança viária, a critério da autoridade de trânsito.

A circunstância de, no início do art. 267, constar o verbo "poderá" de modo algum significa que a autoridade de trânsito goza de juízo discricionário para decidir se substitui a multa pela penalidade de advertência.

Uma vez atendidos os requisitos enunciados no dispositivo, tem o autuado o direito à substituição preconizada na lei.

Ora, não há como contestar que a advertência como penalidade cumpre a função educativa. Então não há como deixar de aplicá-la quando presentes as condições para a sua aplicação. Haveria manifesta violação do princípio da razoabilidade. Qual seria a justa razão para aplicar a multa em lugar da advertência?

No mesmo tom a opinião de Rizzardo: "Todavia, se nada consta nos registros contra o condutor ou proprietário, e satisfeitos os demais elementos, há obrigatoriedade em proceder à substituição, posto que erige-se em direito consagrado no Código".6

Destarte, a autoridade de trânsito em situações que tais não está adornada de livre arbítrio para aplicar a penalidade de advertência por escrito quando lhe aprouver ou simplesmente deixar de aplicá-la sob o pueril argumento de que entende não ser esta uma providência educativa.

Por outro vértice exsurge a problemática relacionada com prova de atendimento dos requisitos para aplicação da advertência ao invés da multa.

Cabe ao motorista, por ocasião da apresentação da sua defesa contra a autuação, juntar documentos que atestem "não ser ele reincidente na mesma infração nos últimos doze meses"?

Como anotamos em nossa obra antes referida, em torno desse ponto em particular, reformulamos o entendimento anterior que visualizava como necessário o infrator anexar documentação comprobatória da sua primariedade infracional (no curso dos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à infração objeto).

Nos dias atuais, com a estruturação das entidades executivas de trânsito, as quais estão integradas às repartições estaduais de trânsito, os DETRANS, não tem mais sentido exigir do autuado a apresentação de certidão – ou equivalente – quando a autoridade tem a seu dispor mais facilmente os dados cadastrais dos motoristas. Basta consultá-los.

Não há porque onerar o cidadão exigindo a apresentação de certidão.

Aliás, todas as penalidades aplicadas aos motoristas devem estar invariavelmente registradas nos respectivos prontuários que se encontram nos chamados Departamentos de Trânsito, eis que, por determinação do art. 256, § 3º, do CTB, as imposições de penalidades devem ser comunicadas aos órgãos executivos de trânsito.7

Não serve de justificativa legal eventual alegação sobre a dificuldade de consultar o cadastro do DETRAN de origem da CNH baseado no fato de a entidade municipal de trânsito situar-se em Comarca distante da sede daquele ou que isto importaria em atividade dispendiosa. Com a informatização não existem distâncias.

A necessária celeridade na prolação das decisões não autoriza a dispensa de formalidades essenciais à correta e justa aplicação da lei.

Não se perca de vista que a imposição de penalidade é espécie do gênero ato administrativo e como tal exige motivação.

É de rigor que diante de infração de natureza leve ou média, antes da aplicação da penalidade, a autoridade julgadora tenha em mãos a "vida pregressa" do motorista para que, de posse das informações cadastrais, decida pela devida sanção (advertência escrita ou multa).

Assente-se que a advertência por escrito, presentes os requisitos (primariedade na infração da categoria leve ou média, considerados os 12 meses anteriores), é a penalidade aplicável que só pode ser substituída pela multa mediante ato decisório motivado.

Exige-se que a autoridade apresente expressa e formalmente as razões pelas quais opera a substituição.

Advirta-se que soa despropositado imaginar que autoridades de trânsito se limitem a utilizar expressões padrões como: "deixo de aplicar a penalidade de advertência por não constituir esta medida educativa".

O Direito não se compadece com afirmações genéricas e destituídas de fundamentos que as sustentem.

A propósito, o Poder Judiciário chancela o que pugnamos como se vê nas seguintes amostras jurisprudenciais:

Entendo que o art. 267 do CTB, ao permitir que nas infrações de natureza leve e média a penalidade de multa seja substituída por advertência por escrito, não confere ao administrador poder discricionário, mas, sim, vinculado.

Ocorre que, caso preenchidos os pressupostos para a aplicação da penalidade de advertência, o administrador deve justificar o porquê de não aplicar a penalidade menos gravosa e substitutiva.8

No que tange à conversão da multa em pena de advertência por escrito, dispõe o art. 267 do CTB que 'poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator na mesma infração nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o seu prontuário, entender esta providência como mais educativa'.

Diante da solicitação da conversão por parte da infratora, a autoridade de trânsito deveria, presentes os requisitos necessários a esta providência, aplicar a penalidade de advertência por escrito ou, justificar o motivo pelo qual deixou se fazê-lo, o que não ocorreu no caso sub judice.9

Portanto, afronta a ordem jurídica interpretar o art. 267, do CTB, como contemplativo de uma faculdade concedida às autoridades de trânsito para aplicar a penalidade de advertência escrita nos casos de infrações de natureza leve ou média, se nos últimos doze meses o infrator não for reincidente na mesma infração.

É direito do motorista, nessas circunstâncias, não se ver multado e ponto final.

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1 CTB. Art. 161. Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX.

Parágrafo único. As infrações cometidas em relação às resoluções do CONTRAN terão suas penalidades e medidas administrativas definidas nas próprias resoluções.

2 Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:

I - advertência por escrito;

II - multa;

III - suspensão do direito de dirigir;

IV - apreensão do veículo;

V - cassação da Carteira Nacional de Habilitação;

VI - cassação da Permissão para Dirigir;

VII - frequência obrigatória em curso de reciclagem.

3 Art. 258. As infrações punidas com multa classificam-se, de acordo com sua gravidade, em quatro categorias:

I - infração de natureza gravíssima, punida com multa de valor correspondente a 180 (cento e oitenta) UFIR;

II - infração de natureza grave, punida com multa de valor correspondente a 120 (cento e vinte) UFIR;

III - infração de natureza média, punida com multa de valor correspondente a 80 (oitenta) UFIR;

IV - infração de natureza leve, punida com multa de valor correspondente a 50 (cinqüenta) UFIR.

4 Capítulo XV – Das Infrações

5 MARTINS, Sidney. – Juruá Editora: PR. 2ª Edição, págs. 68/70.

6 RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 2. ed., p. 693.

7 Art. 256. (...):

§ 3º A imposição da penalidade será comunicada aos órgãos ou entidades executivos de trânsito responsáveis pelo licenciamento do veículo e habilitação do condutor.

8 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ap. Cív. 70022982177/2008. Des. Adão Sérgio Nascimento Cassiano.

9 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ap. 605.905.5/0. Des. Martins Pinto.

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*Advogado, consultor, palestrante e Coordenador do Núcleo de Direito Público e da Controladoria de Qualidade do escritório Küster Machado - Advogados Associados







 


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