O "Ambush Marketing" na Copa do Mundo de Futebol
Mauro J. G. Arruda*
Trata-se da eventual ameaça do chamado "Ambush Marketing", doravante denominado "marketing de emboscada", também conhecido por "marketing de guerrilha", e que consiste em publicidades paralelas, sem o pagamento de "royalties" aos patrocinadores oficiais. Isso porque a realização da maioria desses eventos só é possível graças a esses patrocinadores oficiais, geralmente representados por grandes empresas.
Ter a exclusividade e a manutenção desses direitos é, pois, de fundamental importância para essas empresas patrocinadoras ou titulares desses direitos, uma vez que investem vultosas somas nesses eventos, na expectativa de auferirem lucro mediante o retorno que tal exposição na mídia possa lhes trazer.
Na caracterização do marketing de emboscada, empresas não detentoras desses direitos, e que em nada contribuíram para a realização desses eventos esportivos, buscam locupletarem-se à custa daqueles que de fato investiram com o pagamento de cotas de participação de alto valor.
O marketing de emboscada pode realizar-se tanto pelo uso indevido dos símbolos oficiais desses eventos, de maneira disfarçada (embora isso seja menos usual), como pela colocação de placas de publicidades nos locais onde essas competições esportivas se realizam. Em outro formato, pode ocorrer a distribuição de camisas ou apetrechos com as marcas de outras empresas, de modo que possam ser mostradas pela televisão durante os eventos e vistas por várias pessoas.
A esse respeito, um fato tornou-se de destaque na Copa do Mundo de Futebol realizada nos Estados Unidos, em 1994: para não mostrar as placas de um concorrente colocadas muito próximas à linha lateral do campo de futebol, a televisão evitava mostrar a partida toda vez que a disputa se aproximava dessa faixa, prejudicando a transmissão do evento.
Isso não só dificultava a compreensão dos telespectadores do evento que estava sendo transmitido, como também gerava reflexos negativos para os patrocinadores oficiais, que se viam prejudicados pelo aspecto negativo da transmissão pela televisão.
Outro célebre acontecimento ocorrido nesse mesmo ano tinha, dentre os patrocinadores oficiais, determinada empresa de bebidas, produtora de refrigerantes e cervejas. A concorrente dessa empresa, tida na época como a "Número 1" teria pago aos jogadores da seleção brasileira para que, ao marcarem um gol, levantassem sempre o dedo indicador da mão direita reproduzindo o "Número Um". Ao mesmo tempo, essa empresa distribuiu na platéia enormes cartazes reproduzindo esse gesto, para que os expectadores os agitassem durante o evento.
Além desses fatos, outra característica dessa prática é dificultar a correta assimilação pelo público das mensagens publicitárias dela decorrentes, pois em muitas oportunidades o público não consegue distinguir entre os patrocinadores oficiais e aqueles que se valem dessa prática.
Na Copa do Mundo realizada na França, em 1998, mesmo não ser a patrocinadora oficial do evento, uma empresa de material esportivo concorrente expôs a sua marca em vários eventos, fazendo com que as pessoas acreditassem que seria ela a patrocinadora oficial do evento.
Já na Copa do Mundo de 2006, realizada na Alemanha, apesar da organização do Campeonato Mundial de Futebol não permitir nenhum tipo de publicidade na camisa dos times participantes, o jogador Ronaldinho Gaúcho aparecia com uma faixa na cabeça ostentando a marca de material esportivo de empresa concorrente, que não era a patrocinadora oficial do evento e que era mostrada pela televisão toda vez que a bola estava em seu poder.
Isso evidencia que, para se burlar a rigidez da fiscalização, há que se ter muita criatividade e argúcia, até para dificultar a caracterização dessa prática tida como concorrência desleal, podendo ser punida não só pelas leis civis como as criminais.
Certamente nessa reprimenda há exageros, como ocorre, por exemplo, durante a realização das Olimpíadas ou Jogos Olímpicos, onde o Comitê Olímpico tenta reprimir até o uso de expressões comuns por patrocinadores não oficiais, que possam remeter o expectador a esses eventos, tais como a menção ao nome do local da realização do evento em suas publicidades, o que não faz nenhum sentido.
No Brasil, no âmbito administrativo, o CONAR – Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária que, nos termos do seu estatuto social, tem por objetivo zelar pela comunicação comercial sob todas as formas de propaganda, condena essa prática, consoante determina o artigo 31 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (clique aqui), a saber:
"Artigo 31. Este Código condena os proveitos publicitários indevidos e ilegítimos, obtidos por meio de "carona" e/ou "emboscada", mediante invasão do espaço editorial ou comercial de veículo de comunicação.
Parágrafo Único – Consideram-se indevidos e ilegítimos os proveitos publicitários obtidos:
(a) mediante o emprego de qualquer artifício ou ardil;
(b) sem amparo em contrato regular celebrado entre partes legítimas, dispondo sobre objeto lícito;
(c) sem a prévia concordância do Veículo de comunicação e dos demais titulares dos direitos envolvidos."
No âmbito judicial, dentre outros dispositivos legais vigentes, essa prática pode ser caracterizada como contrafação de marca e concorrência desleal, nos termos da lei 9.279, de 14/5/1966 (clique aqui), Lei da Propriedade Industrial, consoante determinam os seus artigos 189, inciso I, ou mais comumente como concorrência desleal, nos artigos 195, inciso III e 209 e § 1º, passíveis de sanções civis e criminais, a saber:
"Artigo 189 – Comete crime contra registro de marca quem:
I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou
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Artigo 195 – Comete crime de concorrência desleal quem:
III – emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
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Artigo 209 –Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
§ 1º - Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória."
O fato é que, com a proximidade da Copa do Mundo de Futebol, a ser realizada na África do Sul, há que as empresas patrocinadoras oficiais do evento se resguardem, através de cláusulas rígidas de Contratos e de uma ampla fiscalização, pois certamente existirão aqueles que se valerão dessa prática.
O bom senso, no entanto, deverá prevalecer, pois em algumas oportunidades a criatividade dos publicitários prevalecerá e tal prática poderá se situar em um estágio limítrofe, entre o que seja ético e permitido e o que caracterize uma prática desleal. Certamente os que eventualmente buscarem essa prática o farão na certeza de que poderão justificar essa condição limítrofe, argumentando em sua defesa a legalidade do ato.
Será necessário, pois, que se fique atento a esses atos, privilegiando-se a criatividade e, evidentemente, sem o exagero de proibir toda e qualquer referência publicitária que se faça à realização do evento, mas apenas àquelas práticas tidas como desleais e que tentem locupletar-se à custa do esforço e do investimento alheio, trazendo-lhes prejuízo de ordem moral e sobretudo material.
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*Sócio do escritório do escritório Gonçalves, Arruda & Assis Brasil - Sociedade de Advogados
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