Entrou em vigor, no dia 12 de março de 2019, a lei 13.811, com um único dispositivo legal, sendo que o art. 2º determina a imediata entrada em vigor da referida lei. De acordo com o art. 1º, que altera o art. 1.520 do CC, "não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste código".
O supratranscrito dispositivo sepulta o antigo art. 1.520 que excepcionava o casamento da menor ou do menor de idade, para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal, ou em caso de gravidez.
A capacidade matrimonial ocorre aos 16 anos de idade, sendo necessária a autorização de ambos os pais ou emancipação até ser atingida a maioridade civil. Caso qualquer do pais não dê ou denegue o consentimento, é possível o suprimento judicial desse consentimento, promovido pelo interessado, aplicando-se o procedimento de jurisdição voluntária.
Existia, até a entrada em vigor da lei em comento, o suprimento de idade para fins de casamento, ocasião em que o juiz verificava a presença de qualquer das duas excepcionalidades (imposição ao cumprimento de pena criminal ou gravidez) e autorizava o matrimônio, podendo na mesma oportunidade suprir, de forma concomitante, o consentimento. Tive o privilégio de judicar em ambas as demandas, sempre realizando audiência de instrução para melhor entender o desejo das partes e bem enquadrá-la na lei.
Com o advento da lei 11.106 de 28 de março de 2005 houve a revogação do art. 107, VII do Código Penal. Naquela ocasião, o casamento passou a evitar a imposição ao cumprimento de pena criminal nos, então, "crimes contra os costumes", nas hipóteses de ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação. Porém, nos "crimes contra os costumes" de ação penal privada continua a persistir a possibilidade de extinção da punibilidade pelo perdão do ofendido ou pela renúncia do direito de queixa, conforme dicção do art. 107, V do Código Penal. O casamento da vítima com o agente causador do dano era considerado uma renúncia tácita (exercido antes da propositura da ação penal) ou perdão tácito (exercido depois da propositura da ação penal), de forma a persistir, até o advento da atual lei, a possibilidade de incidência da norma civil.
A questão da gravidez também autorizava o casamento da menor ou do menor de 16 anos, porque denotava a maturidade sexual que é um dos bens jurídicos tutelados em sede de capacidade matrimonial, lembrando que o Estatuto do Deficiente alberga a capacidade civil plena a qualquer deficiente mental para se casar (art. 6º).
Tentei meditar sobre as razões da nova lei e tive grande dificuldade em entender por que o art. 1.520 sofreu a referida modificação, lembrando que nenhuma mudança houve no art. 1.551 que estabelece "não se anulará, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez". Se tal artigo continua em vigor, significa que se o oficial de registro civil se equivocar e casar pessoa grávida com 15 anos, tal casamento remanescerá válido e eficaz. A norma apenas desautoriza que o juiz torne válido o casamento de menor de 16 anos em qualquer hipótese.
A pergunta importante é: caso um casal resolva viver junto, tendo ambos 15 anos de idade e um filho, qual o status jurídico desse casal? A resposta antes da entrada em vigor da lei era simples. Estão em união estável, aplicando-se todos os benefícios da entidade familiar, inclusive com o direito de se casar ou de converter a união estável em casamento. Após a entrada da referida lei, o casal em questão está em concubinato, na medida em que o art. 1.727 do Código Civil é bastante claro ao afirmar que as relações não eventuais, de pessoas impedidas de casar, constituem concubinato, sem proteção legal.
Em matéria de família, seria interessante o legislador* (começar a pensar que a alteração legislativa não implica em automática alteração das relações sociais e que, muitas vezes, ideias tidas por benéficas trazem resultados funestos, para não falar outra coisa.)
Sejam felizes!
Até o próximo Registralhas.