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Retrospectiva 2021: O encerramento do ano com a votação da PEC 471/05

Retrospectiva 2021: O encerramento do ano com a votação da PEC 471/05.

14/12/2021

O ano de 2021 foi marcado por um sentimento de esperança, principalmente com a aplicação das vacinas contra a Covid-19 em todo o mundo, não sendo possível esquecer o impacto devastador da COVID-19 que já ceifou 616 mil pessoas só no Brasil. A pandemia, sem sombra de dúvida, marca o ingresso em uma nova era na qual o distanciamento social é regra, tendo antecipado progresso digital, comunicação à distância, teletrabalho e a otimização de tempo nunca antes verificada na história da humanidade.

Além disso, 2021 foi o ano de reabertura e retomada de diversos concursos públicos para outorga de delegação em vários estados do Brasil. O primeiro edital1 foi publicado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, disponibilizando 60 serventias, sendo 40 para o critério de provimento e 20 para o critério de remoção.

Em 14 de julho de 2021, foi a vez do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás publicar o edital para Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registros Públicos, disponibilizando 292 vagas.

Tanto o estado do Paraná, por meio do Mandado de Segurança nº 0060644-53.2021.8.16.0000, quanto o estado de Santa Catarina, reestabeleceram a retomada das atividades dos Concursos Públicos.2

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo divulgou no dia 09 de novembro de 2021 o Edital para o 12º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registros Públicos do Estado de São Paulo, sem sombra de dúvida, um dos mais importantes dentre as onze edições anteriores tendo em vista a estagnação gerada dos anos de 2019 e 2020, nos quais nenhum edital foi publicado por força da pandemia.

No que toca aos concursos de outorga de delegação, além das publicações dos editais, foram realizadas provas presenciais nos certames acima mencionados com absoluto êxito e sem que houvesse notícia de qualquer contaminação ou problemas gerados por força da realização de provas presenciais. Aos poucos, a retomada gradativa vem ganhando força para que as três fases (preambular, escrita e oral) possam ser realizadas de forma presencial, garantindo maior lisura aos concursos que, dificilmente, poderão ser adaptados ao novo modelo virtual de vida.

Juridicamente, um dos principais assuntos comentados em 2021 é a PEC nº 471/05, de autoria do Deputado João Campos (PSDB-GO), em trâmite no Congresso Nacional, com o objetivo de alterar a redação do artigo 236 da Constituição Federal3. A referida Proposta de Emenda Constitucional foi aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, em 26 de agosto de 2015.

Diante da iminência de uma nova votação, diversos doutrinadores de renomes do direito apresentaram total repúdio em relação ao teor da proposta. Tive a oportunidade de me manifestar em 2013 no artigo "A PEC DA IMORALIDADE"4, por meio do qual explanei os argumentos contrários à “hereditariedade cartorial”.

Com a Constituição Federal de 1988 e a entrada em vigor da lei 8.935/19945-6, o recrutamento para o poder de gerenciar uma serventia extrajudicial se tornou extremamente meritocrático, por meio de concursos públicos de provas e títulos, essenciais para selecionar os candidatos mais capacitados para a prestação do serviço extrajudicial notarial e registral, diante da necessidade de capacidade técnica e profissional dos titulares da serventia.

Dessa forma, uma das tentativas de violação ao art. 236, §3º da Constituição Federal é a PEC nº 471, que busca ressalvar da necessidade de concurso público os atuais responsáveis e substitutos, investidos na forma da lei, aos quais será outorgada a delegação, tentando restabelecer a "hereditariedade cartorial", ferindo inúmeros preceitos constitucionais.

Além de exercerem relevante função jurídica social, os oficiais de registro e tabeliães são responsáveis pela qualificação dos títulos, instrumentalização da segurança jurídica e pela prevenção de litígios, seguindo os princípios norteadores da atividade notarial e registral, quais sejam: publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Dessa forma, não poderia alguém, sem o devido preparo específico e necessário para gerir a atividade extrajudicial, assumir o caráter de delegatário.7

Apesar da existência de inúmeros cartórios deficitários, tendo em vista a falta de interesse dos candidatos em tais serventias, o concurso deveria ser aberto para o grupo específico interessado, afim de que os interinos alcancem a aprovação, de forma democrática.

O maior argumento apresentado é exatamente o da impossibilidade de ser provido por concurso público “cartório deficitário”, ou seja, aquela serventia não escolhida por candidato escolhido em concurso público ou renunciada quando o aprovado verifica da impossibilidade de se manter nela. Tal argumento é falacioso na medida em que o atual interino pode tranquilamente continuar interino da referida serventia, sem qualquer prejuízo para o cidadão, para o Estado e para o próprio interino. Muito pelo contrário, na medida em que o interino sofre um controle mais rigoroso que o titular, sendo por conseguinte, vantajoso para o Estado a mantença do estado de interino, tanto para serventias deficitárias, quanto para aquelas que aguardam a assunção de titular.

A aprovação da referida PEC corresponde a um retrocesso, na medida em que efetivar-se-ão os atuais responsáveis ou substitutos que não passaram pelo crivo do concurso público e, portanto, não estão legitimados a exercer o papel de delegatário.

Desde a primeira tramitação da PEC, há quase 20 anos, tenho propalado a sua inconstitucionalidade, que será reconhecida de maneira prévia ou mesmo de forma superveniente em sede liminar pelo Supremo Tribunal Federal. Muito embora o assunto seja importante, não pode tirar o verdadeiro foco daquele que busca a aprovação que é o estudo individual ou coletivo, sendo a preparação o elemento central da vida do estudante que visa alta performance para atingir um bom resultado nos concursos de outorga de delegação que proliferarão no ano de 2022.

Desejo a todos um excelente fim de ano com muito estudo, foco e dedicação plena a aqueles que se preparam para os concursos de outorga de delegação e que vem tornando a atividade notarial e registral um destaque na vida da sociedade brasileira.

Sejam felizes!

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1 Edital do V Concurso público para outorga e delegação de serviços notariais e registrais publicado em 18 de janeiro de 2021.

2 Em 04 de agosto de 2021, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina publicou o comunicado de retomada do concurso, reestabelecendo as atividades do Concurso Público regido pelo Edital n. 5/2020, com a consequente alteração das datas previstas para a aplicação das provas objetivas.

3 Segundo a Constituição Federal de 1988, temos no art. 236, que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público e, no § 3ºque o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

4 V.F. Kümpel, A PEC da imoralidade, 10 dez. 2013, in migalhas, disponível aqui.

5 A Resolução nº 81, do CNJ, de 9 de junho de 2009 teve por objetivo a unificação dos concursos públicos em todo o país, sendo de responsabilidade dos tribunais locais organizar e estabelecer o concurso.

6 O artigo 14 da lei 8.935/94, expõe os requisitos para a delegação e o exercício da atividade notarial e de registro: (i) habilitação em concurso público de provas e títulos; (ii) nacionalidade brasileira; (iii) capacidade civil; (iv) quitação com as obrigações eleitorais e militares; (v) diploma de bacharel em direito; (vi) verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

7 Ressalte-se que a PEC, além de ferir o princípio da isonomia, manteria interinos que foram alcançados a essa condição por parentalidade ou por outros interesses locais, ferindo o perfil democrático concebido na Constituição Federal.

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Colunista

Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.