Hoje trouxemos um tema um pouco diferente para nossos leitores, adentrando a seara da Propriedade Industrial. Regulamentada pela lei 9.279/1996 (LPI), trata-se, em termos menos técnicos, da concessão de patentes às invenções que atendam aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (art. 8º). Nesta coluna, abordaremos brevemente as especificidades sobre a concessão de patentes sobre material genético.
Inicialmente, a LPI, em seu art. 18 aduz a impossibilidade de patentear, no todo ou em parte, os seres vivos; contudo, o art. 225, II da Constituição Federal, ao tratar do direito ao meio ambiente, permite a pesquisa e a manipulação de material genético no país1.
A partir desse artigo, surge, portanto, a necessidade de tutela do patrimônio biotecnológico, que é desenvolvido e criado por essas pesquisas e manipulação. A tutela biotecnológica, ramifica-se em duas grandes frentes: a proteção às cultivares, regulamentada pela lei 9.456/1997, e a proteção aos organismos geneticamente modificados (material genético), regulamentada pela lei 11.105/2005.
A Lei nº 11.105/2005, que visa regulamentar o art. 225, II da CF, é chamada de Lei da Biossegurança, e substitui a anterior lei 8.974/1995. Em complementação, alguns dispositivos da referida norma são regulamentados pelo decreto 5.591/2005.
Em ambas as normativas, são conceituadas as terminologias técnicas relativas à atividade de pesquisa sobre material genético, tais como organismo, engenharia genética, clonagem, células-tronco, etc. Além disso, as normas também proíbem o desenvolvimento de pesquisas fora dos padrões estabelecidos na legislação e que atentem contra a moral e os bons costumem, ou intervenham em célula germinal, zigoto ou embrião humano.
A Lei de Biossegurança brasileira é baseada na Diretiva nº 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Julho de 19982, a qual define:
Artigo 5º.
1. O corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, não podem constituir invenções patenteáveis.
2. Qualquer elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural.
3. A aplicação industrial de uma sequência ou de uma sequência parcial de um gene deve ser concretamente exposta no pedido de patente.
Assim, a legislação brasileira, tal como a Diretiva europeia, adota um posicionamento favorável à concessão “relativa” de patentes sobre material genético. A patente relativa, baseada no princípio geral da exclusão, significa que as descobertas, por si só, não tem uma finalidade prática e apenas revelam um recurso existente na natureza (nesse caso, no próprio corpo humano), sendo necessário que, para tornar o material genético patenteável, exista uma aplicação prática e/ou investigativa (pesquisa) sobre aquela descoberta3.
Inclusive, o INPI, nas suas Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente na Área de Biotecnologia4, define:
1.1 Quando a invenção envolve sequências biológicas, o requisito de aplicação industrial só é atendido quando é revelada uma utilidade para a referida sequência.
Assim, a apresentação de amostra de material genético não será patenteada por si só, devendo preencher uma série de requisitos legais e ficar demonstrada a utilidade daquela pesquisa.
Destaca-se, ainda, a discussão sobre a possibilidade de pesquisa de células-tronco. Nos termos do art. 5º da Lei de Biossegurança:
Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
Permite-se, portanto, no Brasil, a utilização das células-tronco, desde que não haja qualquer interferência em embriões, zigotos ou células germinais que virão a desenvolver vida humana.
A constitucionalidade do referido artigo foi analisado na ADI 3.510/DF/2008:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5a DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA) . PESQUISAS COM CÉLULASTRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO.
Recentemente, a questão foi ressuscitada no Projeto de Lei nº 5.153/2020 e aguarda análise pelo Congresso Nacional:
Art. 1º O art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º É vedada, para quaisquer fins, a utilização de célulastronco obtidas de embriões humanos.” (NR)
Art. 2º O art. 24 da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 24. Utilizar células-tronco obtidas de embriões humanos: ..........................................................” (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor após decorridos cento e oitenta dias de sua publicação oficial
Não obstante todo o controle bem exercido pelo INPI, propõe-se o estudo da possibilidade de registro de patentes dos materiais genéticos também no RCPN, a fim de ampliar a publicidade e a segurança. O Registro Civil já é órgão competente para o registro de matéria correlata, das relações de filiação decorrentes da inseminação artificial.
Embora a Lei de Biossegurança não abarque a fertilização in vitro nos termos da lei civil como objeto patenteável, faz-se interessante a criação de uma ponte entre a área de pesquisa e a prática da inseminação. Logicamente, a análise para a concessão da patente deve permanecer com o INPI, que tem estrutura e peritos competentes para o estudo específico desenvolvido, mas nada impediria a remessa da informação para arquivamento no RCPN, para fins de facilitação ao acesso e fomentação da publicidade proporcionada pela serventia extrajudicial. Além da publicidade, o registro ainda daria uma dupla segurança ao titular da patente, na medida em que facilitaria a difusão do conhecimento dessa medida pela população.
Outras novidades serão analisadas, oportunamente, nesta coluna; sigam conosco!
Sejam felizes!
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1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus [...]
2 Acesso aqui.
3 PINHEIRO, Rafael de Figueiredo Silva. Da Patenteabilidade de Genes Humanos. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015. Orientador: Professor Doutor Newton Silveira. p. 130 e ss.
4 Disponível aqui.