No início do mês de abril, a 2ª Turma do STJ afetou o REsp 1.690.138/RS, para que a 1ª Seção consolide seu posicionamento a respeito da "(im)possibilidade de utilização dos Embargos de Declaração para adequação de acórdão a precedente surgido posteriormente ao julgamento".
No caso, a parte opôs Embargos de Declaração contra decisão monocrática que não conheceu seu Agravo Interno em REsp. Para o embargante, o Tema 692 – cuja tese foi adotada pela decisão embargada – estaria prestes a ser revisto pelo STJ, diante do acolhimento da questão de ordem no REsp 1.734.627/SP.
Ao julgar o Tema 692, em 2014, o STJ firmou tese no seguinte sentido: "a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos", acrescente-se: com base na tutela concedida.
Visando à revisão dessa tese, o Min. Og Fernandes suscitou questão de ordem no julgamento do REsp 1.734.627/SP (Pet 12.482/DF), defendendo que a matéria mereceria "um debate mais ampliado e consequencialista", para que "sejam enfrentados todos os pontos relevantes". A 1ª Seção acolheu, por unanimidade, a questão de ordem. A revisão da tese, porém, ainda não ocorreu. Até o momento, houve apenas a "sinalização" de que o posicionamento do STJ pode vir a sofrer alteração.
O que a parte embargante está pretendendo, no Recurso Especial de n. 1.690.138/RS, recentemente afetado, é que seu recurso seja admitido e processado, porque o precedente, com base no qual se deu sua inadmissibilidade, pode vir a ser revisto.
Em nosso entender, a 1ª Seção não selecionou, para fins de afetação, o recurso mais adequado, uma vez que envolve tese em vias de possível revisão, o que leva à outra discussão, que é se saber se a revisão de precedente opera efeitos retroativos. De qualquer sorte, é importante que o STJ se manifeste a respeito da questão, que é de suma relevância, deixando absolutamente claro seu posicionamento sobre o papel dos Embargos de Declaração também como veículo para efetivamente estimular o bom funcionamento do sistema de precedentes.
Os Embargos de Declaração se prestam a sanar omissão, esclarecer obscuridade ou corrigir contradição. Também, por meio deles, a parte pode suscitar questão de ordem pública ou pedir a correção de erro material, hipóteses expressamente previstas no art. 1.022, I, II e III do CPC/15.
O art. 1022, parágrafo único, ainda, dispõe sobre outras duas causas que justificam a interposição de embargos de declaração, que são a omissão quanto à tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento (inc. I), e a inobservância, na fundamentação da decisão, dos parâmetros fixados no art. 489, § 1º (inc. II).
Rigorosamente, a previsão dessas duas causas nem seria necessária, vez que essas hipóteses se encaixam naquelas dos incisos II do art. 1022. O parágrafo único do art. 1022, porém, como tantos outros dispositivos ao longo do CPC/15, enfatiza a preocupação do legislador em assegurar às partes mecanismos para fazer valer os precedentes, bem como o contraditório, enquanto ciência-influência.
Embora o inc. I, do parágrafo único, do art. 1022 refira-se à tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência, em nosso entender, por meio de Embargos de Declaração, o julgador poderá ser provocado a se pronunciar também sobre tese fixada em Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, IRDR, orientação do plenário ou do órgão especial, bem como no caso de haver declaração de inconstitucionalidade pelo STF.
Segundo pensamos, os Embargos de Declaração são meio adequado para provocar a manifestação do julgador sobre precedente firmado tanto antes de proferida a decisão embargada, quanto posteriormente – desde, é claro, que não tenha havido modulação de efeitos.
Embora se trate de situação não tão frequente, a parte pode suscitar, por meio dos Embargos de Declaração, precedentes firmados logo após proferida a decisão embargada, mas antes de esgotado o prazo de 5 dias para interposição do recurso.
Mas não é só! Percebe-se, à luz da jurisprudência do STJ, tendência de se admitir, para o fim de adequação do julgamento da matéria ao que restou pacificado pela Corte no âmbito dos recursos repetitivos -mas não só-, que a parte peça a manifestação do órgão judicial a respeito da orientação jurisprudencial que veio a se firmar após já opostos os Embargos de Declaração.
Ou seja, mesmo em casos em que os Embargos de Declaração foram opostos antes da formação do precedente, o STJ, ao julgar o recurso, tem "aplicado" a tese firmada. Há vários acórdãos, nesse sentido, em recursos, por exemplo, em que a discussão dizia respeito à comprovação do feriado de 2ª feira de carnaval, ou à desaposentação, tema este cuja consolidação se deu pelo STF, em julgamento de questão com repercussão geral.1
Mesmo antes do CPC/15, o STJ já vinha entendendo dessa maneira. Esta seria, por assim dizer, uma função atípica dos Embargos de Declaração, que poderia inclusive levar à produção de efeitos infringentes ao recurso, plenamente justificável e elogiável, pois ao encontro da então já existente preocupação em dar tratamento uniforme aos casos idênticos, privilegiando a segurança jurídica e a igualdade.
Com o atual CPC, a hipótese passa a ser expressamente prevista em lei, embora, em nosso entender já estivesse compreendida na hipótese tradicional de suprir omissão sobre ponto ou questão a respeito do qual devia o juiz se pronunciar de ofício ou a requerimento.
Por certo, ainda que sem provocação da parte, cabe ao órgão julgador ter ciência e se manifestar de ofício sobre a existência de tese que tenha tratado da questão de direito envolvida no recurso de que se originam os embargos de declaração.
A medida se mostra ainda mais relevante porque, de certa forma e em algum grau, minimiza a repercussão negativa de outro posicionamento que vem sendo adotado pelo STJ – este, a nosso ver, absolutamente inaceitável – de não admitir Ação Rescisória para fins de desconstituir decisão de mérito transitada em julgado, proferida em sentido diverso daquele que, posteriormente, veio a se consolidar por meio de precedente (sem modulação de efeitos).
De acordo com o STJ, o ajuizamento da ação rescisória somente se justifica quando, na data em que o acórdão rescindendo foi proferido, a jurisprudência já estivesse consolidada em sentido diverso. Se a consolidação ocorrer após proferida a decisão que se pretende desconstituir, a ação rescisória não tem sido admitida, com base na Súmula 343 do STF.
Se a pacificação da jurisprudência operada após proferido o acórdão rescindendo não autoriza à parte lançar mão de ação rescisória (entendimento esse que, salvo a hipótese de ter havido modulação, como o máximo respeito, não se justifica), não podem os Tribunais Superiores se negar a, ainda em curso o processo, no bojo de Embargos de Declaração, fazer valer o entendimento pacificado pela Corte. Se assim não for, estará havendo denegação da tutela jurisdicional e esvaziamento do propósito que inspirou o CPC/2015, de prestigiar a uniformização da jurisprudência por meio de um sistema de precedentes.
Espera-se, por tais razões brevemente expostas, que no REsp 1.690.138/RS, afetado para julgamento sob o rito repetitivo, o STJ consolide seu posicionamento a respeito da "possibilidade de utilização dos Embargos de Declaração para adequação de acórdão a precedente surgido posteriormente ao julgamento".
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1 Vejam-se os seguintes julgados, desde 2017: "Excepcionalmente, o Superior Tribunal de Justic¸a admite a atribuic¸a~o de efeitos infringentes aos embargos de declarac¸a~o, a fim de que o aco'rda~o embargado seja adequado ao decidido em sede de recursos extraordina'rio ou especial submetidos, respectivamente, aos regimes dos arts. 543-B e 543-C do CPC, situac¸a~o que se amolda ao caso dos autos" (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1343320/PR, 1ª T., j. 07.12.2017, rel. Min. Benedito Gonc¸alves, DJe 14.12.2017); "Excepcionalmente, o Superior Tribunal de Justiça admite a atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração, a fim de que o acórdão embargado seja adequado ao decidido em sede de recursos extraordinário ou especial submetidos, respectivamente, aos regimes dos arts. 543-B e 543-C do CPC/1973, situação que se amolda ao caso dos autos. III - No julgamento do RE n. 661.256/SC, o Supremo Tribunal Federal fixou tese nos seguintes termos: "No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à 'desaposentação', sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da lei 8.213/1991" . IV - Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar provimento ao recurso especial do INSS". (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 521.789/RN, rel. Min. Francisco Falcão, 2ª T., j. 06/03/2018, DJe 12/03/2018); "Com efeito, a Corte Especial do STJ, recentemente, ‘decidiu que a regra da impossibilidade de comprovação da tempestividade, posteriormente à interposição do recurso, não deveria ser aplicada no caso em que se trate de feriado de carnaval. O entendimento foi fixado no REsp n. 1.813.684/SP e, posteriormente, ratificado no julgamento da Questão de Ordem no mesmo recurso, quando se entendeu que a mesma interpretação não poderia ser estendida para outros feriados, que não fossem o feriado de carnaval’ (AgInt no AREsp 1.513.078/RN, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10/3/2020, DJe 23/3/2020). Logo, por considerar o Carnaval feriado nacional notório, vislumbro a necessidade de reconsideração das decisões anteriormente proferidas para concluir pela tempestividade do agravo em recurso especial. Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, com efeitos modificativos, para cassar a decisão monocrática de fls. 219-220 (e-STJ) e o acórdão do agravo interno de fls. 250-255 (e-STJ), devendo os autos retornarem, posteriormente, conclusos a este signatário para oportuna apreciação do agravo em recurso especial”. (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1324506/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. 04/05/2020, DJe 08/05/2020). No mesmo sentido, mais recentemente: (STJ, EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1423508/PE, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., j. 29/04/2020, DJe 07/05/2020); (STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1500425/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 24/08/2020, DJe 27/08/2020).