Tendências do Processo Civil

Primeiras impressões sobre o relatório "Justiça em Números 2024" do Conselho Nacional de Justiça

Professor lamenta falta de estatísticas confiáveis sobre duração processos. CNJ publica relatório "justiça em números", diagnóstico profundo do Judiciário, em 28/5/24, com 448 páginas, repleto de dados e gráficos. Este ensaio destaca pontos relevantes.

12/6/2024

Em precioso texto escrito em abril de 2006, o saudoso professor José Carlos Barbosa Moreira1, ao tratar do problema da duração excessiva dos processos, lamentava a falta de estatísticas confiáveis que trouxessem “elementos mais substanciosos”, os quais, em sua visão, “são imprescindíveis para a identificação dos fatores de retardamento e do peso de cada qual”, pois “só assim se poderá traçar estratégia que evite o risco de investimos quixotescamente contra moinhos de vento, deixando em praz e sossego os verdadeiros inimigos”.

Talvez influenciado pelo peso dos argumentos do mestre carioca, o CNJ vem publicando, há mais de duas décadas, o relatório “Justiça em Números”, um verdadeiro “diagnóstico que se consolida como um dos principais documentos de publicidade e transparência da Administração Pública do Brasil, no que diz respeito ao Poder Judiciário”, conforme palavras contidas logo na página 15 do próprio relatório.

Em 28/5/24, o CNJ publicou a mais recente versão do relatório, que faz uma fotografia bastante profunda da situação do Poder Judiciário em 31/12/23, em um arquivo com 448 páginas.2

Cada vez mais completo e recheado de gráficos e informações em visual law, o relatório traz informações que mostram, por exemplo, o índice de produtividade dos magistrados e dos tribunais, o número de profissionais que trabalham no Poder Judiciário e o índice de atendimento à demanda, dentre outras.

Este breve ensaio, a despeito do risco de deixar informações preciosas para trás, pretende destacar apenas alguns pontos que podem servir para aguçar a curiosidade do leitor sobre as estatísticas mais recentes do Poder Judiciário.

Antes de prosseguir, cabe salientar que alguns dados serão cotejados com os disponíveis na versão anterior do mesmo relatório justiça em números, que foi publicado em 2023 e se refere ao ano de 20223, a fim de que se possa ter um panorama um pouco mais interessante sobre o tema.

