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A proteção as marcas de alto renome: o caso "Coca-Cola" versus "Coca-Colla"

Evo Morales, Presidente da Bolívia, anunciou que o seu governo até o final do segundo semestre de 2010 comercializará refrigerante denominado "Coca-Colla".

20/4/2010


A proteção as marcas de alto renome: o caso "Coca-Cola" versus "Coca-Colla"

Patrícia Luciane de Carvalho*

I. O CASO1

Evo Morales, Presidente da Bolívia, anunciou que o seu governo até o final do segundo semestre de 2010 comercializará refrigerante denominado "Coca-Colla". Esta atividade conta com o apoio do Governo, através da Secretaria de Coca e Desenvolvimento Integral, em razão da Bolívia possuir a terceira maior produção de folha de coca do mundo, ficando atrás de Colômbia e Peru. Além do que, em que pese a pressão internacional, com destaque da Organização das Nações Unidas, os cocaleiros não abrem mão de cultivar um dos seus principais ativos econômicos. Essa Secretaria, além do refrigerante, incentiva a produção, como já ocorre, de chá, farinha, pasta de dente e bebidas alcoólicas que tenham como extrato a folha de coca.

Justifica, o Governo, o nome "Coca-Colla" em razão do extrato utilizado para o fabrico do refrigerante ser retirado da folha da coca ("Coca") plantada na parte andina da Bolívia, local ocupado pelos "Colla"; ao contrário das terras mais baixas ocupadas pelos "Cambas".

De acordo com funcionários da Secretaria de Coca e Desenvolvimento Integral o refrigerante será de cor preta e conterá rótulo vermelho, ou seja, muito semelhante ao do comercializado pela The Coca-Cola Company.

Na hipótese desses fatos se concretizarem, nos termos divulgados pelo governo e pela imprensa da Bolívia, necessárias as considerações que seguem.

II. O REFRIGERANTE "COCA-COLA"2

O refrigerante (inicialmente remédio para dor de cabeça e comercializado na Jacob's Pharmacy), vinculado à marca "Coca-Cola", sob a titularidade da The Coca-Cola Company, foi criado em 1886 pelo farmacêutico John Pemberton em Atlanta, nos Estados Unidos. Já a marca, que tão bem conhecida é, e o logotipo são criações de Frank Robinson.

De acordo com a realidade de mercado, distribuição e armazenamento, o refrigerante foi comercializado até 1894 em copos abertos de 237 milímetros, ou seja, não existia conservação apropriada, assim, logo que produzido era comercializado e tinha que ser consumido. À época, na Jacob's Pharmacy, comercializavam-se a média de nove copos ao dia. Neste mesmo ano o comerciante do Mississipi Joseph Biedenharn sugeriu a Asa Griggs Candler, empresário que adquiriu os direitos de comercialização do refrigerante, que o colocasse à venda em garrafas. Desde então assume a The Coca-Cola Company a empreitada do engarrafamento, sobre o qual produziu, da mesma forma, a absoluta identificação.

É neste momento que a empresa passa a investir em marketing e explorar novos mercados, não mais apenas o comércio local, eis que, através do engarrafamento, adquiriu-se maior vida útil ao produto. Mas é neste momento também que os concorrentes iniciam a produção de bebidas similares, inclusive na apresentação da mesma para o mercado consumidor. Neste contexto, a The Coca-Cola Company inicia a produção da famosa garrafa contour e obtem a patente no United States Patent Office em 16 de Novembro de 1915. Este dinamismo da marca "Coca-Cola" deve-se a presença do produto nos mais diversos países, inclusive durante a 2ª Guerra Mundial, em que teve como propaganda a notícia de que todo soldado americano poderia comprar uma "Coca-Cola", aonde quer que estivesse; concomitantemente, passou a promover a defesa dos direitos sobre a marca dentro das exigências de cada país.

