A inconstitucional majoração das alíquotas do RAT (Antigo SAT) mediante a aplicação do Fator Acidentário de Prevenção – FAP
Marcelo Knopfelmacher*
Com efeito, é sabido que, com o advento da lei 10.666/03 (conversão da MP 83/2002 - clique aqui), foi instituído o Fator Acidentário de Prevenção, o qual, nos termos do artigo 10 da referida lei, passou a funcionar como fator multiplicador ou divisor das alíquotas do RAT, nos seguintes termos:
"Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social."
Da leitura do dispositivo legal supra transcrito, verifica-se, claramente, que a lei delegou ao regulamento a determinação de toda a metodologia para redução ou aumento das alíquotas do antigo SAT (atual RAT), prescrevendo, tão-somente, que o CNPS deveria fazê-lo observando-se 4 (quatro) critérios:
(a) desempenho dentro da atividade econômica;
(b) frequência dos eventos decorrentes de riscos ambientais;
(c) gravidade desses eventos; e
(d) custo para o sistema decorrente de tais eventos.
A regulamentação desse dispositivo legal se deu por meio do Decreto 6.957/2009 (clique aqui), que, de forma inaugural, tratou de estabelecer por completo a metodologia para aplicação do FAP, circunstância essa que inquina de inconstitucional a exigência em questão, por afronta direta ao texto constitucional, que consagra o princípio da legalidade estrita em matéria tributária.
Tanto assim que, ao analisar a constitucionalidade da contribuição ao RAT, mediante a aplicação do FAP, registrou, com propriedade, a Culta Juíza Federal Dra. Taís Vargas Ferracini de Campos Gurgel, da 4ª vara da Justiça Federal de São Paulo, nos autos do Mandado de Segurança Coletivo 2010.61.00.001740-7, in verbis que:
"Assim, a delegação ampla e irrestrita de toda a complexa metodologia para a determinação exata de tais alíquotas, baseada em critérios por demais genéricos e abertos de atividade econômica, frequência, gravidade e custo, tende a afrontar o princípio da tipicidade tributária. De fato, o contribuinte deixa de saber, de forma clara e predefinida, qual será a imposição tributária em relação a ele e quais os fatos que influirão com certeza na determinação do quantum debeatur, informações estas que, em razão do firme princípio da legalidade adotado pela Constituição Federal, devem ser veiculadas por lei, sob pena de profunda insegurança jurídica." (destacou-se)
Mas além da manifesta transgressão ao princípio da legalidade, é fundamental ter presente que as Resoluções MPS/CNPS 1.308/2009 e 1.309/2009, que pretendem regulamentar a aplicação do FAP, são claramente ilegais e francamente irrazoáveis.
Tome-se, por exemplo, a circunstância de que jamais poderiam ser considerados no cálculo do FAP os benefícios cuja natureza acidentária está suspensa (por aguardar análise de contraprova apresentada). Ora, se referidos benefícios estão com sua natureza acidentária suspensa por força legal, evidente que sua consideração no FAP revela-se irrazoável e destituída de causa, afrontando-se, claramente, o texto constitucional que consagra o princípio do devido processo legal, em sua conotação substantiva.
Por outro lado, e conforme muito bem registrado pela Culta Magistrada Federal nos autos do Mandado de Segurança supra noticiado, os "benefícios acidentários que são deferidos tendo por base um mesmo evento (mesma doença, mesmo acidente) não podem ser contabilizados independentemente. De fato, a lei, ao mencionar o critério da freqüência dos acidentes, tem por finalidade contabilizar quantos eventos danosos decorreram dos riscos ambientais; computar dois benefícios decorrentes dos mesmo evento é o mesmo que computar duas vezes o mesmo acidente, o que é óbvio bis in idem." (destacou-se)
Por fim, e sem prejuízo de outros argumentos que nos parecem fortíssimos para comprovar cabalmente a desproporção entre o cálculo do FAP e o custo para o sistema decorrente dos respectivos acidentes, as aludidas Resoluções do MPS/CNPS acabaram por estabelecer critérios para aplicação do Fator não previstos em lei, a saber:
(i) a rotatividade de mão-de-obra; e
(ii) massa salarial, circunstância que também denota a flagrante desobediência ao princípio da estrita legalidade no presente caso.
Em virtude de tais aspectos, e considerando que diversas empresas passaram, a partir de janeiro do corrente ano, a se sujeitar a variações exorbitantes de suas alíquotas do RAT, decorrentes da aplicação ilegal e inconstitucional do Decreto 6.957/2009 e das Resoluções respectivas do MPS/CNPS, é que entendemos justificável a propositura de ação judicial visando afastar, de plano, a cobrança respectiva, até que o órgão competente do Poder Executivo venha a regulamentar, em conformidade com os ditames legais, a aplicação do Fator Acidentário de Prevenção – FAP.
_______________
*Sócio-fundador do escritório Knopfelmacher Advogados
_______________