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Idoso: empréstimo consignado

Os fornecedores do produto dinheiro, através de agressiva publicidade e contando com forte influência dos meios de comunicação, aumentam o consumo de bens supérfluos quando oferecem ao consumidor acesso fácil ao crédito sem maiores exigências, mas, ao contrário, com facilidades irresponsáveis; o serviço torna-se assim defeituoso, porque sem informação adequada sobre os riscos do uso do crédito; evidente que esta omissão causa danos ao tomador do dinheiro, porque o empurra para o rol de maus pagadores; para o empresário do dinheiro, a situação é confortável, porquanto aumenta o número de sua clientela e lhe confere maiores lucros na atividade.

19/3/2010


Idoso: empréstimo consignado

Antonio Pessoa Cardoso*

Os fornecedores do produto dinheiro, através de agressiva publicidade e contando com forte influência dos meios de comunicação, aumentam o consumo de bens supérfluos quando oferecem ao consumidor acesso fácil ao crédito sem maiores exigências, mas, ao contrário, com facilidades irresponsáveis; o serviço torna-se assim defeituoso, porque sem informação adequada sobre os riscos do uso do crédito; evidente que esta omissão causa danos ao tomador do dinheiro, porque o empurra para o rol de maus pagadores; para o empresário do dinheiro, a situação é confortável, porquanto aumenta o número de sua clientela e lhe confere maiores lucros na atividade. O desconforto maior reside no fato de que as classes menos favorecidas são as mais atingidas; são os aposentados ou os assalariados as presas alcançadas pelo mercado capitalista.

O empréstimo consignado é um tipo de contrato celebrado entre o servidor público e uma instituição financeira com o fim de obter dinheiro emprestado e o pagamento feito através de desconto diretamente no contracheque do tomador.

Esta modalidade de empréstimo foi criada, inicialmente por decreto, depois a lei 10.820 (clique aqui) legalizou as operações de crédito consignado para os aposentados e pensionistas do INSS. No início, cobrava-se até uma TAC, taxa de abertura de crédito, para possibilitar a celebração do contrato; posteriormente, em 2006, através de Instrução Normativa, o INSS proibiu a cobrança dessa taxa.

Os bancos encontraram um grande número de necessitados deste produto, os aposentados e idosos. Os "donos do dinheiro" encontraram fonte altamente lucrativa e sem o menor risco.

O banco da terceira idade chega para explorar esta grande fatia de consumidores; algumas instituições bancárias, que já processam a folha de pagamento deste ou daquele segmento, conseguiram monopolizar os convênios com os governos para descontos nos contracheques dos empréstimos consignados, ferindo, desta forma, o critério de opção dos servidores. A estes não se oferece a faculdade de escolher o banco para celebração do contrato, pois a entidade pública fixou a obrigatoriedade de negociar somente com o banco pagador do salário.

Quando se criou o crédito consignado, o governo não se preocupou em fixar regras de proteção ao idoso, mas visualizou somente a saúde financeira das instituições de crédito. Lula usou, em campanha pela re-eleição de 2006, como grande conquista para os idosos do crédito consignado, quando afirmou que essa modalidade de empréstimo significa avanço na qualidade de vida do aposentado.

O idoso recebe oferta para empréstimo com percentual de juros reduzidos e longo tempo para pagar, em torno de 60 meses, ou seja, cinco anos; em contrapartida, autoriza a fonte pagadora, empregador, INSS a repassar para o banco, mensalmente, determinado valor, amortizando assim a dívida contraída. O tomador não diligencia para buscar maiores informações sobre o empréstimo, sabendo somente que a operação não poderá ultrapassar o teto definido de comprometimento no correspondente a 30% de seu salário mensal.

As cláusulas desses contratos são confusas para o público alvo, porque escritas com letras miúdas e oferecem dificuldades para sua compreensão.

A população que se dispõe a celebrar este contrato é composta em sua maioria de pessoas de baixa renda, percebem um salário mínimo, e o campo é fértil, pois se calcula em 19 milhões de aposentados e pensionistas. O contrato termina sendo desvantajoso para o tomador, porquanto a maioria dos idosos compromete sua renda e diminui seu poder de compra de alimentos e de remédios; o dinheiro do empréstimo recebido servirá para saldar compromissos com lojas, bancos, agiotas, condomínios, etc.

