Special Situations e Financiamento de Litígios

Modelagem do financiamento de litígios: Múltiplo do valor investido ou percentual do benefício econômico?

Daniel Kalansky comenta sobre a estruturação de modelos que os fundos de investimento podem negociar em uma operação de financiamento de litígios, trazendo aspectos sobre o alinhamento de interesses entre as partes envolvidas.

17/9/2024

Na coluna de hoje, comentarei um pouco sobre a estruturação de modelos que os fundos de investimento podem negociar em uma operação de financiamento de litígios, trazendo aspectos sobre o alinhamento de interesses entre as partes envolvidas.

Em uma determinada operação que vivenciei, um cliente tinha uma demanda de US$ 30 milhões contra uma empresa no exterior, porém os custos necessários para o litígio eram bem relevantes, tendo em vista envolver duas jurisdições distintas. Uma das primeiras propostas recebidas de um fundo de investimento interessado em financiar o litígio partia da seguinte estrutura: o fundo destinava um orçamento de até US$ 3 milhões para o litígio e, em caso de sucesso, receberia o maior entre o múltiplo do valor investido (de 1 a 5 vezes, conforme a duração do litígio), ou o percentual do benefício econômico (20 a 40%, conforme a duração do litígio). Além disso, a proposta estabelecia que o fundo teria prioridade em relação ao cliente para receber o valor investido.

Na época, uma das grandes objeções do cliente era que, nessa estrutura proposta, havia um potencial desequilíbrio em relação ao processo: caso o litígio levasse pouco tempo e fosse necessário empregar poucos recursos, o fundo teria um retorno grande, porque calculado conforme o benefício econômico; e se, de outro lado, o litígio levasse muito tempo para ser solucionado, e demandasse quantidade expressiva de recursos, o fundo garantiria sua remuneração prioritária (calculada, no mínimo, sobre um múltiplo do valor investido), sobrando poucos recursos para o próprio cliente. Ou seja, se o processo demorasse 4 anos e meio para ser resolvido, o fundo teria 5 vezes o valor investido ou 40% do benefício econômico, o que fosse maior.

Imaginando-se no caso concreto, se o cliente fosse bem-sucedido, ganhando a demanda, porém não em seu valor integral (supondo-se, no caso, um sucesso de US$ 20 milhões, e não US$ 30 milhões) após 4 anos e meio (duração em que o múltiplo já seria 5 vezes o valor investido), e tivesse gastado US$ 3 milhões ao longo do litígio, o cliente ficaria com US$ 5 milhões, enquanto o fundo receberia US$ 15 milhões. Se fosse a modelagem apenas pelo percentual do benefício econômico (ou seja, 40%), o cliente ficaria com US$ 12 milhões e o fundo, com US$ 8 milhões.

Para elucidar um pouco sobre o alinhamento de interesses e sistemas que podem existir em uma operação de financiamento de litígio, é interessante recorrer a um artigo publicado na Vanderbilt University Law School (“Agency Costs in Third-Party Litigation Finance Reconsidered”)1, em que o autor parte de três exemplos de estruturas clássicas, conforme abaixo:

 

Duração do Litígio

 

0-12 meses

12-24 meses

24+ meses

Retorno do Financiador

(Exemplo 1)

15% do benefício econômico

17% do benefício econômico

20% do benefício econômico

Retorno do Financiador

(Exemplo 2)

2x valor investido

3x valor investido

4x valor investido

Retorno do Financiador

(Exemplo 3)

O maior entre 2x o valor investido e 15% do benefício econômico

O maior entre 2,75x o valor investido e 17% do benefício econômico

O maior entre 3,35x o valor investido e 20% do benefício econômico

O Exemplo 1 é o mais simples: o fundo simplesmente tem um percentual do benefício econômico, se o caso for bem-sucedido, podendo variar numa taxa de 15 a 20%, a depender da duração do litígio. Um alinhamento de interesses é claro: quanto mais o cliente recebe, mais o financiador também recebe. O financiador, em razão do custo do dinheiro no tempo, geralmente busca negociar um percentual crescente, conforme a duração do litígio se estenda.

A desvantagem desse modelo para o litigante é que, neste sistema, é indiferente quanto do orçamento do litígio foi gasto. De um lado, o litigante não se preocupará em demandar recursos disponibilizados pelo fundo e, de outro lado, o fundo terá maior benefício quanto menor o valor investido.

Visando se proteger contra o eventual uso excessivo do orçamento aprovado para o litígio, o financiador pode se utilizar do modelo previsto no exemplo 2, em que o litigante deverá pagar de volta um múltiplo do valor investido no litígio, se o caso for bem-sucedido. Os múltiplos podem variar de 2 a 4 vezes o valor investido, crescendo conforme a duração do litígio, tendo em vista o valor do dinheiro no tempo. A desvantagem deste modelo é de que o litigante possa ter um incentivo de querer gastar o menos possível, para devolver o menor valor possível para o financiador, podendo afetar a própria estratégia e condução do processo.

Para contornar a desvantagem dos dois exemplos anteriores, existe um terceiro modelo que é aquele explicitado no exemplo 3 acima. Neste modelo, o financiador se protegerá dos potenciais desalinhamentos do primeiro e do segundo modelos, uma vez que receberá o maior valor entre o percentual do benefício econômico e o múltiplo do valor investido.

Enfim, cada operação é uma situação específica, e a ideia deste artigo foi de apenas dar algumas pinceladas sobre as estruturas possíveis que podem existir na negociação de um financiamento de litígio, apresentando três estruturas clássicas, buscando mostrar os riscos inerentes a cada uma delas.

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1  Disponível aqui.

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Colunista

Daniel Kalansky é sócio do escritório Loria e Kalansky Advogados, com intensa atuação em negociação de litígios estratégicos de alta complexidade, com forte atuação em ativos judiciais e special situations. Referência em litígios envolvendo Direito Societário, fundos de investimento e mercado de capitais, com forte atuação na assessoria de companhias abertas e sua regulação perante a CVM, principalmente em questões envolvendo minoritários e controladores. Professor no Insper, sendo doutor e mestre em Direito Comercial pela USP. Árbitro na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) da B3 e foi presidente do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP.