STF vs. Supreme Court

Um código de conduta para a Suprema Corte dos EUA

A American Bar Association (ABA), uma espécie de OAB dos EUA, pode ser vista como a grande precursora na definição de parâmetros de ética legal/judicial no país.

28/8/2023

"A Suprema Corte deve ter um código de conduta próprio e com regras claras para que tanto seus membros como o povo americano saibam quando sua conduta extrapola os limites. O tribunal mais elevado do país não deve ter os padrões éticos mais baixos". A frase acima, de autoria do Presidente do Comitê Judiciário do Senado dos EUA, Senador Dick Durbin (Democrata – Illinois), bem revela o clima dos debates no país acerca da necessidade de implantação de um código de conduta que regule a atividade dos membros da Suprema Corte. As recentes revelações da imprensa sobre viagens luxuosas de membros da Corte, grande parte delas pagas por empresários e entidades com interesses em julgamentos do tribunal, aumentaram o clamor do tema tanto no público em geral como no Congresso dos EUA.

No último mês de julho, por exemplo, o Comitê Judiciário do Senado votou e aprovou o encaminhamento de um projeto de lei sobre a temática ao plenário do órgão. Na ocasião, o Comitê assim se pronunciou: "O nível de aprovação pública da Suprema Corte está no nível mais baixo de todos os tempos após o fluxo constante de revelações sobre as falhas éticas de seus membros. Esta votação é um primeiro passo para restaurar a confiança do povo americano no seu mais alto tribunal [...]. Trabalhamos há 11 anos para incentivar a Suprema Corte a adotar um código de conduta vinculativo para todos os seus juízes, sejam nomeados por presidentes democratas ou republicanos. O presidente da Corte, Justice John Roberts, teve a oportunidade de agir e se recusou. Agora, agiremos – e está dentro da nossa autoridade constitucional agir. Estas reformas aplicar-se-ão com igual força a todos os juízes e – o que é mais importante – reforçarão a legitimidade da Corte, contrariamente às afirmações infundadas de Senadores republicanos. É hora de os nove juízes da Suprema Corte respeitarem um código de conduta, assim como qualquer outro funcionário federal. Esperamos trabalhar com nossos colegas na consideração da matéria perante todo o Senado".1

Em resumo, o projeto agora encaminhado ao plenário do Senado2 exige que a Suprema Corte (i) adote um código de conduta; (ii) crie um mecanismo para investigar alegadas violações a esse código de conduta e a outras leis por seus membros (iii) melhore a divulgação e a transparência nas situações em que um membro da Corte tenha ligação com uma parte ou amicus curiae em casos julgados pelo Tribunal; e (vi) determine que seus membros fundamentem suas decisões de suspeição e de recusa ao julgamento de determinados casos. Essas regras básicas de ética judicial, que em larga medida já se aplicam aos demais juízes nos EUA, têm gerado um grande debate público. Mas qual é a origem e quais são as repercussões desse debate? Para abordar o tema, um histórico inicial é necessário.

A American Bar Association (ABA), uma espécie de OAB dos EUA, pode ser vista como a grande precursora na definição de parâmetros de ética legal/judicial no país. Em 1908, a entidade formulou a primeira versão dos "Cânones de Ética Profissional para Advogados"3, com a recomendação de que tais cânones fossem ensinados nas faculdades de direito do país e, ato contínuo, cobrados em eventuais exames de admissão de advogados.

Na medida em que os "Cânones" eram aplicáveis apenas aos advogados, a própria ABA criou uma Comissão, em 1922, com o objetivo de formular regras análogas para os juízes, em uma espécie de Código de Conduta Judicial. Interessante notar que a Comissão criada pela ABA em 1922 era presidida pela então Chief Justice William Howard Taft, da Suprema Corte dos EUA, um dos grandes responsáveis pela reforma judicial ocorrida na década de 1920 nos EUA e que resultou na criação, por lei, da "Judicial Conference of the United States", órgão nacional de formulação de políticas para os tribunais federais.4

Ainda no contexto da década de 1920, um caso concreto pode ser visto como um dos fatores que motivaram a ABA a formular uma codificação de padrões éticos para os juízes. Trata-se do caso do então juiz federal Kenesaw Mountain Landis, de Chicago, que em 1920 aceitara o encargo de Comissário da Liga de Beisebol dos EUA (atualmente, a Major League Baseball). Por cerca de dois anos, até 1922, Landis acumulou o exercício da magistratura federal com o encargo na Liga de Beisebol. Assim, além de seu salário anual de aproximadamente U$ 7.500,00 como juiz, Landis recebia cerca de U$ 42.500,00 da Liga, o que gerava inúmeras controvérsias. Deputados tentaram iniciar um processo de impeachment contra Landis e o Congresso aprovou uma resolução para que fosse iniciada uma investigação sobre o caso. A ABA, por seu turno, aprovou uma resolução de censura contra Landis. Diante do desgaste gerado, Landis solicitou sua exoneração do cargo de juiz federal ainda em 1922 sob a alegação de “não haver horas suficientes no dia para todas suas atividades”.

