O vício de inconstitucionalidade da lei 13.296/2008 (nova Lei do IPVA Paulista)
Orlando C. Sgarbi Cardoso*
Tal imposto, que tem por fato gerador a propriedade de veículos automotores, conforme dispõe o artigo 155, inciso III, da Constituição Federal de 1988, e está sujeito a lançamento de ofício, é de competência, nos termos do caput do mesmo artigo, das pessoas políticas denominadas de Estados, bem como do Distrito Federal. Ou seja, sua instituição, mediante lei ordinária e atos normativos – os quais têm o condão precípuo de conferir efetividade à lei instituidora do tributo –, são tarefas exclusivas dos Estados e, também, dada à sua especialidade e excepcionalidade, do Distrito Federal.
Exatamente em razão dessa atribuição de competência tributária, aos Estados e ao Distrito Federal, é que se verifica a existência de um sem número de disposições legais que versam acerca do tema IPVA, o que, além de tornar extremamente controversa qualquer matéria relacionada, promove e incentiva a guerra fiscal entre os Estados federados.
E é nesta seara que são travadas inúmeras discussões jurídico-tributárias, tais como, a título de exemplo, a da tributação diferenciada de veículos em razão de sua origem, se nacional ou importado; a da incidência ou não incidência do IPVA sobre as embarcações e as aeronaves; e, recentemente, no caso específico do Estado de São Paulo, a discussão relativa ao local em que será devido o imposto sobre a propriedade de veículos automotores das pessoas jurídicas de direito privado, isto por conta do advento da nova Lei do IPVA paulista (Lei 13.296/2008 - clique aqui), a respeito da qual teceremos abaixo algumas considerações.
A lei 13.296/2008, que estabeleceu novo tratamento tributário ao IPVA paulista, trouxe como uma de suas novidades o preceito descrito em seu artigo 4º, segundo o qual o imposto a ser recolhido em decorrência da propriedade de veículos automotores deve ser o do local de domicílio do proprietário do referido bem dentro do Estado de São Paulo.
Em sendo assim e para tal efeito, considerou a dita lei como domicílio do proprietário de veículo, no caso de pessoa jurídica de direito privado:
(i) o estabelecimento situado no Estado de São Paulo, quanto aos veículos vinculados a tal estabelecimento à época da ocorrência do fato gerador;
(ii) o estabelecimento onde o veículo estiver disponível para entrega ao locatário na ocasião do fato gerador, na hipótese de contrato de locação avulsa; e, por derradeiro,
(iii) o local do próprio domicílio do locatário ao qual estiver vinculado o veículo quando do fato gerador, na hipótese de locação para composição de frota; como se pode aferir da redação do referido artigo, que segue transcrito logo abaixo:
"Artigo 4º - O imposto será devido no local do domicílio ou da residência do proprietário do veículo neste Estado.
§1º - Para os efeitos desta lei, considerar-se-á domicílio:
(...)
2 - se o proprietário for pessoa jurídica de direito privado:
a) o estabelecimento situado no território deste Estado, quanto aos veículos automotores que a ele estejam vinculados na data da ocorrência do fato gerador;
b) o estabelecimento onde o veículo estiver disponível para entrega ao locatário na data da ocorrência do fato gerador, na hipótese de contrato de locação avulsa;
c) o local do domicílio do locatário ao qual estiver vinculado o veículo na data da ocorrência do fato gerador, na hipótese de veículo para integrar sua frota."
Afora isso, estabeleceu ainda a nova Lei do IPVA paulista, em seu artigo 4º, parágrafo 4º, sob a rubrica de presunção legal, a hipótese de ser considerado como domicílio da pessoa jurídica de direito privado proprietária de veículo o local de seu estabelecimento onde haja indícios de utilização do veículo com predominância sobre os demais estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, conforme se verifica do teor do referido dispositivo:
“§4º – No caso de pessoas jurídicas de direito privado, não sendo possível determinar a vinculação do veículo na data da ocorrência do fato gerador, nos termos do item 2 do §1o deste artigo, presume-se como domicílio o local do estabelecimento onde haja indícios de utilização do veículo com predominância sobre os demais estabelecimentos da mesma pessoa jurídica."
Indubitavelmente, o dispositivo supracitado é fonte de questionamentos, sobretudo, por parte das sociedades empresárias locadoras de automóveis e transportadoras atuantes no Estado de São Paulo, haja vista que, com essa inovação, tais instituições, que outrora sob a égide da lei anterior poderiam recolher o imposto em exame apenas em conformidade com a origem da placa de seus automóveis, passaram a submeter-se ao imposto vigente no local de seu domicílio, isto é, o imposto paulista, cuja alíquota é a mais alta do país, sendo de 4% sobre o valor venal dos veículos.
De fato, o que o ocorria antes da vigência desta nova Lei do IPVA paulista era que as sociedades empresárias do ramo das acima mencionadas, bem como de outros ramos, proprietárias de veículos, embora com atividade plena estabelecida no território do Estado de São Paulo, ilidiam a incidência do imposto paulista utilizando em seus veículos placas de Estados como Tocantins e Paraná, onde as alíquotas de tributação se mostravam consideravelmente inferiores (1%).
Nessas condições, sobreveio a nova Lei do IPVA paulista com o intuito legis clarividente de preencher as brechas legais anteriormente existentes, as quais propiciavam o cometimento de abusos por parte das empresas contribuintes do imposto incidente sobre a propriedade de veículos automotores, como exposto alhures.
No entanto, a nosso ver, assiste razão às reclamações e questionamentos formulados em face da nova Lei do IPVA paulista, pois, conquanto carregada de conteúdo axiológico positivo e, teleologicamente falando, calcada no ideário de justiça fiscal, padece a lei 13.296/08 (nova Lei do IPVA paulista) de vício de inconstitucionalidade, na medida em que desvincula da hipótese de incidência do tributo a simples propriedade do veículo, condicionando-a a circulação do mesmo, o que torna dificultosa a definição exata do seu fato gerador.
E mais ainda, a nova Lei paulista não fez senão compatibilizar conceitos absolutamente contrários, ou seja, o de IPVA aos de ICMS e IPI, cujas cobranças são incidentes sobre cada estabelecimento da sociedade empresária contribuinte, o que, ao contrário do pretendido, dá ensejo à ocorrência da bitributação, além do acirramento da disputa fiscal entre Estados, tudo isso na tentativa de combater os abusos já mencionados, sendo que, para tanto, bastariam mecanismos mais eficientes de fiscalização no momento do licenciamento dos veículos.
Em face de todo o exposto, somos pela manifesta inconstitucionalidade desse aspecto da nova Lei do IPVA paulista (Lei 13.296/2008), porquanto, da forma como prescrita e apresentada, como já dito, afora o fato de inquinar a sistemática de incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores em razão do desvirtuamento de seu aspecto material, engendra cenário mais que fruteiro à ocorrência da bitributação e – na mesma medida – ao acirramento da disputa fiscal estabelecida entre os Entes Federados (Estados) componentes da República Federativa do Brasil.
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*Advogado integrante do do escritório Knopfelmacher Advogados
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