O Direito Marítimo é o ramo do Direito responsável pela organização jurídica e administrativa de relações advindas das atividades intrínsecas à exploração do transporte marítimo, de cargas e de passageiros. Fez-se absolutamente necessária referida regulamentação, empregada, desde os primórdios desenvolvimentistas das sociedades, pelos fenícios, egípcios, romanos, ou seja, pelas primeiras grandes civilizações, de que se tem registro. Foi imprescindível a regulamentação da mencionada ocupação por essas primevas civilizações, seguidas pelas civilizações posteriores, dado o caráter comercial e expansionista dessa ocupação, que forneceu a base econômica e a estrutura de algumas nações. O exemplo marcante da atividade de navegação foi o desenvolvimento Português advindo do comércio marítimo.
A navegação portuguesa teve seus primeiros registros nos séculos XIV e XV, com as finalidade de buscar, recursos minerais, vegetais, dentre outras riqueza, do continente africano, em função da proximidade geográfica com aquele. Contudo, foi a partir dos séculos XV e XVI que a navegação passou a ser de fato tratada como um empreendimento, com investimentos inclusive da Coroa, tendo em vista a alta rentabilidade. O Comércio em localizações diversas e a exploração para dominação territorial eram atividades absolutamente lucrativas, que compensavam inclusive os riscos do negócio, dado o fracasso de muitas expedições em meio à falta de tecnologia – desenvolvida gradativamente – e do desconhecimento geográfico-temporal1.
Não à toa houve, portanto, desenvolvimento do aparato marítimo, tanto no âmbito do ordenamento jurídico como no campo tecnológico, realizado pelos portugueses.
Dentre as conquistas portuguesas, destaca-se a chegada da frota portuguesa ao Brasil em 1500. Comandada por Pedro Álvares Cabral as naus portuguesas, supostamente, desviaram-se de sua rota, que era a de alcançar as Índias, para aquisição de especiarias, este comércio permitia a Portugal apresentar um destacado poder econômico, no cenário mundial. O "desvio", designando de modo ingênuo esse deslocamento das naus, fora programado pela Coroa como forma de garantir a ocupação da já conhecida América do Sul frente as outras nações que seguiam o promissor caminho marítimo português, a exemplo da espanhola2.
Assim, Portugal iniciava seu domínio sobre o Brasil, cuja colonização de fato teria seu começo em 1534, com a divisão, do território brasileiro em doze capitanias hereditárias, por D. João III. Natural, portanto, que o Direito Marítimo tivesse por origem basilar a legislação portuguesa. E exatamente assim ocorreu, sendo consubstanciado, por muitos anos, o ordenamento jurídico oriundo das Ordenações do Reino de Portugal, tais como as Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, respectivamente, dos Reis de Portugal. O período colonial brasileiro, durante bastante tempo, foi regido pelas Ordenações Filipinas. Foi assim até 1822, ano em que houve a proclamação da independência brasileira do jugo português. Os setores do citado código permaneceriam em vigor até que as leis nacionais os substituíssem. Permaneceram vigentes até a alteração de alguns dispositivos: pela outorga da Constituição Imperial de 1824, pelos Códigos Criminal e de Processo, de 1830 e 1832, e finalmente pelo Código Comercial de 1850. A regulação brasileira de fato viria a ocorrer com a promulgação da lei 556, de 25 de junho de 1850, em que o principal ordenamento jurídico regulador da atividade marítima, o Código Comercial, vigoraria. Compreender sua relevância para o Direito Marítimo – inclusive na atualidade – basta examinar-se a Segunda Parte do mesmo que fora destinada integralmente ao comércio marítimo, sendo mantida pelo Código Civil de 2002, no seu artigo 2.045, conjuntamente com a grande parte da legislação marítima brasileira que é composta por leis esparsas.
Atualmente, permanece a regulamentação proveniente do Código Comercial Brasileiro de 1850, que fora mantido pelo Código Civil de 2002, em especial nos artigos 457 a 7963.
Contudo, a legislação destinada ao comércio marítimo necessitava de fiscalização. A mera ocupação territorial sujeitava-se a invasões e, devido à extensão do território brasileiro, com larga faixa de mar territorial no Oceano Atlântico, do extremo norte ao sul, houve a necessidade dos chamados Órgãos de Controle.
Em 1813, D. João VI, o Príncipe Regente, criou as Divisões Navais nas costas do Brasil, de onde surgiu uma ideia efetiva da criação das Capitanias dos Portos, inspirada na atuação dos Arsenais da Marinha e Administrações Navais, cuja função era de defesa em casos de ataques e guerras. Assim, por meio do Decreto de número 358, de 14 de agosto de 1845, foi criada a Capitania do Porto pelo Governo Imperial. Todas as Capitanias que possuíssem portos teriam uma Capitania do Porto, tendo por escopo não somente a defesa militar, mas também a regulação do crescente movimento das embarcações nos portos marítimos e fluviais, auxiliando os portos e a circulação dos bens neles existentes. Foram diversos os Decretos regulando as Capitanias, sua localização, denominação e até sujeição a outros órgãos, atingindo apenas em 1934 o que é hoje, uma seção da Marinha formada por pequenas guarnições fiscalizadoras de rios, lagoas, lagos e costas. Dentre as atribuições das mesmas, há o lavramento de autos de infrações e apreensões por meio da emissão regular de "avisos à navegação", informações locais sobre a segurança da navegação. Além disso, supervisão de operações de ajudas à navegação dentro do porto, coordenação de operações de busca e salvamento, inspeção das embarcações e, eventualmente, supervisão do serviço de pilotagem do porto, funções essas realizadas pelo Capitão do Porto – Oficial da Marinha, contando com experiência náutica, representante da guarda costeira, que tem poder de polícia. Importante salientar serem seus agentes, responsáveis, por exemplo, por inquéritos de determinadas ocorrências4.