III. A MARCA "COCA-COLA" PROTEGIDA PELO ACORDO SOBRE ASPECTOS DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL RELACIONADOS AO COMÉRCIO E PELO PACTO ANDINO SOBRE PROPRIEDADE INDUSTRIAL

O Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, em seu artigo 15.1 estabelece que os países signatários devem proteger qualquer sinal que distingua produto ou serviço, desde que não correspondam à afronta a direitos de terceiros de boa-fé:

"Qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas. Quando os sinais não forem intrinsecamente capazes de distinguir os bens e serviços pertinentes, os Membros poderão condicionar a possibilidade do registro ao caráter distintivo que tenham adquirido pelo seu uso. Os Membros poderão exigir, como condição para o registro, que os sinais sejam visualmente perceptíveis."

Desta forma, a marca "Coca-Cola", dentro desta orientação aos países signatários, encontra-se devidamente protegida em razão do uso e dos registros que dispõe, bem como sobre todos os seus sinais distintivos, como forma, cores e elementos nominativos. Assumindo ainda maior relevância e exclusividade pelas declarações de marca de alto renome que lhe são concedidas pelos países.

Ainda que a Bolívia não seja signatária do TRIPS, caso planeje exportar o produto com a marca "Coca-Colla", pode sofrer negativa de comercialização junto aos países que incorporaram esse tratado, eis que a eles cumpre o dever de respeito, restando a Bolívia apenas o mercado nacional, em que pesem as ressalvas que se fará adiante.

Por sua vez, o Pacto Andino, de modo mais privilegiado, já que a Bolívia é signatária do mesmo, estabelece que qualquer sinal apto a distinguir produtos ou serviços junto ao mercado consumidor poderá constituir-se em marca (artigo 134). Porém, não podem constituirem marca os sinais que careçam de distintividade; reproduzam ou imitem, sem permissão do legítimo titular, marca alheia; bem como que seja contrária a lei, a moral, a ordem pública e aos bons costumes (135 e alíneas).

Ora, a sugerida marca "Coca-Colla" assume todas as proibições, uma vez que lhe falta distintividade, corresponde à reprodução da marca "Coca-Cola" sem permissão da The Coca-Cola Company e, automaticamente, esta prática é contrária à lei e a ordem pública, eis que afronta toda a construção da ordem internacional e a ordem jurídica nacional.

O artigo 136 é mais específico ao determinar que:

Art. 136. Não podem registrar-se como marcas aqueles sinais cujo uso no comércio afetará indevidamente um direito de terceiro, em particular quando:

a)seja identico ou se assemelhe, a uma marca anteriormente solicitada para registro ou registrada por um terceiro, para os mesmos produtos ou serviços, ou para produtos e serviços a respeito dos quais o uso da marca pode causar um risco de confusão ou de associação;

h)constitua uma reprodução, imitação, tradução, transcrição, total ou parcial, de um sinal distinto notoriamente conhecido cujo titular seja um terceiro, quaisquer que sejam os produtos ou serviços que se apliquem a este sinal, quando seu uso for susceptível de causar um risco de confusão ou associação com este terceiro ou com seus produtos ou serviços;um aproveitamento injusto do prestígio do sinal; ou a diluição de sua força distintiva ou de seu valor comercial ou publicitário.

A Bolívia como membro fundador do Pacto Andino (26 de Maio de 1969), devidamente incorporado ao sistema jurídico nacional (ao contrário do TRIPS), através do Acordo Cartagena, concordou que as marcas de terceiros devem ser protegidas frente ao interesse de locupletamento ilícito, evitando-se, desta forma, a confusão ou mesmo a diluição de uma marca frente ao mercado, em razão de seu uso indevido e indiscriminado. Com maior destaque para com um produto alimentício, como o é o refrigerante, o qual, conforme já mencionado, é demasiadamente consumido por crianças, adultos e idosos, correspondendo na atualidade a um hábito de consumo. Este fator de per si já corresponde a uma agravante, mas tem-se também que este uso pode causar a diluição da marca, no sentido de que todos, indiscrimidamente, façam uso da mesma.

Com o Pacto Andino protege-se a marca que demonstre anterioridade no uso. A marca "Coca-Cola" é, como o é em outros países, absolutamente comercializada na Bolívia, tendo neste país também a legitimidade sobre o seu sinal identificador, seja para o produto, seja para as identificações do mesmo.

José Carlos Tinoco Soares3, citando Laura Michelsen Niño, enumera as vantagens do Sistema de Marca Comunitária Andina: "1) proteção uniforme da marca, mediante o registro único, em qualquer Órgão do País-Membro; 2) proteção ampla da marca, ou seja, o titular adquire um direito único e exclusivo sobre sua marca em todos ou em cada um dos países da Comunicade; 3)procedimento único do registro; 4) redução dos custos; 5) direito de prioridade andino; 6) incentivo à inversão estrangeira, ou melhor, atraindo os mercados dos Países-Membros a muitos empresários que não haviam registrado suas marcas na região, em virtude da necessidade de se proceder a cinco pedidos, e 7) diversidade das possibilidades, visto que a Marca Comunitária Andina pode permitir aos titulares de sinais distintivos escolher entre o registro único por País-Membro ou o registro andino, o qual outorga mais possibilidades que as existentes na atualidade".

Desta feita, a marca "Coca-Cola" encontra-se devidamente protegida, de modo unitário, em razão do primeiro registro de marca expedido em seu favor por um país andino. Poder-se-ia argumentar que a marca "Coca-Cola" sofre dentro da Bolívia oposições ou pedidos de cancelamento da marca, contudo, isto não é verdade. O Governo da Bolívia, admite a comercialização sem qualquer oposição de natureza legal. O que efetivamente existe é a tentativa de locupletamento ilícito, através do desvio de mercado consumidor, e a diluição da marca de alto renome.

Como complicador ainda maior à Bolívia, tem-se que ao tentar usurpar a marca "Coca-Cola" estará usurpando também o nome empresarial, eis que a The Coca-Cola Company carrega consigo a marca de um dos produtos de seu portfolio como nome empresarial.

Percebe-se, que desde a ordem internacional, a marca é salvaguardada, seja em razão de seu valor econômico, seja em razão de seu valor social, eis que a proteção conferida serve também de motivação ao titular para que inove, produza e comercialize produtos e serviços nos mais diversos países; gerando, com esta atitude, desenvolvimento sustentável. É exatamente isto que justifica a respeitabilidade à marca de alto renome, ou seja, a valorização do "além fronteira", consequência típica do processo de globalização.

Mas como fazer executar o Pacto Andino? Simples: como a Bolívia é signatária do mesmo, poder-se-á exigir sua eficácia no território da Bolívia, através do requerimento da tutela do Poder Judiciário desse país, o qual deve declarar a executoriedade do Pacto Andino e anular qualquer uso indevido da marca "Coca-Cola", seja pela anterioridade, seja pelo registro ou seja em razão do adjetivo de alto renome.

Ao magistrado da Bolívia restará confirmar a adesão de seu país ao Pacto Andino, a devida incorporação e a determinação de que o Direito da The Coca-Cola Company é anterior e consolidado frente aos interesses do Governo da Bolívia com os produtos aos quais pretende vincular a marca "Coca-Colla".

IV. A MARCA "COCA-COLA" COMO DE ALTO RENOME NO BRASIL

Nessa busca de satistação em cada país em que se fizesse presente o refrigerante, a marca "Coca-Cola" é reconhecida no Brasil, através do INPI, õrgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, como marca de alto renome4. Reconhecimento que se dá de modo misto, ou seja, para o nome ("Coca-Cola") e para a apresentação deste, como o formato de letras e cores utilizadas (vermelho, branco, amarelo e prateado), conforme o Registro sob n.º 825.258.383.

Em razão dessa classificação e dos diversos registros que mantém, desde 11/2/44, no Brasil, a The Coca-Cola Company é titular do direito exclusivo da marca "Coca-Cola", sendo destinatária da proteção que o sistema legal nacional coloca à disposição, destaque-se a Lei da Propriedade Industrial – 9.279/1996:

"Artigo 129

A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional."

"Artigo 125

À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade."

A marca "Coca-Cola", como mencionado, antes mesmo de declarada como de alto renome, obteve vários registros, na forma nominativa e mista, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, desde 1944, não apenas para a classe que envolve refrigerante, mas também para, por exemplo, confecção. Nessa circusntância, ou seja, anteriormente ao alto renome, em razão de sua distintividade e reconhecimento abrangente pelo vasto mercado consumidor, já recebia a devida proteção em razão mesmo desses elementos, em conformidade ao artigo 129. Não deixando de lado a constatação de que a marca "Coca-Cola" é mundialmente conhecida independentemente de prova neste sentido.

Esta distintividade corresponde à identificação da marca dentro da categoria do produto (refrigerante – Coca-Cola, tênis – Nike, bicicleta – Caloi, mercado – Pão de Açucar, cosmético – Avon, brinquedo – Estrela); em alguns casos, ainda que o produto seja concorrente, a marca pode se tornar, em razão da distintividade, referência ao gênero (Palha de Aço – Bom Bril, caneta – BIC). Estes produtos são distintos, destaques, sui generis, frente aos demais da categoria.

Marcas existem que ultrapassam o território local (podendo chegar a mundial), cultural e setor de atuação, como é o caso da Coca-Cola. Ela é comercializada no mundo, em países com os mais diversos tipos de política e em culturas universais, regionais e locais. É uma das marcas mais requisitadas para patrocinar produções artísticas de repercussão mundial (Copa do Mundo, Olímpiadas, turnês, shows), já que em qualquer lugar do mundo em que apareça a referida marca ou o produto, a população a identifica; sem que para tal seja necessária a apresentação do produto e o consumo desnecessário de tempo.

Ao ocorrer este salto de marketing, de mercado e de atuação, a marca pode adquirir a posição de alto renome, com isto a exclusividade sobre a mesma independe da classe de atuação, destinando-se a titularidade a um único interessado. São exemplos no Brasil de alto renome: Hollywood, Mac Donalds, Pirelli, 3M, Cica, Kibon, Natura, Aymoré, Visa, Fiat, Perdigão, Toyota, Lacta, Rolex, Skol, Volkswagem, Intel, Azaléia, Olympikus, Jaguar, Elma Chips, Petrobras, Brahma, Motorola, Mercedes-Benz, Antarctica, Banco do Brasil, Hellmann's, Diamante Negro, Playboy, Veja, Tramontina, Havaiana e Bom Bril. Estas marcas adquiriram o direito de titularidade exclusiva independentemente da classe de registro junto ao INPI, ou seja, não podem ser usadas, nos termos que acima citadas foram, por terceiros não autorizados. Nestas circunstâncias encontra-se a marca Coca-Cola acompanhada de todos os demais elementos de identificação.

O STJ, em Recurso Especial, emitiu pronunciamento sobre a marca de alto renome:

"Pois bem, quanto às marcas designadas de "alto renome" (art. 125 da lei 9.279/96), reconhece-se que as mesmas possuem como elemento essencial à "reputação" , é dizer, o elevado conhecimento do público em geral, ao qual se agrega a intensa transmissão de determinados valores - prestígio, fama, renome, transportados a quaisquer outros produtos, serviços ou atividades assinalados pela mesma marca."

(STJ, Recurso Especial n. 758597, Min. Jorge Scartezzini, julgado em 17/11/2005, Reg. N.º 2005/0097460-7)

Com o alto renome, a marca Coca-Cola, independentemente de utilizada para refrigerantes, pertence exclusivamente a The Coca-Cola Company. José Carlos Tinoco Soares acerca da valoração desta espécie de marca assevera:

"Para certas marcas que adquiriram alto renome (high reputation) em determinado país, de modo que possuam um atrativo próprio, a proteção poderá ser almejada em face do uso ou do registro para quaisquer produtos ou serviços, sem que haja necessidade de provar qualquer vantagem indevida ou denegrimento; 4) tais marcas, denominadas "marcas que possuem alta reputação" (marques de haute renomme, na França; beruhmte mark, na Alemanha) são aquelas conhecidas por uma grande parte do público em geral e que possuem tal reputação que não permitem nenhuma justificativa para seu uso ou registro por terceiros."

(Revista dos Tribunais n. 738, em abril de 1997, págs. 32/40)

Desta forma, tem o titular a prerrogativa de proteger a marca contra qualquer espécie de afronta, seja na esfera administrativa, judicial, cível e/ou criminal:

"Artigo 130

Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:

III – zelar pela sua integridade material ou reputação."

Em que pese esta tutela protetiva de âmbito nacional, sofre a marca "Coca-Cola" a prática de atos ilegais, tais como reprodução e imitação, na realidade desde a sua origem; contudo, em território nacional, dentro da competência policial e jurisdicional do Brasil, este tem a obrigação de exercer de modo eficiente a proteção da marca "Coca-Cola". E em virtude da relevância que há para o desenvolvimento sustentável do Brasil no que se refere à respeitabilidade aos direitos de propriedade intelectual conferidos, a Lei da Propriedade Industrial estabelece que:

"Art. 189

Comete crime contra registro de marca quem:

I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão.

Pena – Detenção de três meses a um ano ou multa."

Reproduzir a marca "Coca-Cola", total ou parcialmente, corresponde a comercializar produto com a mesma identificação, ou seja, com a mesma fonte de letra, tamanho, cores e formato. Este ato faz com que o consumidor compre o refrigerante – reproduzido – achando que compra uma "Coca-Cola". Por sua vez, imitar a marca "Coca-Cola" é comercializar refrigerante com identificação semelhante, muito parecida, causando confusão na capacidade de escolha/discernimento do consumidor – que não é especialista. Este adqurire o refrigerante – imitado – também como se fosse uma "Coca-Cola".

Comete também crime aquele que adentra ao conceito de comercializar:

"Art. 190

Comete crime contra registro de marca quem importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque:

I – produto, assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte.

Pena – Detenção de um a três meses ou multa."

O terceiro não autorizado não pode produzir, comercializar ou mesmo colocar à comercialização, ou seja, é suficiente a possibilidade. Entenda-se que o terceiro, portanto, compreende tanto o que produz, comercializa ou coloca à disposição para o consumo, tanto faz se entidade pública ou privada. Desta forma, a tipicidade envolve, inclusive, os menos atentos à fonte de aquisição dos produtos que comercializa em seu estabelecimento. O ônus da prova é de responsabilidade desse terceiro.

Estas práticas de concorrência desleal são motivadas pelo desejo de se locupletar da pesquisa, conhecimento, investimento e excelente fama de produto a décadas no mercado mundial, valendo-se de atos que proporcionem o enriquecimento ilícito. É o que pensa o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"A marca registrada não pode ser utilizada sem a anuência de seu titular, mesmo quando inexiste a proteção da especialidade do Alto Renome ou haja distinção na classificação internacional de produtos e serviços (NICE)."

(TJ/RJ, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível n.º 2007.001.54334, Des. Rel. Paulo Gustavo Horta)

Estas tipificações criminais têm por fundamento a Lei da Propriedade Industrial, correspondem, portanto, à tipificação especial, a qual exige prova diferenciada, a exemplo da comprovação de que se é titular da referida marca. Faz-se esta prova por meio do registro de marca emitido pelo INPI. Todavia, existem marcas que merecem respeitabilidade, ainda que sem o registro concedido, diante mesmo do princípio do uso efetivo e da anterioridade; para estes casos percebe-se a necessidade de maior flexibilidade por parte da autoridade policial e judicial. Quanto a esta problemática, em que pese não compor o núcleo da discussão, tem-se a Resolução n. 57 da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual:

"1. No exame do direito à ação criminal por violação a registros de marca ou patente, sejam admitidos como prova não só o certificado do registro de marca ou carta-patente, mas também os volumes da Revista da Propriedade Industrial que tiverem publicado a concessão de tais títulos, bem como a listagem obtida a partir do banco de dados do INPI, por se tratar de documentos que gozam de fé pública, a teor do art. 9 da Lei 5.648/70;

2. Nos crimes de concorrência desleal contemplados no art. 195, III, da Lei 9.279/96, o certificado de registro de marca ou a carta-patente não sejam exigidos para a demonstração do direito à ação, pois tais delitos se configuram mesmo na ausência de patente concedida ou marca registrada;"

Superada a questão probatória, além da tipificação criminal, que envolve o interesse do Estado em proteger o titular do direito sobre a marca, tem-se a tipificação específica de crime de concorrência desleal, a fim de proteger o princípio da economia e, automaticamente, o desenvolvimento econômico, seja setorial, seja nacional:

"Art. 195

Comete crime de concorrência desleal quem:

III – emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem.

PENA – Detenção de três meses a um ano ou multa."

E mais, em complemento tem-se dispositivo do CP sobre o Estelionato e outras fraudes:

"Art. 175

Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:

I vendendo como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada.

II entregando uma mercadoria por outra.

PENA – Detenção de seis meses a dois anos ou multa."

Uma outra esfera que o Estado brasileiro protege em matéria de reprodução ou imitação de marca é o consumidor, eis que este, nestas circunstâncias, pode ser presumido como hipossuficiente e qualquer dessas práticas, ainda que não lhe cause problemas de saúde, causando-lhe "possibilidade" de confusão ou de bom estado de saúde, merece também a acolhida do CDC, eis que incorpora a relevância de ordem pública:

"Art. 4.º

A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

VI – Coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais, das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízo aos consumidores;"

"Art. 18 (...)

§6º - São impróprios ao uso de consumo:

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;"

Em que pese tratar-se do CDC, protege especificamente também o titular de marca, eis que este, com destaque quando se trata de produtos alimentícios, interfere diretamente na boa saúde do consumidor. E é esta relevância que justifica a responsabilidade do tipo solidária entre os operadores da mercadoria. E por outro lado, o refrigerante da marca "Coca-Cola" é intensamente consumido pelas diversas camadas da população brasileira, desta forma, o dever de zelo é ainda maior para com os interesses de crianças, adultos e idosos.

Toda esta construção para a proteção da marca de alto renome no Brasil decorre dos árduos trabalhos da esfera internacional, a exemplo da Convenção da União de Paris, do TRIPS e dos trabalhos da AIPPI – Association Internationale pour la Protection de la Propriété Industrielle, a qual concluiu após Reunião do Comitê Executivo que:

"Marks which, even if they are not used in the country in which protection is claimed, are deemed to enjoy a high repute either in that country or at an international level"

(AIPPI Annuaire 1990/VII, pág. 89)

Todavia, tem maior interesse para o caso em espécie o Pacto Andino (item anterior) que estabeleceu o Regime Comum Sobre Propriedade Industrial, em conformidade com a Decisão 486 da Comissão da Comunidade Andina, do qual é parte signatária também a Bolívia.

V. A SUPOSTA JUSTIFICATIVA CULTURAL À MARCA "COCA-COLLA" OFERECIDA PELO GOVERNO DA BOLÍVIA

O Governo da Bolívia divulga como defesa à marca escolhida o fato dela fazer referência a um cultivo nacional que lhes é milenar – "Coca" -, e à indicação de uma determinada sociedade da Bolívia - "Colla".