Como resultado do trabalho da Comissão formada em 1922, a ABA aprovou, em 1924, o primeiro modelo/minuta de um conjunto de regras para reger a conduta dos juízes: os “Cânones de Ética Judicial”, contendo 36 cânones para instrução dos juízes quanto à conduta ética em sua atividade. Os “Cânones” da ABA destinavam-se a servir como diretrizes para que os Estados adotassem Códigos de Conduta, sendo que a maioria deles adotou alguma versão nos anos seguintes. A ABA manteve e ainda mantém um processo de revisão e atualização permanente de seus “Cânones de Ética Judicial”, disponibilizando à sociedade e ao Judiciário, até os dias atuais, um modelo de Código de Conduta capaz de ser adotado pelos Estados. Em 1973, quando a “Judicial Conference” adotou o primeiro código de conduta para os juízes federais dos EUA, os modelos da ABA serviram como base.

Como regra geral, todos os juízes dos EUA são submetidos a um Código de Conduta ou de Ética Judicial. No âmbito estadual, cada Estado formula seu Código para seus juízes; no âmbito federal, a “Judicial Conference of the United States” é o órgão que formula o “Code of Conduct for United States Judges”, adotado pela primeira vez em 1973 e cuja última revisão/atualização formal ocorreu em 2019.5 Criada por lei em 1922, a “Judicial Conference” tem como objetivo principal a formulação das diretrizes políticas para a administração da justiça federal no país, aí incluída a formulação do Código de Conduta já aludido. Ela é composta, hoje, por 26 juízes: o Chief Justice da Suprema Corte dos EUA (que a preside), o Chief Judge da Corte Federal de Comércio Internacional, os Chief Judges dos 12 Circuitos Regionais da justiça federal e um juiz distrital representando cada um dos 12 Circuitos Regionais.

A grande questão que se apresenta, então, diz respeito à aplicabilidade dessas normas de conduta aos membros da Suprema Corte dos EUA. Ao passo que todos os juízes estaduais devem respeito ao respectivo Código de Conduta estadual e que todos os juízes federais devem ao “Code of Conduct for United States Judges” formulado pela “Judicial Conference”, há uma lacuna quanto à regulamentação da conduta dos membros da Suprema Corte dos EUA. É que o Código de Conduta, ao especificar seu âmbito de aplicação, faz menção expressa aos juízes federais distritais (“District Judges”), aos juízes das Cortes de Apelação (“Circuit Judges”) e aos juízes das Cortes especiais (de Comércio, falências e etc), deixando de mencionar especificamente a Suprema Corte e seus juízes (Justices). Formalmente, então, o Código de Conduta governa as ações de todos os juízes federais nos EUA, com exceção dos membros da Suprema Corte, ainda que estes últimos aleguem publicamente consultar e seguir as diretrizes estipuladas no Código.

Em termos gerais, o atual “Code of Conduct for United States Judges”, em sua versão atualizada em 2019, traz os 5 grandes cânones que devem ser seguidos no judiciário federal dos EUA (e que resumem, de certa forma, os cânones instaurados pela ABA e pelos Códigos estaduais país afora), quais sejam: 1) um juiz deve defender a integridade e a independência do Judiciário; 2) um juiz deve evitar mau comportamento e a aparência de má conduta em todas suas atividades; 3) um juiz deve desempenhar os deveres de seu cargo de forma justa, imparcial e diligente; 4) um juiz pode se envolver em atividades extrajudiciais que sejam consistentes com as obrigações do cargo judicial; 5) um juiz deve abster-se de atividades políticas.

Os membros da Suprema Corte, então, não estão juridicamente submetidos ao Código de Conduta aplicável a todos os demais juízes federais. De acordo com a Constituição dos EUA, eles mantêm seus cargos enquanto demonstrarem bom comportamento e podem ser removidos por meio de impeachment em casos de traição, corrupção ou outros crimes e contravenções graves. Diante disso, um dos membros da Suprema Corte (Justice Samuel Alito) chegou a afirmar que o Congresso não teria competência para regulamentar a conduta dos membros da Corte, sobretudo depois que o assunto da aprovação de um Código de Conduta veio à tona nos últimos tempos.

De fato, é possível dizer que os debates acerca da aprovação de um Código de Conduta específico para os membros da Suprema Corte remontam ao menos a 2011, ano em que proposto no Congresso o “Supreme Court Transparency and Disclosure Act of 2011”.6 Ainda que não tenha tido qualquer evolução em termos legislativos, a ideia, na ocasião, era a adoção de um Código de Conduta similar ao já existente para os juízes federais em geral.

Ainda em 2019, os Justices Elena Kagan e Samuel Alito compareceram ao Congresso dos EUA para uma audiência sobre o orçamento do Judiciário e, uma vez questionados, indicaram reservas em relação à aplicação do mesmo código de conduta dos juízes federais aos membros da Suprema Corte. Nesse sentido, ambos revelaram que o Chief Justice John Roberts estava “estudando a possibilidade de ter um código de conduta judicial aplicável apenas à Suprema Corte dos Estados Unidos. Isso é algo que ainda não discutimos como conferência e que tem prós e contras, tenho certeza, mas é algo que está sendo pensado muito seriamente”.7

Mais recentemente, em março de 2023, um modelo de Código de Conduta para os membros da Suprema Corte foi publicado pela “Project on Government Oversight”, organização apartidária e sem fins lucrativos com sede em Washington e que trabalha expondo situações de desperdício, fraude, abuso e conflitos de interesse no governo federal dos EUA.8 De qualquer forma, não se vislumbra, até o presente momento, a adoção de um Código de Conduta para a Suprema Corte em horizonte próximo, sobretudo levando-se em consideração os debates sobre a competência constitucional do Congresso para tal. Isto é: se, de fato, tal adoção só seria possível mediante atuação da própria Suprema Corte em nítida autorregulação ou se o Congresso poderia atuar no sentido de regular a conduta dos membros da Corte.

Tudo isso não significa que os Justices sejam imunes a qualquer regulamentação de conduta. Eles se submetem aos regramentos decorrentes de lei federal, a exemplo de regras de transparência, investimentos, renda decorrente de atividades paralelas ao cargo e de recebimentos de presentes aplicáveis a todos os servidores dos três Poderes. Sobre o tema, o Congresso disciplinou que, quanto ao Judiciário Federal, a “Judicial Conference” deveria expedir regulamentos implementando as regras acima dispostas sobre presentes, investimentos e renda e, bem assim, realizar a devida fiscalização em relação aos juízes.

No entanto, a regulamentação realizada pela “Judicial Conference” excluiu os Justices da Suprema Corte dos EUA da incidência das regras sobre presentes e renda decorrente de atividades paralelas, delegando ao Chief Justice a cobrança e a fiscalização de tais matérias em relação aos seus pares na Suprema Corte. Assim é que, em 1991, uma resolução da própria Suprema Corte, firmada pelo então Chief Justice William Rehnquist a partir da concordância de todos seus pares, indicou que os membros da Corte seguiriam, em substância, os regulamentos ditados pela “Judicial Conference” sobre presentes e renda paralela.9 Adiante, em 2011, o atual Chief Justice John Roberts, em seu relatório de final do ano judiciário, indicou que os membros da Corte, para fins de boa administração, deveriam encaminhar seus relatórios financeiros anuais à “Judicial Conference” como uma questão de prática interna.10

Em termos práticos, os Justices apresentam suas declarações financeiras (de presentes e de renda paralela) à “Judicial Conference” todos os anos. Atualmente  – e de acordo com os regramentos atualizados pela “Judicial Conference” em março de 2023 –, é necessário declarar presentes recebidos por si ou por familiares em valores superiores a U$ 415. Analisando os últimos 20 anos, poucos são os presentes declarados pelos Justices. Exemplificativamente, eis alguns itens constantes das declarações:

a) Chief Justice John Roberts – tíquetes para a Washington National Opera no valor de U$ 500, em 2009.

