Reforma do Código Civil

Identidade digital no Brasil: segurança e desenvolvimento

A implementação da identidade digital no Brasil, cunhada no anteprojeto de Código Civil promete revolucionar o acesso a serviços públicos e privados, fortalecer a proteção de dados pessoais e promover uma economia mais eficiente e competitiva.

25/6/2024

Transformação digital

A implementação da identidade digital no Brasil, cunhada no anteprojeto de Código Civil e inspirada nas diretrizes dos Regulamentos (UE) 2014/910 e 2024/1183, promete revolucionar o acesso a serviços públicos e privados, fortalecer a proteção de dados pessoais e promover uma economia mais eficiente e competitiva.

A identidade digital consiste em uma identificação eletrônica pública, confiável, voluntária e controlada pelo usuário, reconhecida nacionalmente. Diferente do sistema de documentos digitalizados da nova carteira de identidade (DNI) disponibilizada atualmente, este permitirá que os brasileiros utilizem uma única identidade digital, desenvolvida especificamente para o ambiente virtual, para se identificarem de forma segura e protegida.

Segurança e privacidade

Este documento oferecerá aos cidadãos controle sobre seus dados pessoais, garantindo que possam decidir como serão utilizados e com quem serão compartilhados. Utilizando tecnologias avançadas de criptografia e em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a identidade digital deverá garantir a proteção dos dados contra acessos não autorizados, cibersegurança e cibercriminalidade, incluindo violações de dados e usurpação de identidade.

Além disso, a identidade digital permitirá que os cidadãos acessem uma ampla gama de serviços de forma segura e eficiente. Isso inclui serviços públicos, como saúde e previdência, e serviços privados, como abertura de contas bancárias e acesso a plataformas digitais. A harmonização da identificação eletrônica reduzirá os riscos e custos associados à fragmentação atual, promovendo um ambiente virtual mais integrado e eficiente.

Facilitação do acesso a serviços

Com o princípio "uma só vez", os cidadãos poderão fornecer seus dados pessoais uma única vez, reutilizando-os para diversas finalidades, o que reduzirá significativamente a burocracia e os custos operacionais. A identidade digital também apoiará a mobilidade dos cidadãos, permitindo que se identifiquem de forma autenticada em qualquer lugar, promovendo a inclusão digital.

Essa abordagem não apenas protegerá os direitos dos cidadãos, mas também promoverá a transparência e a confiança no sistema digital. A legislação específica deverá garantir que a identidade digital seja desenvolvida com um alto nível de segurança desde a concepção, assegurando que apenas os dados necessários sejam compartilhados e que os usuários possam rastrear todas as suas transações digitais.

Inclusão digital e blockchain

A identidade digital pode ser um grande facilitador de inclusão digital, permitindo que todos os cidadãos tenham acesso a serviços digitais de maneira segura e eficiente. A centralização de dados pessoais facilitará a verificação e a autenticação, reduzindo a necessidade de múltiplos documentos físicos. O uso de blockchain proporcionará uma camada adicional de segurança, garantindo que os dados armazenados sejam imutáveis e protegidos contra fraudes. Além disso, os cidadãos terão maior controle sobre seus dados pessoais, gerenciando permissões de acesso de maneira granular.

Desafios técnicos e legais

Atualmente, vivenciamos uma transformação digital liderada pelo GOV.BR com a autenticação digital única na esfera pública federal, mas o uso de uma identificação abrangente, criptografada e integrada poderá de fato mudar o jogo no país.

Integrar sistemas de identidade digital entre diferentes órgãos governamentais e setores privados é um desafio técnico e legal significativo. Além de um marco regulatório bem desenvolvido, são necessárias a ampliação acesso à internet, a padronização e a criação de protocolos de interoperabilidade para garantir a eficiência do sistema. Apesar dos benefícios do uso de blockchain, a identidade digital ainda estaria sujeita a ameaças cibernéticas. O Brasil precisa adotar uma robusta estratégia de segurança para proteger esses sistemas contra ataques.

A identidade digital deverá ser capaz de integrar-se com outras informações e documentos já existentes, como a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e identidades profissionais, facilitando o acesso a diversos serviços públicos e privados. A unificação de documentos em uma única plataforma digital simplificará processos e reduzirá a burocracia.

Tecnologias como biometria e autenticação multifatorial são fundamentais para garantir um alto grau de confiança na verificação de identidades digitais. Além disso, a implementação de contratos inteligentes no blockchain pode automatizar processos e garantir a conformidade com as regulamentações.

Todavia, os sistemas de identidade digital precisam ser flexíveis para acompanhar as mudanças tecnológicas e as necessidades dos cidadãos. Isso exige um investimento contínuo em pesquisa e desenvolvimento, além de aprimoramento tecnológico constante.

Aspectos econômicos e financeiros

As iniciativas de identidade digital têm o potencial de impulsionar o comércio eletrônico, a inovação tecnológica e o crescimento econômico. A atual separação dos bancos de dados entre diferentes órgãos governamentais e setores privados no Brasil é um obstáculo à implementação de um sistema unificado de identidade digital. A criação de um framework legal e técnico que permita a interoperabilidade desses sistemas é crucial para o sucesso do projeto.

Investimentos significativos em infraestrutura de tecnologia da informação são necessários para suportar uma plataforma de identidade digital robusta e segura. Isso inclui a expansão da internet de alta velocidade e a criação de centros de dados seguros. É crucial implementar programas de educação digital para garantir que todos os cidadãos possam utilizar e confiar nos serviços digitais. A criação de uma plataforma interoperável exige colaboração entre diferentes níveis de governo e o setor privado.

Ao contrário das identidades tradicionais digitalizadas, que dependem de sistemas centralizados e muitas vezes vulneráveis, a proposta contida no anteprojeto de Código Civil trata de uma solução descentralizada, com dados controlados diretamente pelos cidadãos, que não possam ser alterados ou manipulados sem consentimento.

O Open Finance, ou seja, a capacidade dos consumidores compartilharem suas informações financeiras com terceiros de forma segura e controlada utilizando interfaces de programação de aplicativos (APIs), integrada ao sistema proposto, pode ampliar significativamente suas capacidades e benefícios.

Integrar a identidade digital com o DREX e o Open Finance permitirá que os cidadãos tenham um controle ainda maior sobre seus dados financeiros e facilitará processos como empréstimos, financiamentos e gestão de patrimônio.

A abordagem apresentada no anteprojeto de Código Civil, portanto, não apenas moderniza a identificação pessoal, mas também facilita transações econômicas e administrativas de maneira integrada e eficiente, além de promover o desenvolvimento tecnológico sustentável da economia brasileira.

Normas internacionais e integração

A integração com blocos econômicos como Mercosul, BRICS e União Europeia pode ampliar benefícios, facilitar transações internacionais e fortalecer a posição do Brasil na economia global.

Para isso, é conveniente que o país esteja alinhado às regulamentações internacionais relevantes para a gestão de identidades digitais, como as normas ISO/IEC para segurança da informação. A integração de protocolos com o Mercosul, os BRICS e a União Europeia garantiria a validade e a interoperabilidade das identidades digitais em uma escala multinacional.

Caso a legislação específica promova a interoperabilidade com outros sistemas, cidadãos brasileiros poderão acessar serviços públicos e privados no Mercosul, BRICS e Europa de forma mais fluida e segura, e vice-versa. A adoção de padrões europeus de identidade digital fortaleceria a confiança nos sistemas brasileiros, promovendo o reconhecimento e a aceitação internacional das identidades digitais emitidas no Brasil. Empresas brasileiras poderiam se beneficiar de processos de autenticação e verificação de identidade mais rápidos e confiáveis ao fazer negócios com parceiros europeus, promovendo maior integração econômica. A colaboração com a União Europeia permitiria a transferência de tecnologias avançadas e melhores práticas em cibersegurança e proteção de dados, fortalecendo a infraestrutura digital do Brasil.

Pioneirismo estoniano

A jornada da Estônia em direção a uma sociedade digital começou na década de 1990, após a independência do país e tem sido marcada por uma série de inovações tecnológicas e políticas que transformaram a maneira como os cidadãos interagem com o governo e os serviços públicos.

Iniciativas digitais da Estônia:

Tais iniciativas representam: 

A Estônia é amplamente reconhecida como um pioneiro global no uso de identidade digital, servindo como um exemplo inspirador para países que buscam modernizar seus sistemas de identificação e governança digital. Embora represente um modelo valioso, a implementação de uma identidade digital semelhante no Brasil enfrenta desafios únicos devido às suas dimensões geográficas, diversidade populacional, infraestruturas tecnológicas e acessos desiguais entre as regiões do país.

Conclusão

A identidade digital integrada a tecnologias de blockchain e ao DREX representa uma oportunidade significativa para modernizar os serviços públicos e privados, promover a inclusão digital e reforçar a segurança e a privacidade dos dados dos cidadãos brasileiros. No entanto, a implementação bem-sucedida desse projeto depende de uma abordagem cuidadosa e coordenada, que considere os desafios técnicos, legais e sociais envolvidos.

O advento de um marco regulatório claro e detalhado, alinhado com diretrizes internacionais, é essencial para assegurar a implementação eficaz e a evolução contínua da identidade digital no Brasil, proporcionando um ambiente digital mais seguro e eficiente para todos, além de garantir o desenvolvimento econômico.

A existência de um anteprojeto de Código Civil no Brasil que determina a implementação da identidade digital indica que o país está prestes a dar um passo significativo em direção à modernização de seus serviços públicos e privados. A inclusão de medidas robustas de cibersegurança é crucial para proteger indivíduos vulneráveis e garantir a confiança dos cidadãos nos serviços digitais. Com essas inovações e a interoperabilidade com sistemas estrangeiros, o Brasil pode avançar significativamente em sua transformação digital, beneficiando toda a sociedade.

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Colunistas

Flávio Tartuce é pós-doutor e doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador do curso de mestrado e dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Patrono regente da pós-graduação lato sensu em Advocacia do Direito Negocial e Imobiliário da EBRADI. Diretor-Geral da ESA da OABSP. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico. Relator-Geral da proposta da reforma do Código Civil.

Luis Felipe Salomão é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Corregedor Nacional de Justiça. Membro da Corte Especial do STJ. Presidente da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil.

Marco Aurélio Bellizze é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Membro da 3ª Turma. Membro da 2ª Seção. Membro da Comissão de Jurisprudência. Professor da Fundação Getúlio Vargas desde 2021. Coordenador Acadêmico da FGV/Exame de Ordem. Vice-presidente da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil.

Rosa Maria de Andrade Nery é professora associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC/SP. Livre-Docente, doutora e mestre em Direito pela PUC/SP. Árbitra em diversas câmaras de arbitragem do Brasil. Foi Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo por 20 anos e desembargadora do Tribunal de Justiça o Estado de São Paulo por 15 anos. Titular da cadeira de número 60 da Academia Paulista de Direito. Professora do curso de graduação e de pós-graduação em Direito da PUC/SP e professora colaboradora do Centro Universitário Ítalo-Brasileiro. Relatora da proposta da reforma do Código Civil.