Ocorre que estes argumentos, em razão de uma realidade política da Bolívia, podem ser "válidos" apenas em território nacional ou no máximo para com países não signatários do Pacto Andino e da Convenção da União de Paris, em razão dos argumentos anteriormente expostos.

Pode-se reconhecer a cultura milenar e a indicação de valorização de uma determinada sociedade indicada geograficamente, porém, sem que se afrontem direitos reconhecidos internacional e nacionalmente, por meio de tratados, leis, anterioridades, registros e declarações de marca de alto renome.

A empresa The Coca-Cola Company alcançou desde 1886 todas estas esferas protetivas, possuindo anterioridade no uso, vários registros e a declaração, seja de fato ou de direito, de marca de alto renome mundial. Nestes termos não deve ser penalizada pela ausência de agir da Bolívia ou pelo agir de má-fé deste país.

Com isso não se impede a Bolívia de valorizar a tradição sobre a "Coca" e nem a sociedade "Colla", apenas não o pode fazê-lo utilizando-se do conjunto "Coca-Colla", tendo por agravantes o setor de refrigerantes e os mesmos caracteres, quais sejam, a cor preta para o refrigerante e os caracteres em vermelho, como sinaliza o governo da Bolívia.

A tentativa presente corresponde à aventura em locupletar-se indevidamente por meio da confusão provocada no consumidor. Proteção das manifestações culturais não se pode confundir com exploração abusiva em detrimento dos direitos de terceiros.

VI. CONCLUSÃO

Em se confirmando a produção e comercialização, nos termos anunciados, do refrigerante "Coca-Colla", a The Coca-Cola Company poderá agir na Bolívia e no Brasil, no caso de comercialização nesse país, nos termos que seguem:

1. Propor demanda judicial junto ao Poder Judiciário da Bolívia em virtude de desrespeito ao Pacto Andino sobre o Regime Comum sobre a Propriedade Industrial, especificamente ao Sistema de Marca Andino;

2. Propor demanda judicial contra o responsável pela distribuição e comercialização do produto no Brasil, na eventualidade da ilegalidade ser praticada em território brasileiro, requerendo a cessão de prática de ato incriminado, com aplicação de multa diária, observadas as responsabilidades de cunho civil e criminal, em consonância com a CF/88, a Lei da Propriedade Industrial, o CPC, o CC, o CP e o CDC;

3. Propor, via demanda judicial, a busca e apreensão de toda a mercadoria com a identificação da marca protegida no Brasil como de alto renome e ao final a inutilização da mesma, bem como de todo material em estoque para esta finalidade; e,

4. Na eventualidade do refrigerante "Coca-Colla" buscar registro junto ao INPI, o esgotamento do processo administrativo (esta hipótese apenas como zelo argumentativo, mesmo porque o INPI declarou a marca "Coca-Cola" como de alto renome).

Feitas estas observações, espera-se, sinceramente, que o governo da Bolívia, mantenha o Estado de Direito, em conformidade com o Pacto Andino e o Tratado de Assunção (Mercosul) e com a expectativa gerada nos diversos países no sentido de que se respeita o direito marcário de terceiros.

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1 Fonte: BBC Notícias. Acesso em 04 de Janeiro de 2010 – www.bbc.uk.

2 Fonte: The Coca-Cola Company. Acesso em 18 de Janeiro de 2010 – www.coca-cola.com.

3 Fonte: The Coca-Cola Company. Acesso em 18 de Janeiro de 2010 – www.coca-cola.com.

4 Fonte: INPI. Acesso em 15 de Janeiro de 2010. https://www.inpi.gov.br/noticias/Alto%20Renome.pdf/view.

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*Advogada de Tinoco Soares & Filho Ltda.






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