SPED e a autenticação de livro contábil
Flávia Regina Nápoles Fonseca*
A utilização dos livros comerciais remonta dos primórdios da civilização com o surgimento da mercancia. O direito comercial é o primeiro ramo de direito que se tem notícia e originou-se com a necessidade do escambo (troca) de mercadorias para a sobrevivência. Desde então a escrituração é tão necessária quanto o comércio, utilizada pelo empresário probo e organizado, antes aliatória, hodiernamente, obrigação da sociedade empresária ou do empresário individual.
Percebe-se que muitas vezes, o empresário deixa de investir em uma melhor gestão e sem a transparência de sua real situação financeira, fica sujeita as diversas sanções e penalidades. Diversos ônus são impostos a sociedade empresarial diante da falta de escrituração dos livros. A lei 11.101/05 (clique aqui) estabelece a restrição ao pedido de recuperação judicial e a possibilidade de ser requerida a falência de uma sociedade mercantil, além de responder por crime falencial, pela ausência dos livros devidamente escriturados. O lucro presumido da sociedade será arbitrado por estimativa, levando muitas vezes a uma alta carga tributária. Ademais, a falta de escrituração poderá fazer prova a favor da empresa em qualquer ação judicial ou procedimento administrativo.
Anteriormente, o levantamento contábil das sociedades empresariais era realizado de forma manuscrita. Atualmente, a era da informação apresenta vários sistemas de gestão auxiliando em um melhor desempenho organizacional, financeiro e de armazenamento de informações, propiciando uma melhor concorrência e atuação empresarial, o que no passado não era tão acessível.
Os livros comerciais passaram por várias transformações. O processo iniciou-se pela escrituração manual, para efeito de conhecimento e organização da contabilidade para o mercador. Evoluiu para a datilografia reconhecida em 1967, como mecanografia feita por fichas soltas de lançamento e depois encadernadas e levadas para autenticação na Junta Comercial. Em 1972, a Junta Comercial passou a admitir a escrituração eletrônica, em formulário contínuo impressas em computador, preenchidas de forma tipográfica, encadernadas e depois autenticadas na Junta Comercial.
A grande transformação ocorreu em 1990, com a regularização pelo DNRC - Departamento Nacional de Registro e Comércio de normas para o reconhecimento do uso de sistemas eletrônicos. Os livros eram digitados em programas contábeis e depois encadernados e autenticados pela Junta. Todavia, essa utilização de programa de computadores contábeis era facultativa. A grande maioria ainda utilizava livros de papel.
A grande dúvida surge agora com a promulgação do SPED - Sistema Público de Escrituração Digital pelo Decreto 6.022/07 (clique aqui), que trouxe a possibilidade dos livros contábeis diários e razão antes encadernados e autenticados por meio físico, serem agora substituídos por forma eletrônica. Assim, a elaboração, processamento e armazenamento da escrituração do empresário deverá ser por Livro Digital, assinado por certificado digital, seguindo as determinações do ICP-Brasil (Infra-estrutura Brasileira de Chaves Públicas). Esse procedimento dispensa a autenticação por meio físico ou ainda faz-se necessária a encadernação das fichas contábeis?
O Código Civil (clique aqui) em seu artigo 1.180 e seu parágrafo dispõe que o livro Diário e todos os livros exigidos por lei, podem ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica e a adoção de fichas não dispensa o uso de livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do resultado econômico. A dúvida é quanto a autenticação das mencionadas fichas, se por meio eletrônico ou por meio físico.
Art. 1180 CC/02:
Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica.
Parágrafo único: A adoção de fichas não dispensa o uso de livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do resultado econômico.
Já existem legislações em vigor para regularizar a escrituração digital das empresas como a Lei 6.004/76 - Lei de Sociedade Anônima.
Há um PL 22/96 em trâmite perante o Congresso Nacional que irá regular acerca do arquivamento e uso dos documentos eletrônicos.
Como meio de prova e segurança jurídica o livro digital possui validade e eficácia jurídica, através da assinatura digital.
Temas outros como sigilo das declarações dos livros digitais e autenticidade das mesmas segurança jurídica acerca da confidencialidade do conteúdo do Livro Digital e a responsabilidade civil por armazenamento desses livros serão reguladas pelas normas já existentes, já que o ordenamento jurídico dispõe que qualquer meio de prova é valido, desde que não sejam provas ilícitas.
Assim, destarte a existência das dúvidas a utilização do livro razão e diário poderão ser substituídos por fichas eletrônicas e tudo indica que poderão ser autenticadas apenas por meio digital, posto a autenticidade do documento eletrônico, deduzidas do ordenamento jurídico que estabelece a liberdade das provas desde que lícitas.
A tecnologia eletrônica, na era da informação visa a adequação dos princípios e legislações no que concerne ao Registro Público de Empresas Mercantis, com proteção a direitos e garantias fundamentais estabelecidas na Constituição Federal.
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*Advogada e professora FCJ - Faculdade de Ciências Jurídicas, UEMG/Diamantina. Consultora da New Spirit Consultoria e Assessoria Empresarial