  1. Em 31/12/23, o número de processos pendentes era de 83,8 milhões, o que significa uma alta de 1,1% em relação ao final de 2022.
  2. Desse total, 18,5 milhões estão suspensos (22%), sendo 2,5 milhões aguardando julgamento de precedentes obrigatórios (Repercussão Geral, REsp Repetitivo, IAC, IRDR).
  3. As execuções correspondem a mais da metade de todos os processos do Brasil: No final de 2023, havia 44,3 milhões de execuções pendentes, o que significa 53,5% de todo o acervo.
  4. Das 44,3 milhões de execuções pendentes no final de 2023, 12,5 milhões estavam suspensas, o que significa 28,31%.
  5. Do total de execuções, a imensa maioria é composta por execuções fiscais, que somavam 26,3 milhões, o que significa 31% de todo o acervo de processos e 59,4% de todo o acervo executivo. Em 2022, o percentual era maior: 64% de todas as execuções pendentes eram fiscais.
  6. Em 2023, houve uma importante redução do número de execuções fiscais pendentes: Foram 2.947.657 casos novos e 3.649.663 baixados, o que significa uma redução de 702.006 processos dessa natureza.
  7. Das 26,35 milhões de execuções fiscais pendentes, pouco mais de 8 milhões estavam suspensas, o que significa 30,53%. Em 2022, o índice era um pouco menor: 30,2%, o que significava aproximadamente 8,24 milhões de execuções fiscais suspensas.
  8. Excluídas as execuções fiscais e as criminais, o acervo executivo era de 15,18 milhões de execuções, sendo 11,3 milhões lastreadas em títulos judiciais e 3,8 milhões fundadas em títulos extrajudiciais.
  9. Isso significa que, descontadas as execuções fiscais e as criminais, o maior acervo é de cumprimento de sentença (74,7%), casos em que, como se sabe, já houve uma (ou várias) fase(s) prévia(s) de conhecimento.
  10. O tempo médio de tramitação de uma execução fiscal é de 6 anos e 9 meses; excluídas as execuções fiscais, reconhecidamente o maior gargalo do Judiciário, o tempo médio do processo pendente cai para 3 anos e 1 mês.
  11.  Um dado interessante se refere à forma pela qual tramita o processo, e como isso impacta na sua duração. O tempo médio de tramitação de um processo de papel é de 12 anos e 4 meses; já os processos eletrônicos têm um tempo médio de 3 anos e 5 meses.
  12.  O índice de congestionamento médio é de 70,5%, o menor após a pandemia e o segundo melhor resultado em 15 anos. Isso significa que de cada 100 processos que entraram em 2023, quase 30 foram baixados no mesmo ano.
  13. O índice de congestionamento das execuções fiscais é de 87,8%; sem as execuções fiscais, o índice geral cairia para 64,7%. 
  14. O tempo de giro do acervo é de 2 anos e 5 meses, ou seja, seria necessário que nenhum processo novo entrasse no Judiciário por todo esse período para que fosse possível zerar o acervo pendente.
  15. O número de execuções lastreadas em títulos extrajudiciais não fiscais (como as cobranças de títulos de créditos, contratos e outros títulos previstos no art. 784, do CPC) pendentes subiu consideráveis 3,11%: em 2023, ingressaram 1.045.963 casos novos e foram baixados 926.249 dessa natureza, o que significa um aumento de 119.714 casos pendentes. No total, no final de 2023 havia 3.845.487 execuções lastreadas em títulos executivos extrajudiciais não fiscais pendentes, muito embora 924.323 estivessem suspensas (24,03%).
  16. O número de execuções lastreadas em títulos judiciais não criminais pendentes, ou seja, aqueles previstos no art. 515, do CPC e que são processados pelo rito do cumprimento de sentença, também cresceu em 2023. Foram 5.683.394 casos novos e 4.938.586 baixados, ou seja, um acréscimo de 744.808 casos pendentes, o que significa um aumento de 6,53% ao acervo, que é de 11.343.483, com 2.934.413 processos suspensos (25,86%).
  17. Para encerrar, alguns dados interessantes sobre a taxa de recorribilidade: ao contrário do que muitos acreditam, apenas 25% das decisões de primeiro grau proferidas na fase de conhecimento chegam aos tribunais e apenas 7% das decisões de primeiro grau na fase de execução são objeto de recurso. Já para os tribunais superiores chegam 26% das decisões de segundo grau. A recorribilidade para as turmas recursais (19%) é menor que a da justiça comum para o segundo grau (27%).

Como se percebe, são muitas as informações relevantes e ainda há muito a se analisar, mas já é possível se chegar a uma conclusão irrefutável: O relatório justiça em números do CNJ é um material riquíssimo de pesquisas e não pode, de forma alguma, deixar de ser considerado por qualquer um que participe do sistema de justiça brasileiro e, sobretudo, por aquele que busque alternativas para a sua melhoria.

_________

1 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O problema da duração dos processos: premissas para uma discussão séria. Temas de direito processual (nona série). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 367-377, especialmente p. 367-369.

2 Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Andre Vasconcelos Roque é doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor de Direito Processual Civil da UFRJ. Sócio do escritório Gustavo Tepedino Advogados, com atuação na área de recuperação judicial e falência.

Fernando da Fonseca Gajardoni é doutor e mestre em Direito Processual pela USP (FD-USP). Professor doutor de Direito Processual Civil e Arbitragem da USP (FDRP-USP) e do G7 Jurídico. Juiz de Direito no Estado de São Paulo.

Luiz Dellore é doutor e mestre em Direito Processual pela USP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Visiting Scholar na Syracuse University e Cornell University (EUA). Professor de Direito Processual do Mackenzie, IBMEC e Escola Paulista do Direito. Ex-assessor de ministro do STJ. Advogado da Caixa Econômica Federal. Consultor Jurídico. Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo). Site: www.dellore.com

Marcelo Pacheco Machado é doutor e mestre em Direito Processual pela USP. Professor nos cursos de pós graduação da USP em Ribeirão Preto, da PUC/RS, da Escola Paulista de Direito, do Instituto de Direito Público em São Paulo e da Escola da Magistratura do Espírito Santo. Árbitro da CAMES - Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada. Autor de diversos livros e artigos em processo civil. Advogado em Vitória/ES.

Zulmar Duarte de Oliveira Jr. é advogado. Consultor Jurídico. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil. Professor da Unisul e de diversos cursos de pós-graduação. Professor convidado permanente da Escola Superior da Advocacia - OAB/SC. Membro do IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual, da ABDPro - Associação Brasileira de Direito Processual, do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros, do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do CEAPRO - Centro de Estudos Avançados de Processo. Autor de diversos livros, artigos e pareceres com ênfase em Direito Processo Civil.