Registralhas

A gratuidade de escrituras de separações e divórcio

O colunista trata da gratuidade de escrituras de separações e divórcio.

28/6/2016

Um dos temas que tem gerado grande controvérsia na literatura notarial e registral diz respeito à manutenção da gratuidade das escrituras de separação e divórcio.

Isso porque a lei 11.441/07 inaugurou uma nova era desjudicializando a separação e divórcio, inventários e partilhas, que antes eram institutos privativos do poder judiciário por força do procedimento de jurisdição voluntária.

Com o advento da lei 11.441 no início de 2007, as separações e divórcios, além dos demais atos acima mencionados, passaram a ser lavrados, por escritura pública, nos tabelionatos de notas em todo o território nacional. Para tal, era apenas necessário que as partes fossem maiores e capazes, não tivessem filhos menores ou incapazes e que houvesse acordo sobre todos os termos da separação e divórcio, além da presença obrigatória de advogado.

Com advento do novo Código de Processo Civil, a lei 13.105/15, houve revogação integral da lei 11.441/07, ou seja, houve ab-rogação dessa, tendo em vista que criava ou modificava dispositivos de um código que foi totalmente revogado pelo atual.

A matéria passou a ser regida pelos artigos 731 a 734 do novo códex processual1. Ocorre que nessa nova disposição não restou reproduzido o artigo 1.124-A, § 3º, do código de processo civil anterior, que determinava: "a escritura e demais atos notariais serão gratuitos a aqueles que se declararem pobres sob as penas da lei".

Ante a ausência do dispositivo ora revogado, formaram-se duas correntes. A primeira passou a entender que ante a não repetição do dispositivo todas as escrituras de separação e divórcio passaram a ser onerosas e custeadas pela parte2. A outra corrente entendeu em vigor ainda o dispositivo supra transcrito.

Não nos parece que nenhuma da duas posições é adequada. Não é correto afirmar que o novo Código de Processo Civil ignorou a referida gratuidade. Ocorre que toda a matéria de gratuidade está nos artigos 98 a 102 do CPC, sendo que o código anterior não continha referida matéria, que se encontrava somente na lei 1.060/50.

A Seção IV, "Da Gratuidade da Justiça", muito embora não contemple especificamente a gratuidade na lavratura das escrituras de separação e divórcio, contempla a gratuidade na concessão dos atos notariais e de registro, o que obviamente abarca a gratuidade das referidas escrituras por força do artigo 98, inciso IX, do NCPC.

Isso significa que muito embora a gratuidade não decorra de decisão judicial, está obviamente abarcada de forma que não há que se falar em vigência de dispositivo do velho CPC e muito menos de retrocesso social quanto à referida gratuidade. A própria Constituição Federal determina em seu artigo 5º, inciso LXXIV, que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

Ainda, considerando que o legislador sempre apresenta demasiada cautela técnica na nomenclatura legal, não tratando de assistência judiciária meramente, mas de justiça gratuita, passa a abarcar não só os atos de jurisdição3, propriamente ditos, mas todos os demais decorrentes, inclusive os notariais e registrais.

Ademais, a resolução nº 35 de 2 de abril de 2007, que disciplina a lei 11.441/07, mantem a referida gratuidade no artigo 6º sem qualquer alteração: "Art. 6. A gratuidade prevista na lei no 11.441/07 compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais".

Dessa maneira, muito embora parte dos estudiosos advogue a obrigatoriedade de custeio das referidas escrituras, por mais que a pessoa esteja sob os benefícios da assistência judiciária, não parece ser o melhor caminho.

Aliás, o próprio tabelião deveria lutar pela manutenção da gratuidade, porque sabe que a acessibilidade notarial e registral é o que faz com que a atividade tenha que se manter privada por delegação do poder público4 (art. 236, CF/88), portanto, totalmente insuscetível de ser avocada pelo Estado como muitos desejam.

Sejam felizes e até o próximo Registralhas!

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1 Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:

I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;

II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;

III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e

IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos.

Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658.

Art. 732. As disposições relativas ao processo de homologação judicial de divórcio ou de separação consensuais aplicam-se, no que couber, ao processo de homologação da extinção consensual de união estável.

Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.

§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.

§ 1o Ao receber a petição inicial, o juiz determinará a intimação do Ministério Público e a publicação de edital que divulgue a pretendida alteração de bens, somente podendo decidir depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da publicação do edital.

§ 2o Os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, podem propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do regime de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros.

§ 3o Após o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.

2 Parte da doutrina trata como rol exaustivo o do artigo 98, como pode ser inferido:

"Para evitar esse debate, o NCPC traz um longo rol de despesas inseridas na gratuidade de justiça. O § 1º do art. 98 tem nove incisos, que enfrentam as principais despesas e custas envolvidas em processo judicial (...) Isso evita debates, recursos, discussões laterais, pois o legislador já define o que está coberto pela gratuidade."

3 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo I. 5 ed., revista e ampliada, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1995, p. 383.

4 Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

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Colunista

Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.