Os números mostram que o idoso aposentado é responsável pelo sustento financeiro da família, não possuindo forças para dirigir o que fazer com seu dinheiro; ademais, o tratamento que os parentes lhe dispensa está diretamente relacionado com a pensão que recebe.

A violência contra o idoso tem relação com seu pecúlio: retenção de cartão de crédito, abandono material, indução a empréstimos irregulares e lesões corporais, constituem as infrações mais comuns.

Nos tempos atuais, a procura de produtos já não sofre influência direta da demanda, mas vincula-se à oferta, à falta, que depende do desejo. Platão em remotas eras, já dizia que se deseja o que não se tem.

Para aumento do consumo, até mesmo de bens supérfluos, oferece-se facilidade para acesso ao crédito fácil sem maiores exigências, mas, ao contrário, com facilidades condenáveis. A publicidade consegue manipular a vontade do indivíduo, direcionando-o a consumir este ou aquele produto.

Por isto que o marketing sobrepõe-se às próprias necessidades do consumidor e a armadilha da publicidade mostra-se agressiva, quando afirma que o dinheiro do empréstimo consignado sai muito rapidamente, sem burocracia alguma e assegura que este tipo de operação representa grande conquista da classe dos idosos. O cidadão vai iludido com a possibilidade inclusive de aumentar sua renda, quando na verdade, diminui, porque seu salário passa a sofrer mais esse desconto.

O pior é que, como usuário da agiotagem, o idoso e devedor, antes mesmo do vencimento do empréstimo inicial, recebe nova proposta para renovação do contrato e, portanto, novo empréstimo, perenizando a dívida assumida. O percentual de idosos que renovam o empréstimo situa-se em mais de 62% e o número dos que tem seu nome inserido no cadastro de maus pagadores tem aumentado substancialmente.

Além disto, parentes do aposentado se sentem convidados e atraídos pela oferta e pelas necessidades pessoais, daí porque buscam o meio mais fácil para obtenção de crédito. Conseguem iludir o pai, a mãe, o tio ou a tia e contraem a dívida que somente vai ser sentida quando chega a pensão com o abatimento de 30% no que percebia antes.

São inúmeras as Ações Civis Públicas que tramitam em vários estados, questionando os contratos confusos do empréstimo compulsório; no Congresso Nacional tramita o PLS 345 (clique aqui) limitando em 20% a soma dos descontos que podem ser debitados nos contracheques de trabalhadores, aposentados e pensionistas que tiverem mais de 60 anos e renda de até R$ 1.200,00.

Em função do empréstimo consignado, diferentemente do que era comum, pesquisa da Associação Comercial de São Paulo mostrou que, no período de janeiro a outubro de 2009, a população de 61 a 70 anos ficou mais endividada, enquanto o endividamento dos mais jovens recuou.

Os aposentados não gozam de vida digna e exatamente por isto o percentual de 25% busca outro emprego para garantir a sobrevivência; se esse grupo não consegue viver dignamente com 100% do seu salário, evidente que a vida tornará mais difícil se passar a dispor somente de 70%, porque os outros 30% foram comprometidos com o empréstimo consignado.

Cabe ao Estado e à sociedade "assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais", art. 10º do Estatuto do Idoso.

Ao invés de enganar o idoso, com sonhos mirabolantes, o governo deveria substituir os empréstimos consignados por uma reforma previdenciária que garantisse as necessidades mínimas do aposentado.

A conclusão que se tira com o crescimento desordenado desses empréstimos, é de que o aposentado não ganha o suficiente para viver dignamente e se socorre com um sonho que na realidade aporta no superendividamento e no desespero, porque já não se tem forças para recomeçar a vida e pagar as dívidas acumuladas.

Esse tipo de empréstimo para os bancos é tão importante que há verdadeira guerra administrativa e judicial para monopolizar a operação.

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*Desembargador do TJ/BA





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