Há ainda atividades como: cadastro de embarcações, transferências de jurisdição de embarcações, emissão de segunda via de documentos de embarcações, venda de publicações náuticas (cartas náuticas, tábua de marés, por exemplo), habilitação de navegantes (amadores e aquaviários), licenciamento de obras (sob, sobre e as margens das águas), avaliação de segurança para realização de eventos náuticos, avaliação de segurança para realização de mergulho, vistorias e inspeções em embarcações, busca e salvamento, despacho de embarcações e manutenção e fiscalização da sinalização náutica.
Além das Capitanias, foi criado o Tribunal Marítimo, órgão cujas competências o tornam único. Até a edição do Decreto no 22.900, de 6 de julho de 1933, os Tribunais Marítimos estavam sob a jurisdição da Marinha Mercante5. No ano de 1954 foi editada a lei 2.180, abarcando toda a matéria acerca do Tribunal Marítimo, que ainda vigora, embora já tenha recebido algumas alterações6. Assim, o Tribunal Marítimo é por lei órgão autônomo, com jurisdição em todo o território nacional, tendo como principais atribuições: julgar os acidentes e os fatos relativos às navegações marítima, fluvial e lacustre, contudo dotado apenas de caráter administrativo posto que suas decisões são pareceres técnicos, sujeitos à revisão jurisdicional, sem a possibilidade de ser vinculada à decisão do magistrado. Outra função absolutamente importante é a de manter o registro da propriedade marítima, especificamente das embarcações com arqueação bruta superior a cem toneladas.
Por fim, tem-se a Autoridade Marítima, autoridade exercida pelo Ministério da Marinha7, tendo por incumbência promover a implementação e execução de toda segurança de navegação, nas águas de jurisdição nacional. O objetivo da Autoridade Marítima é salvaguardar a vida humana e garantir a segurança da navegação nas áreas já mencionadas, bem como evitar quaisquer tipos de poluição ambiental, por parte das embarcações, das plataformas, bem como das instalações de apoio, por meio da inspeção naval e vistorias, podendo inspecionar até mesmo embarcações estrangeiras, dotada de autoridade para tomar todas as medidas necessárias à prevenção do dano ambiental, à tripulação e à segurança do tráfego aquaviário, inclusive por meio de sanções.
Compete à mesma, ainda, normatizar e regulamentar o serviço de praticagem, determinar a tripulação de segurança e os equipamentos, estabelecer limites da navegação anterior, dotação mínima de equipamentos e definir áreas para refúgios provisórios.
Os órgãos de controle do Direito Marítimo estão intrinsecamente ligados à atividade de navegação. Desde os primórdios a regulamentação da atividade e da fiscalização, por meio dos órgãos de controle, foi imprescindível para o sucesso e continuidade das mesmas até os dias atuais. São diversas as funções atribuídas aos mesmos, regulando e fornecendo auxílio a esse vasto e imprescindível ramo do Direito, cuja história e desenvolvimento seguem permeando e fomentando diversas áreas, como a econômica, importantíssima ao país.
É bom observar que todos esses órgãos do Direito Marítimo, a saber, o Tribunal Marítimo, a Capitania dos Portos e a Autoridade Marítima não excluem as atribuições do Tabelionato e do Ofício de Registro dos Contratos Marítimos. Observe-se que o Tribunal Marítimo mantém o registro geral da propriedade naval, enquanto o Tabelionato e o Ofício de Registro de Contratos Marítimos têm por objetivo escriturar e assentar os contratos ligados ao Direito Marítimo, cuja operabilidade será analisada em artigo próximo. Até lá!
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2ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p.69. O autor não se refere à tradução alemã que ganhou vida em 1565, pp. 139.
3O Título IX – Do naufrágio e salvados – arts. 731 a 739, foi revogado pela lei 7.542, de 26 de setembro de 1986.
4BRASIL, decreto 24.288 de 1934
5Conforme regulação até referido Decreto, o Tribunal Marítimo era tratado por meio do Decreto 20829/31, "Art.5º Os Tribunais Marítimos Administrativos, que ora ficam criados pelo presente decreto sob a jurisdição do Ministério da Marinha, terão a organização e atribuições determinadas no regulamento a ser expedido para a Diretoria de Marinha Mercante".
6BRASIL, lei 2.180, de 5 de fevereiro de 1954.
7BRASIL, artigo 39, lei 9.537 de 11 de dezembro de 1997