A crônica de uma violência anunciada – VII
O que é possível fazer pelo valor do futebol paranaense?
René Ariel Dotti*
A partir dos anos cinquenta do século passado, o Paraná assimilou as notáveis correntes migratórias que surgiam dos diversos pontos do território nacional: gaúchos, catarinenses, paulistas, mineiros e nordestinos vieram compor, ao lado das comunidades étnicas oriundas dos demais continentes, um cenário peculiar de civilização e cultura. Os cenários do antigo caminho das tropas ampliaram-se em uma terra de todas as gentes, designação carinhosa para um Estado cosmopolita, uma espécie de liga das nações, um porto aberto para receber as mais diversificadas contribuições materiais e espirituais de outras regiões do país e do mundo.
Esse universo mosaico de uma unidade da Federação jamais poderá estimular, por parte de seus habitantes, a renúncia da defesa dos interesses próprios do Estado. Um pensamento crítico afirma que a imagem do lavrador – uma obra mestra de Zacco Paraná – é substituída pela imagem do ceifador, porque "corta" a cabeça de figuras, ações ou ideais representativos dos valores paranistas, ao contrário do que ocorre com outros estados brasileiros.
O drama que está sofrendo uma entidade centenária do desporto brasileiro, com uma punição que além de injusta, é desproporcionada e justifica plenamente o subtítulo do presente artigo. Os campeonatos paranaenses iniciaram-se em 1915 e, já no ano seguinte, o Clube do Alto da Glória sagrou-se vencedor. Dos arquivos do jornalista Candido Gomes Chagas, publicados pela revista sob sua direção, Paraná em Páginas, edição de outubro de 2003, aparecem os feitos de extraordinário destaque: a vitória sobre a seleção paulista (1921); a inauguração do estádio do Pacaembú, em São Paulo (1940); o título de campeoníssimo, nas categorias juvenil, amador, aspirante e profissional (1949); conquista do hexacampeonato (1971 a 1976); detentor da láurea de campeão brasileiro (1985) e muitas outras vitórias e homenagens assinalam uma notável carreira desportiva.
A eventual manutenção da decisão de uma das Comissões Disciplinares do Superior Tribunal de Justiça Desportiva - STJD, que condenou o Coritiba à perda de mando de campo por 30 partidas e à multa de R$ 610.000,00 poderá levá-lo à insolvência e, consequentemente, à sua extinção. Será isso o que pretende o Poder Público quando o art. 217 da Constituição Federal declara que é "dever do Estado fomentar as práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um"?
O mesmo dispositivo da lei fundamental considera o desporto amador ou profissional como forma de lazer para quem o pratica e para quem o administra ou simplesmente o assiste.
O que você, homem público, desportista, jornalista, cidadão, pode fazer para preservar uma agremiação histórica como um dos valores paranistas?
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*Professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná - UFPR, foi membro do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paranaense de Futebol e diretor-jurídico do Coritiba Foot Ball Club. É um dos advogados que redigiu o recurso para o Superior Tribunal de Justiça Desportiva - STJD.
Advogado do Escritório Professor René Dotti
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