Registralhas

O novo CPC e suas implicações na atividade notarial e registral III: A mediação extrajudicial e os notários

Os autores comentam sobre a mediação extrajudicial e sobre a propensão dos tabeliães participarem dessa forma de resolução de controvérsias.

19/4/2016

Vitor Frederico Kümpel e Rodrigo Pontes Raldi

Dando continuidade à série de artigos, que tem por escopo apontar as principais modificações trazidas pelo novo CPC em matéria notarial e registral, teceremos, na coluna de hoje, breves considerações sobre a mediação extrajudicial, bem como sobre a propensão dos tabeliães de notas de participarem dessa forma pacífica de resolução de controvérsias.

Entre os escopos apresentados pelo sistema jurídico para desafogar o Poder Judiciário, estão a desjudicialização e a justiça restaurativa. Com a implantação dos concursos públicos de notários e registradores há mais de dez anos, é possível notar que tais operadores do direito se tornaram altamente técnicos e eficientes, passando a ganhar novas atribuições conferidas por lei, inclusive no que toca a autocomposição, tão necessária para desafogo da jurisdição.

1. A importância das formas alternativas de solução de controvérsias na nova legislação processual

Dois grandes objetivos almejados pela nova legislação processual, conforme apontamento explícito da Comissão na exposição de motivos, são a simplificação dos procedimentos até então vigentes, e a busca pelo maior rendimento processual, como forma de otimização dos resultados1. Nesse contexto, ganharam ainda mais força os meios alternativos de solução de litígios, muito embora a composição entre as partes devesse, já na vigência do Código Civil de 1973, ser tentada a qualquer tempo pelo Estado-Juiz2 (art. 125, IV3).

Nesse contexto de maior estimulo à resolução pacífica das controvérsias, como forma resolver de maneira mais célere e eficiente os litígios levados à apreciação do Poder Judiciário, os arts. 165 ss. do novo CPC tratam dos conciliadores e mediadores judicias. Estes, apesar de vinculados aos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, não exercem jurisdição4. Em verdade, atuam apenas de modo a conduzir as partes à uma resolução consenso, promovendo, em última análise, a pacificação social.

Por sua vez, o art. 1755 do novo CPC permite a designação de mediadores extrajudiciais independentes, inovando em relação à legislação revogada. Conforme determina o art. 175, parágrafo único, os arts. 165 e ss. também deverão ser observados, no que couber, pelas câmaras privadas de mediação e conciliação, muito embora a regulamentação dessa atividade tenha se dado por meio de lei específica (lei 13.140/2015), nos termos do próprio dispositivo legal mencionado.

2. Mediação extrajudicial e o papel do Notário

O art. 9o, da lei 13.140/2015 trata das pessoas aptas a se tornarem mediadoras extrajudiciais: "Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se". Além disso, deve o mediador ser imparcial em relação às partes (art. 2o, inc. I), de modo a não privilegiar nenhuma delas durante o processo de resolução pacífica.

Logo, são condições para o exercício da função da mediação extrajudicial tão-somente a confiança depositada pelas partes, capacitação e imparcialidade, razão pela qual nota-se a propensão dos notários para o exercício dessa atividade, sobretudo no que tange os litígios que envolvam atos e negócios jurídicos averbados, aos quais os tabeliães possam ou devam dar forma legal6.

É bom desde já ressaltar, que o mediador apenas faz com que as próprias partes se encaminhem para uma autocomposição, jamais se sobrepõe a elas ou induz um resultado, ao contrário, exatamente, do que faz o conciliador.

O tabelionado de notas é serventia extrajudicial, cujo escopo é a instrumentalização da vontade jurídica de seu usuário7. O tabelião, por sua vez, é profissional dotado de fé-pública (art. 3o, da lei 8.935/94), de modo que a confiança, que nele deve ser depositada pelas partes, já é pressuposta pela lei. Ademais, em razão da própria natureza da atividade notarial, o tabelião deve se colocar de maneira imparcial em relação aos usuários, de modo a não favorecer nenhum deles durante o exercício da prática tabelioa. O tabelião desde a assunção de sua função, por meio de investidura, é orientado que não "possui clientes". A pessoa que o procura para a prática da atividade notarial é um usuário de serviços, de modo que o notário obra com absoluta imparcialidade, independentemente de quem o procura para a prática do ato notarial.

Por sua vez, o exercício de eventual atividade de mediação extrajudicial pelo tabelião não encontra qualquer barreira legal. Em primeiro lugar, pois o rol de atos que podem ser praticados pelo notário é meramente exemplificativo, vez que a ele não está impingido o princípio da legalidade8. Além disso, o art. 175 do novo CPC permite a vinculação do exercício da mediação a órgão institucionais, o qual não representa qualquer impedimento.

Logo, muito conveniente seria que os tabelionatos de notas promovessem a capacitação não apenas do titular, mas também dos substitutos e escreventes, de modo a disponibilizarem serviços de mediação extrajudicial de excelente qualidade, com a confiabilidade de que já mais haverá qualquer favorecimento. Dessa maneira, estar-se-ia dando não só maior efetividade à ideia que orienta a nova legislação processual civil, mas garantindo sua realização por profissionais propensos à realização desse exercício.

Por fim, bom mencionar, que o tabelião goza de credibilidade na comunidade em que atua, e o mediador é um sujeito que deve ser escolhido pelas próprias partes, sem qualquer ato de imposição ou de sugestão. Dessa maneira, está no DNA do exercício da atividade notarial a mediação extrajudicial.

Continuem conosco.

Alegria!

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1 C. R. Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, vol. 1, 8a ed., São Paulo, Malheiros, 2016, p. 42.
 
2 F. L. Yarshell, Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 1a ed., São Paulo, Marcial Pons, 2014.

3 CPC/1973: “Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: (…) IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.”

4 C. R. Dinamarco, Instituições cit. (nota 1 supra).

5 CPC/2015: "Art. 175. As disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas por lei específica. Parágrafo único. Os dispositivos desta Seção aplicam-se, no que couber, às câmaras privadas de conciliação e mediação".

6 Art. 6o, Lei n. 8.935.

7 V. F. Kümpel, Peças Fundamentais Notariais e Registrais, 1a ed., São Paulo, YK, 2014, p. 252.

8 V. F. Kümpel, Peças cit. (nota 7 supra), p. 252.

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Colunista

Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.