Questão de Direito

Imparcialidade do árbitro e dever de revelação

Qual a gravidade da omissão do árbitro quanto ao dever de revelação? Quais as consequências deste descumprimento?

12/12/2023

Qual a gravidade da omissão do árbitro quanto ao dever de revelação? Quais as consequências deste descumprimento? Trata-se, a nosso ver, de problemas que devem ser resolvidos à luz da perspectiva do âmbito de eventual posterior atuação do Judiciário no controle da regularidade da arbitragem. Este controle deve, o tanto quanto possível, ser evitado.

 Hoje em dia, já não mais se discute a respeito da natureza jurídica da arbitragem.  Trata-se de jurisdição. Envolve a atividade exercida pelos árbitros que, uma vez escolhidos pelas partes - por força da autonomia de sua vontade -, julgarão o conflito que lhes foi submetido à apreciação.

Na jurisdição estatal, não se rediscute a decisão de mérito proferida pelos árbitros (art. 18, Lei n. 9.307/1996 - LArb).  Isto é, uma vez que as partes acordaram, livremente, em submeter seu conflito à apreciação de profissionais que consideram  aptos para tanto, e em que têm confiança, não lhes é aberta a possibilidade de rediscutir em juízo  a decisão do árbitro no mérito.

A escolha definitiva dos árbitros se dá com base nas informações que estes devem revelar.  A partir destes dados, as partes podem aferir imparcialidade e independência dos profissionais escolhidos, para o bom e fiel desempenho do múnus para o que foram contratados1. 

 Há um mecanismo criado pela LArb, de que se pode utilizar a parte interessada, com vistas a suscitar, perante o Judiciário, vício formal de que, porventura, tenha padecido o procedimento arbitral (art. 32):  a ação anulatória, em conformidade com o art. 33.

A ação anulatória, frise-se, visa a, única e exclusivamente, apontar vícios formais existentes na arbitragem e/ou na sentença arbitral.

A nosso ver, a ação anulatória - naturalmente, quando cabível nos termos da LArb – ao contrário do que possa parecer à primeira vista, chancela a credibilidade da arbitragem2-3, já que concede ao poder soberano estatal – através do Poder Judiciário - a possibilidade de corrigir vícios formais4 que, porventura, tenham maculado o processo arbitral. 

A ação anulatória é exemplo do importante regime de cooperação que deve haver entre as jurisdições do Estado e arbitral, regime esse sobre cuja existência também não mais se discute5.

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1 Nesse contexto, pode-se verificar a natureza também contratual da arbitragem.  Por isso que costumamos afirmar que a arbitragem tem natureza jurídica mista:  fruto de contratação entre as partes, para o exercício, pelos árbitros, de uma atividade jurisdicional.

2 “O uso da ação anulatória, na medida certa e de forma coerente, acaba por incentivar o uso do instituto da arbitragem”. BELLOCCHI, Márcio. Precedentes Vinculantes e a Aplicação do Direito Brasileiro na Convenção de Arbitragem. São Paulo: Ed. RT, 2017. 

3 No mesmo sentido, Dinamarco: “A admissibilidade da ação anulatória de sentença arbitral, sempre circunscrita a fundamentos de natureza processual (nulidades – LA, arts. 32-33), é um temperamento do sistema de direito positivo à autonomia da arbitragem e constitui um penhor da legitimidade desta perante a ordem constitucional, particularmente a garantia do controle judicial (supra, n. 6). No sistema brasileiro essa sentença é soberana no tocante ao julgamento de mérito, não se devolvendo ao Poder Judiciário qualquer competência para o exame de possíveis errores in judicando, seja no tocante ao exame dos fatos e provas, seja quanto à aplicação ou interpretação do direito material (...)”. DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo Arbitral. Curitiba: Editora Direito Contemporâneo, 2022, p. 265. 

4 “Assim, na ação de invalidação de sentença arbitral, o controle judicial, exercido somente após a sua prolação, está circunscrito a aspectos de ordem formal, a exemplo dos vícios previamente elencados pelo legislador (art. 32 da Lei n. 9.307/1996), em especial aqueles que dizem respeito às garantias constitucionais aplicáveis a todos os processos, que não podem ser afastados pela vontade das partes.”   REsp n. 1.636.102/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.

5 Isso pode ser constatado no texto da LArb, art. 22-C, que trata da carta arbitral, documento emitido pelo árbitro, destinado ao Judiciário, com o objetivo de que seja cumprido o ato do árbitro que necessite do poder de coerção, exclusivo da jurisdição estatal.  Também o Código de Processo Civil prevê essa figura (da carta arbitral), como se nota do inciso IV do art. 237.

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Colunistas

Maria Lúcia Lins Conceição é doutora e mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro do Conselho de Apoio e Pesquisa da Revista de Processo, Thomson Reuters – Revista dos Tribunais. Advogada sócia-fundadora do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados.

Teresa Arruda Alvim é livre-docente, doutora e mestre em Direito pela PUC-SP. Professora Associada nos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado da mesma instituição. Professora Visitante na Universidade de Cambridge – Inglaterra. Professora Visitante na Universidade de Lisboa. Membro nato do Conselho do IBDP. Honorary Executive Secretary General da International Association of Procedural Law. Membro Honorário da Associazione italiana fra gli studiosi del processo civile. Membro da Accademia delle Scienze dell’Istituto di Bologna, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, da International Association of Procedural Law, do Instituto Português de Processo Civil. Membro do Conselho de Assessores Internacionais do Instituto de Derecho Procesal y Practica Forense de la Asociación Argentina de Justicia Constitucional. Coordenadora da Revista de Processo – RePro. Relatora da Comissão de Juristas, designada pelo Senado Federal em 2009, que redigiu o Anteprojeto de Código de Processo Civil. Relatora do Anteprojeto de Lei de Ações de Tutela de Direitos Coletivos e Difusos, elaborado por Comissão nomeada pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2019, (PL 4778/20). Advogada.