Pedido de demissão e manutenção de plano de saúde
Mario Gonçalves Junior*
Muitas empresas estão com dúvida sobre se o empregado que pede demissão faz jus também ao benefício da manutenção do plano de saúde de que trata esse artigo. A dúvida é compreensível. Realmente, a redação da cabeça do artigo 30 da lei 9.656/98 poderia ser mais evidente: "...no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa...". Se somente numa hipótese (demissão sem justa causa), por que o legislador se preocupou em utilizar duas expressões (exoneração ou rescisão)? Aliás, a expressão "exoneração" não é utilizada na linguagem técnica das relações de trabalho regidas pela CLT (clique aqui), sendo mais adequada às relações estatutárias: os funcionários públicos é que são "exonerados". E exoneração, na relação estatutária é o nome que se dá à rescisão por iniciativa do funcionário público. É, assim, o equivalente ao pedido de demissão da CLT.
É portanto necessário utilizar técnicas para desvendar qual o alcance dessa norma.
Do ponto de vista meramente gramatical, o "ou" é uma conjunção coordenativa alternativa, tratando, assim, da ligação de dois sinônimos. De acordo com o bom português, esse "ou" significa que "rescisão" e "exoneração", na oração do "caput" do artigo 30, estão colocados como sinônimos.
É sabido que, infelizmente, a linguagem do legislador nem sempre prima pela ortodoxia, nela não raro encontrarmos vícios da linguagem coloquial. Se o legislador tivesse apenas utilizado a expressão "rescisão do contrato de trabalho sem justa causa", os operadores do Direito do Trabalho não ficariam perplexos. Essa lei, entretanto, tem o objetivo de regular os planos de saúde, havendo poucos artigos que tratam dos reflexos da rescisão do contrato de emprego nos planos privados de assistência médica e hospitalar.
É sabido, ainda, que a mera interpretação gramatical costuma não ser suficiente. É o método considerado mais superficial e pobre para se investigar o conteúdo das normas. Outros métodos devem ser sacados para se alcançar o espírito, o verdadeiro sentido da lei.
Um destes métodos é a interpretação sistemática, ou seja, aquela que leva em conta o confronto de uma norma com as demais do mesmo sistema, em especial do mesmo diploma (no caso, a própria lei 9.656/98). Havendo duas interpretações possíveis, deve-se eliminar aquela que porventura conflite com o conteúdo e sentido de outras normas, de maneira a preservar a coerência do sistema.
Eis que o parágrafo quinto do mesmo artigo 30 parece tirar nossa dúvida: "A condição prevista no caput deste artigo deixará de existir quando da admissão do consumidor titular em novo emprego". Ora, isto deixa nítido qual é o foco da proteção legal: o desemprego involuntário, isto é, aquele que não é causado pelo próprio trabalhador. Tem coerência porque, no "caput" do artigo 30, o legislador já excluiu as rescisões com justa causa, outra espécie de desemprego voluntário do trabalhador (as faltas graves decorrem sempre de culpa do contratante, e quem provoca o fim da relação de emprego com culpa, causa por vontade própria esse evento, daí porque é um evento voluntário).
Um outro diploma pode ser utilizado por analogia para confirmar esta nossa conclusão: a lei que rege o seguro-desemprego, que exclui o benefício também nas hipóteses de desemprego voluntário.
Em suma, concluindo: o trabalhador que pede demissão não faz jus ao benefício do artigo 30 da lei 9.656/98, confirmando a interpretação gramatical introdutória.
Esta conclusão, como de resto quase todas na seara, não está a salvo de tese oposta, por se tratar de questão atrelada ao Direito do Trabalho, marcado pelo princípio protecionista. Assim, do ponto de vista da precaução, é aconselhável que as empresas direcionem os trabalhadores que pedem demissão aos planos de saúde, deixando que estes tomem, sozinhos, a decisão de acatar ou não a manutenção do benefício. Até, pelo menos, que a Justiça do Trabalho defina jurisprudencialmente se quem pede demissão tem ou não tem esse direito.
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*Sócio do escritório Rodrigues Jr. Advogados
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