Fator acidentário de prevenção – FAP: inconstitucionalidade. O respeito ao estado democrático de direito
Fábio Pallaretti Calcini*
É certo que, sob o enfoque do aumento da carga tributária não podemos tratar a questão como uma novidade, eis que tal ocorrência tem sido costumeira em nosso sistema tributário, de sorte que inexistiria razão para essa análise.
Por sua vez, a abordagem a ser feita em nossas ponderações não terá por intuito explicar ou mesmo criticar o avanço da carga fiscal incidente sobre a folha de salários. Ao contrário, trataremos nossas reflexões de forma objetiva, incisiva e peremptória: o FAP, nos moldes do art. 10, da lei 10.666/2003 é inconstitucional (ponto!). Mas por quê? Faremos nossas reflexões, deixando aos Senhores a liberdade de se convencer ou não.
Para facilitar a compreensão da conclusão previamente explicitada, torna-se interessante a citação do art. 10, da lei 10.666/2003, o qual enuncia:
"A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social."
Por este dispositivo legal, permite-se que a alíquota de 1% a 3%, prevista na lei 8.212/91, possa ser majorada "em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento". Repita-se: a lei de forma clara e sem margem de dúvida possibilita ao Poder Executivo, por meio do exercício da função regulamentar, aumentar a contribuição sobre a folha de salários, prevista no art. 22, inciso II, da lei 8.212/91, em até 100%.
Acredito que a análise deste dispositivo seja suficiente para fundamentar nossas conclusões, inexistindo necessidade de avaliar o regulamento e demais atos exarados pelo Fisco.
Como sabemos, para uma lei ser inconstitucional, é preciso que se afronte à Constituição Federal (clique aqui), isto porque, lembrando de Carlos Maximiliano, a "Constituição é a lei supremo de nosso país", ou seja, todas as demais normas devem respeitar ao disposto neste texto maior, que somente pode ser alterado por emenda constitucional em condições, procedimentos e matérias específicas (art. 60, da CF/88).
Em relação ao FAP, o que nos interessa é o art. 150, inciso I, da Constituição Federal, ao dispor que: "Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;" É a consagração ao principio da legalidade, fundamento basilar de um Estado Democrático de Direito, pois, incumbe à lei, votada democraticamente pelo Congresso Nacional, instituir ou majorar tributos, de maneira que se veda qualquer conduta em sentido contrário ao preceituado neste artigo.
A Constituição Federal, portanto, é de clareza meridiana em exigir que, qualquer aumento de tributo seja por lei. Acreditamos que não seja muito complexo chegar a esse entendimento. Façamos, porém, a indagação: Existem situações mitigando a exigência de lei para aumentar tributos?
Sim. A Constituição Federal traz situações onde o legislador constituinte originário criou uma atenuação na majoração de tributos por meio de lei, permitindo que o Poder Executivo, por meio de seus Decretos, realize a majoração de tributos.
Esta flexibilização do principio da legalidade está disposta na Constituição Federal nos seguintes artigos:
(i) - art. 62, § 2º, que permite ao Presidente da República editar Medidas Provisórias, ou seja, criar ou major tributo não por lei, mas esta excepcional espécie normativa;
(ii) – art. 153, § 1º, ao facultar ao Poder Executivo, nas condições e limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos sobre importação – II - e exportação – IE -, produtos industrializados – IPI - e imposto nas operações financeiras – IOF -. Afora tais previsões constitucionais não é possível localizar qualquer atenuação ao princípio da legalidade sob o prisma tributário.
A mais disso, o art. 195, da Constituição Federal, que dá suporte à tributação prevista no art. 22, inciso II, da lei 8.212/91 e ao disposto no art. 10 da lei 10.666/2003, em momento algum, traça qualquer previsão de que é possível alterar alíquotas por atos infralegais, como é o caso dos regulamentos. Há total silêncio neste sentido, de sorte que vale lembrar um adágio de que a exceção confirma a regra nos casos não excetuados, ou seja, não constando na Constituição a possibilidade de manipulação das alíquotas por Decreto (ou regulamento), como no caso das contribuições previstas no art. 195 da Constituição Federal, há de cumprir a regra geral que é o estrito respeito à legalidade tributária, que impede o aumento de alíquota por ato que não seja lei.
Esta conclusão fica ainda mais evidente ao se analisar o § 9º, do art. 195, da Constituição Federal, que permite alíquotas diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho, porém, em momento algum permite a flexibilização da legalidade, para permitir que exista manipulação de alíquota por atos infralegais majorando tais tributos.
Por fim, cabe lembrar que o reconhecimento da constitucionalidade do SAT pelo STF não pode ser confundido com a presente discussão, já que a lei do FAP, ao contrário da legislação relacionada àquela exigência, expressamente, remete ao regulamento a possibilidade de manipular as alíquotas da contribuição a ponto de majorá-las, em detrimento da legalidade.
Enfim, o Estado Democrático de Direito exige respeito e isso se dá pela observância da Constituição e de seus princípios basilares, em especial, da legalidade, que nada mais é do que reflexo da democracia e da consagração dos direitos fundamentais. Até porque, pensar o contrário, é festejar inércia e alimentar um Estado incompatível com aqueles ideais, sendo pertinente o poema "No Caminho com Maiakovski", escrito em 1960 por Eduardo Alves da Costa, em homenagem à morte de Vladimir Maiakosvki, que se suicidou em protesto ao comunismo implantado na União Soviética, onde escreve magistralmente o processo de aniquilamento das liberdades humanas:
_________________"Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada".
*Advogado associado do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia
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