A contemporaneidade da sentença
Mário Gonçalves Júnior*
Há outras lides, entretanto, que não podem ser "fotografadas" para sempre no momento da lesão do direito, com segurança de manutenção eterna do "status quo ante" indefinidamente, pela própria natureza. São as lesões de direito entranhadas nas relações jurídicas chamadas por nós de continuativas. Isto é, aquelas e decorrentes de relações que se renovam, não se acanham num instante. Não são, por essência, fugazes. Alongam-se em conseqüências e desdobramentos. Aquela sangria inicial do direito não se estanca, ou se se estanca, pode ter recidiva no futuro.
Essas são, por exemplo, as relações de alimentos, as de trabalho e demais contratos de trato sucessivo.
Para tais situações a ciência processual não aprisionou o juiz ao momento da propositura da ação, não o confinou a um instante perdido como numa fotografia. Permite-o ir além, a fim de não proferir sentença caduca, autorizando-o avançar sobre a corrente fática posterior à fase pré-processual que é retratada na petição inicial.
Embora não tivesse sido imaginado para a morosidade judiciária de hoje, o instituto da contemporaneidade da sentença também não se faz de rogado para o que freneticamente acontece agora, não partindo da ingênua e impossível defasagem prática entre a burocracia processual e a agilidade das relações jurídicas, impondo, ainda assim, a solução das lides no mais curto tempo entre a necessidade de restauração da ordem jurídica e a burocracia inevitável que garanta o contraditório e a ampla defesa.
Eis aí, exatamente aí, a inevitável defasagem entre a fotografia do momento da petição inicial, já vencida quando da sentença, se esta afundasse os pés no momento da propositura da ação.
A pacificação social seria inalcançável de outra sorte, correndo sempre contra a desvantagem temporal do dinamismo das relações sociais. A cada "soluço" fático ou jurídico não previsto na petição inicial, remeter-se-ia os jurisdicionados a novas ações e processos. Todas as lides enfim receberiam decisões insuficientes porque desatualizadas, atraindo os prejudicados à repetição neurótica de ações.
Imagine-se como jurisdicionado se outra fosse a fórmula burocrática de "autoatualização" dos processos: sentir-se-ia como o burro perseguindo a cenoura dependurada na ponta de haste fixada no próprio dorso!
Daí porque, por definição, o retrato que o juiz deve tomar para sentenciar deve ser o menos atrasado possível, de preferência o do próprio dia da sentença (art. 462/CPC - clique aqui), se assim os autos e sua diligência ordinária permitirem. De outro modo, a sentença não resolveria a lide, como uma ferida abafada por curativo imperfeito que a tornasse purulenta.
Imagine-se o absurdo hipotético: se o juiz de todas as causas fosse apenas um. Quão interessar-lhe-ia o aproveitamento de seu esforço na ação primeira para as alterações fáticas e jurídicas que seguissem, e quão impotente sentir-se-ia se a cada novidade tivesse que abrir uma nova contenda...
Pois num mundo de tantas competências jurisdicionais e magistrados, o abraço fraterno das novas facetas das causas já propostas é até mesmo questão de "solidariedade" com os demais juízes, todos tão assoberbados, como sabemos. Do contrário, assistir-se-ia a um "empurra-empurra de subcausas", em prejuízo de todos.
Eis o que a melhor ciência não afastaria em qualquer bom Código de Processo, porque de indiscutível bom senso.
Até mesmo na fase de execução, provisória ou definitiva, a revisão da sentença exequenda é franqueada pelo art. 471, I, do CPC, confirmando que, com maior razão, no ápice do processo de conhecimento deve-se evitar ao máximo o saudosismo sentencial.
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*Advogado do escritório Rodrigues Jr. Advogados
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