b) Justice Clarence Thomas – um busto em bronze do famoso abolicionista Frederick Douglass no valor de quase U$ 7.000 (recebido em 2015 como presente do bilionário Harlan Crow, o mesmo que esteve com Thomas em viagens luxuosas, que pagou pela escola de seu sobrinho-neto e que comprou uma propriedade de Thomas).

c) Justice Sonia Sotomayor – uma escultura de Einstein (no valor de U$ 1.500), um quadro com três corujas (U$ 1.125) e outras obras de arte.

d) Justice Neil Gorsuch – botas de caubói (U$ 699) e vara de pesca (U$ 500).

e) Justice Antonin Scalia – um rifle (U$ 600), uma pistola (U$ 1.000) e dicionários (U$ 950).

f) Justice Ruth Bader Ginsburg – prêmio de U$ 1.000.000 (um milhão de dólares) recebido do bilionário Nicolas Berggruen (The Berggruen Institute) e doado a instituições de caridade não especificadas, um vestido de ópera (U$ 4.500) e um prêmio de “Mulher do Ano” da revista “Glamour” (U$ 2.500).

Outro tópico que tem se apresentado controverso diz respeito ao aceite, pelos Justices, de ofertas de hospitalidade (viagens, transporte, refeições e passeios), o que motivou, inclusive, a última atualização dos regulamentos da “Judicial Conference” em março de 2023. Em resumo, a regra é que refeições, hospedagem e entretenimento recebidos como hospitalidade pessoal de um indivíduo (e não de uma corporação ou organização) em sua residência, propriedade pessoal ou de sua família não necessitam ser declarados (eis que são tidos como presentes de natureza pessoal e não comercial). Afora tais casos (ou seja, fora da chamada exceção relativa à hospitalidade pessoal), há dever legal de transparência por parte dos membros da Suprema Corte.

O regulamento ainda indica que essa regra não abrange presentes como o “transporte que substitua o transporte comercial” (e aqui a clara intenção de vedar viagens luxuosas em jatos e embarcações privadas). Essa discussão veio à tona, por exemplo, nos atuais casos trazidos a público e revelados pela ProPublica (agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos) em que o Justice Clarence Thomas aceitou convites do bilionário Harlan Crow para viagens em jatos e embarcações luxuosas. De forma análoga, em caso em que o Justice Samuel Alito aceitou diversas ofertas de hospitalidade do também bilionário Paul Singer, sendo que tais ofertas foram custeadas, no mais das vezes, por empresas ligadas ou controladas pelos respectivos bilionários.11

Ultimamente, os casos de supostos desvios éticos de membros da Suprema Corte têm ganhado espaço no noticiário, com o consequente desgaste da imagem da Corte como um todo. Alinhado a isso, pesquisas de opinião pública sobre a confiança na Suprema Corte dos EUA têm demonstrado os índices mais baixos dos últimos 50 anos (vide Gallup e NORC)12. Exemplos como os dos Justices Samuel Alito e Clarence Thomas aceitando presentes (hospitalidade) de bilionários com interesses políticos e econômicos em casos a serem julgados pela Suprema Corte demonstram a fragilidade do sistema de transparência e de controle de condutas atualmente existente.

Todo modo, uma análise histórica da situação evidencia que a ocorrência de desvios ou de situações de transgressão às regras acima expostas são raras. Até há pouco tempo, um dos únicos exemplos que se levantava quanto à conduta dos membros da Suprema Corte dizia respeito ao caso do Justice Abe Fortas em 1968-69, ocasião em que se envolveu em uma série de controvérsias sobre retribuição financeira e que, por derradeiro, culminou com seu pedido de exoneração do cargo em maio de 1969 após ameaças de impeachment serem reveladas.

Em resumo, Fortas recebeu vultosos pagamentos para palestrar em 9 eventos na American University, em Washington, sendo que o dinheiro era proveniente de empresas privadas com interesses diversos e representava um montante 7 vezes maior do que qualquer outro palestrante já havia recebido na Universidade. Além disso, como ponto principal que deu origem às controvérsias, Fortas aceitou um pagamento anual de U$ 20.000 (vinte mil dólares) de uma fundação ligada a um investidor que era seu amigo e ex-cliente. Tudo isso como compensação por aconselhamento não especificado no mesmo momento em que o referido investidor era investigado criminalmente.

