Em 29 de novembro de 2010, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 125 que, dentre seus "considerandos", sedimentou o entendimento de que cabe ao Poder Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.
Confirmou, ainda, o sentimento, que há muito tempo tem acalentado magistrados e jurisdicionados, de que conciliação e mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina, em programas já implementados no país, tem reduzido: a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças.
Nessa linha de pensamento, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, representada pelo Ilustre Desembargador Renato Nalini, publicou o provimento 17/2013 que autoriza registradores e notários a praticarem atos de conciliação e mediação em suas serventias.
De acordo com esse Provimento, os notários e registradores (ou seus prepostos expressamente autorizados) poderão realizar mediação e conciliação, devendo realizá-las em sala ou ambiente reservado e discreto, nas Serventias de que são titulares, durante o horário de atendimento ao público, desde que tenham por objeto, apenas direitos patrimoniais disponíveis.
Caracterizada pela prudência redacional de seus Provimentos, a CGJ/SP houve por bem consignar, expressamente, os princípios norteadores da atuação do titular da delegação ou de seu preposto, cujo teor convém transcrever:
"I Confidencialidade – dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese;
II Decisão informada – dever de manter o usuário plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido;
III Competência – dever de possuir qualificação que o habilite à atuação, observada a reciclagem periódica obrigatória para formação continuada;
IV Imparcialidade – dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente;
V Independência e autonomia – dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível;
VI Respeito à ordem pública e às leis vigentes – dever de velar para que eventual acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes;
VII Empoderamento – dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição;
VIII Validação – dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente como serem humanos merecedores de atenção e respeito".
Porém, por silenciar acerca da necessidade das partes estarem representadas por advogados, tal medida ensejou a imediata manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil/SP, que ingressou com Pedido de Providências junto ao Conselho Nacional de Justiça (procedimento 0003397-43.2013.2.00.0000), contra tal Provimento, solicitando, inclusive, a sua suspensão liminar.
O pedido de suspensão foi indeferido pelo Conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, que entendeu não estar presente o requisito do periculum in mora.Segundo consignado na decisão que indeferiu o requerimento liminar, a OAB/SP afirmou, em seu Pedido de Providências, que a CGJ/SP teria extrapolado suas funções delegando às serventias extrajudiciais competências que só lhes poderiam ser cometidas por legislação específica, no caso, a lei 6.015/73. Afirmou, ainda, que o referido Provimento, ao olvidar a necessidade de participação de um advogado nas conciliações e mediações de que trata, contraria a tendência manifestada pela redação dada ao § 2º do art. 1.124-A do Código de Processo Civil pela lei 11.965, de 2009, que previu a necessidade de assistência de advogados nos atos relacionados às separações e divórcios consensuais e que ao tratar da Política Judiciária Nacional, por meio da resolução 125, o Conselho Nacional de Justiça também não delegou aos cartórios competência para atuarem nos meios alternativos de resolução de conflitos, não sendo possível que, por meio de um Provimento, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo regulamente o tema, descurando da necessária intervenção de um advogado.
Sem adentrar ao mérito do Pedido de Providências, tampouco discorrer acerca das questões de ordem formal, tal discussão relembrou-me questão semelhante, quando da edição da lei 9.099/95, que também provocou acalorada discussão na comunidade jurídica, culminando na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1539/STF), que em breves linhas, decidiu que: "não é absoluta a assistência compulsória do profissional da advocacia em juízo. Evidentemente que não é o caso de negar-se a importância que tem o advogado no dever constitucional de assegurar aos cidadãos o acesso à jurisdição, promovendo, em sua integralidade, o direito de ação e da ampla defesa"1.
No mesmo julgamento, consignou-se, ainda, que "o dispositivo em causa apenas faculta à parte demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, porém, em momento algum veda a constituição de advogado".
Parece-me, que o recente Provimento também não traz, expressamente, qualquer vedação relativa à assistência de advogado.
A par da discussão gerada pela edição da lei 9.099/95, pode ser lembrada, ainda, a acalorada discussão acerca da constitucionalidade da lei de Arbitragem, nos autos do julgamento do Agravo Regimental na Sentença estrangeira 5.206-7 Reino da Espanha, sendo certo que segundo o entendimento, majoritariamente, adotado não havia a mencionada mácula.
Bem, feita esta breve incursão nos conflitos gerados pela adoção de medidas conciliatórias e desjudicializantes, retomo a controvérsia acerca do provimento 17/2013.
Esclareço, caros leitores, que tal provimento não tem o condão de "impor" aos cidadãos paulistas a obrigatoriedade de submeterem-se à conciliação ou mediação extrajudicial, celebrada pelo Notário ou Registrador, mas sim , oferta ao "futuro jurisdicionado" mais um serviço que visa solucionar, de modo eficiente, ágil e seguro os conflitos relativos a direitos disponíveis, seguindo a tendência de vários países de desjudicializar os conflitos, desafogando a máquina do Poder Judiciário, sem perder de vista o direito das partes à ampla defesa e ao contraditório.
A propósito do tema, ensinou o saudoso José Frederico Marques:
"Assim como o Estado, por estar em foco o direito disponível, deixa que os interessados solucionem, através da transação, suas desinteligências recíprocas, nada há de estranhável que, também, autorize, esses mesmos interessados, a submeterem a resolução do conflito a outras pessoas, em lugar de levarem, através da propositura da ação a juízes e tribunais"2.
Com efeito, não se pode olvidar que caberá aos notários e registradores (que também possuem formação jurídica) atuar de forma autônoma, imparcial e independente, devendo recusar a celebração de qualquer acordo que viole a ordem pública ou contrarie as leis vigentes.
Daí, porque deposito minha sincera confiança nessa nova empreitada, certo de que as partes terão garantida a imparcial, eficiente e comprometida atuação do Registrador ou Notário, na celebração de acordos exequíveis e, sobretudo, subordinados aos estritos limites do permissivo legal.
Importa consignar, ainda, que a parte contrária não estará obrigada a atender a convocação do Notário ou Registrador, tampouco estará obrigada a celebrar qualquer acordo, ante o princípio da autonomia da vontade privada.
Destarte, o recente provimento representa o interesse comum da população brasileira, na busca da rápida, eficaz e dinâmica realização do direito, no qual a solução do conflito deve se dar de forma imediata, garantindo-se o prestigio aos princípios da efetividade e da celeridade da pacificação social.
Por tais motivos, não obstante as discussões já existentes acerca do prov. 17/2013 e as que ainda estarão por vir, reputo que a medida adotada vai ao encontro da tendência desjudicializadora da resolução de certos conflitos (desde que se refiram a direitos disponíveis) e poderá contribuir sobremaneira para uma substancial redução do volume de processos, que sobrecarrega o Poder Judiciário, liberando o magistrado para se ocupar das questões que, efetivamente, justifiquem sua atuação, permitindo aos interessados a rápida e eficaz solução.
Encerro este meu artigo, louvando a nobre atuação dos advogados paulistas, profissionais altamente comprometidos com seu ofício e, que, tal qual disposto no artigo 131 da Constituição Federal, são indispensáveis à prestação jurisdicional, porém não posso silenciar-me diante da acalorada discussão gerada em torno do Provimento 17/2013 e engrossar as filas daqueles que a apoiam, posto representar um extraordinário avanço na busca de uma Justiça mais célere e eficaz.
Convido nosso amigo leitor a permanecer conosco, acompanhando nossos artigos, e antecipo que o próximo tema tratará da averbação premonitória, essa importante ferramenta que confere maior celeridade e agilidade ao processo executivo.
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1ADI 1.539
2José Frederico Marques in "Instituições de Direito Processual Civil", vol. V, Ed. Forense, Rio de Janeiro.