Para além dos casos envolvendo hospitalidade como os aludidos acima, já há algum tempo outras atividades dos Justices vêm sofrendo maior escrutínio público. Um dos casos específicos diz respeito às negociações de direitos autorais e de adiantamentos financeiros realizadas por editoras que publicam livros de autoria dos membros da Corte. Apesar de tais negociações não serem proibidas, os regulamentos da “Judicial Conference” sobre renda paralela às atividades, aplicáveis também aos membros da Suprema Corte, exigem as devidas declarações.

As negociações com editoras tornaram-se importantes financeiramente para os Justices. É que os atuais regulamentos sobre renda paralela aplicáveis a atividades acadêmicas e afins (e que estipulam um limite de aproximadamente U$ 30.000 em ganhos anuais em tais rubricas) não se aplicam à renda decorrente de livros. Para que se tenha ideia, a mais nova membra da Corte, Justice Ketanji Brown Jackson, negociou recentemente um contrato para seu livro em valor aproximado de U$ 3.000.000. No passado, os Justices Neil Gorsuch (U$ 650.000), Amy Coney Barrett (U$ 2.000.000) e Sonia Sotomayor (U$ 3.000.000) foram alguns dos que embolsaram quantias generosas com negócios editoriais.

Por fim, outra questão levantada diz respeito à utilização da mão de obra de servidores do judiciário federal para atividades extrajudiciais dos membros da Suprema Corte.  Segundo o Código de Conduta aplicável aos juízes federais dos EUA (e inaplicável aos membros da Suprema Corte), um juiz não deve, em qualquer grau substancial, utilizar seu gabinete, recursos do órgão ou pessoal em suas atividades extrajudiciais. Em diversas ocasiões, membros da Suprema Corte utilizaram pessoal de seu staff judicial para realização de trabalhos externos remunerados, incluindo atividades de ensino. Em casos tais, os servidores têm grande dificuldade em dizer não e acabam por desenvolver atividades extrajudiciais enquanto estão sendo remunerados por recursos públicos da Suprema Corte.

Em linhas gerais, a separação completa de um juiz de atividades extrajudiciais na sociedade não é possível e nem sequer é uma medida sensata. De fato, um juiz não deve ficar isolado da sociedade em que vive. Como servidor da justiça e como pessoa especialmente versada na lei e no Direito, um juiz está em uma posição única para contribuir com o Estado, com o aperfeiçoamento do sistema jurídico e com a melhora na administração da justiça. As atividades extrajudiciais podem e devem ocorrer, no entanto, com respeito às linhas mestras que separam as atividades oficiais do cargo de outras atividades também lícitas. Assim, além de evitar mau comportamento e a aparência de má conduta em todas suas atividades (judiciais ou extrajudiciais), é necessário que as atividades extrajudiciais eventualmente exercidas sejam consistentes com as obrigações do cargo judicial. Para tal, a ideia geral de um Código de Conduta para a Suprema Corte seria de suma importância.

Não há dúvidas, assim, que a Suprema Corte dos EUA, como demonstração tangível de que os ministros levam a sério as obrigações éticas que recaem sobre quaisquer servidores públicos, deveria se submeter (por si própria ou por mandamento oriundo do Congresso) a um regramento mais incisivo de conduta judicial. A ideia, conforme já exposto no projeto apresentado pela organização “Project on Government Oversight”, seria dar ao público um termômetro mais claro sobre se a conduta dos Justices estaria dentro dos limites éticos aceitáveis. No entanto, a questão difícil não é se a Corte deveria ou não adotar um código ou modelo aspiracional de condutas em termos éticos, mas sim como impor na prática e executar padrões claros de conduta ética internamente na mais alta Corte judicial do país. Esse o desafio nos EUA e em qualquer outro país.

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1 Disponível aqui.

2 O texto e a tramitação do Supreme Court Ethics, Recusal, and Transparency Act of 2023 podem ser acompanhados aqui.

3 Disponível aqui.

4 Em uma analogia com o Brasil, a “Judicial Conference of the United States” exerce funções assemelhadas às do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

5 Disponível aqui.

6 Disponível aqui.

7 Íntegra dos relatórios da audiência disponível aqui.

8 Íntegra do modelo de Código de Conduta disponível aqui.

9 Resolução disponível aqui.

10 Relatório disponível aqui.

11 Disponível aqui.

12 Veja-se, no ponto: 1) ; e no ponto 2) .

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Colunista

Bruno Santos Cunha é procurador do município do Recife e sócio do escritório Urbano Vitalino Advogados. Bacharel pela UFSC, mestre em Direito pela USP, Master of Laws pela University of Michigan e doutorando em Direito pela UFPE. Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo.