Guilherme Pupe da Nóbrega
Seguindo na investigação a respeito dos pontos em que o Código de Processo Civil de 2015 rechaçou entendimentos jurisprudenciais consolidados, nos voltaremos, hoje, para o tema dos honorários advocatícios sucumbenciais, de especial destaque no novo Codex mercê da profusão de inovações por ele trazidas.
Dentre as mudanças mais relevantes, merece registro, à partida, o alinhamento do CPC/2015 com o Estatuto da OAB (lei 8.906/94) no que toca ao direito do advogado aos honorários sucumbenciais.
É que embora o artigo 23 do mencionado Estatuto já deixasse estreme de dúvidas pertencerem os honorários ao advogado, a redação do caput do artigo 20 do CPC/1973 (“A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”) dava alguma margem para o raciocínio de que a verba devida em razão de revés em feito judicial seria devida à parte — ao vencedor —, não ao seu patrono.
No CPC/15, a correção é feita logo no caput do artigo 85 (“A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”), repisada a titularidade do direito aos honorários no parágrafo § 14 daquele mesmo dispositivo (“Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”).
Essa ênfase dada pelo CPC/15 à titularidade do direito aos honorários findou por culminar na primeira superação jurisprudencial explorada neste texto: muito bem definido pertencerem os honorários ao advogado, não haveria falar em possibilidade de compensação em razão de sucumbência recíproca pelo simples fato de que aquela pressupõe, na forma do artigo 368 do CC, credores e devedores recíprocos. Sendo credores os advogados e devedoras as partes, inviável a compensação.
Não fosse esse silogismo suficiente, o § 14 do artigo 85, antes transcrito, previu expressamente, como visto, a impossibilidade de compensação, esvaziando de vez a súmula 306/STJ (“Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”).
Indo adiante nas mudanças, por força do novo Código passam a ser devidos honorários sucumbenciais por faixa recursal (artigo 85, §§ 2º e 11). É objetivado, ademais, o arbitramento daquela verba nos feitos em que seja parte a Fazenda Pública (artigo 85, § 3º), eliminando-se espaço de subjetividade que por vezes redundava em honorários aviltantes. Além disso, passa a haver a previsão expressa de que o direito aos honorários sucumbenciais é igualmente titularizado pelos advogados públicos (artigo 85, § 19).
Outro dispositivo, digno de elogio, é o § 7º do artigo 85, que houve por muito bem em condensar, com boa técnica legislativa, a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal e pela doutrina ao artigo 1º-D da lei 9.494/97, dispositivo esse vazado nestes termos: “Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.”
Mais bem explicando, no RExt 420.186, o STF adotou interpretação conforme a Constituição para declarar a constitucionalidade do artigo 1º-D da lei 9.494/97, afastando, contudo, a isenção de honorários da Fazenda Pública em execução não embargada em que se perseguisse débito definido em lei como pequeno valor.1
O raciocínio é o de que o artigo 1º-D da 9.494/97 se justificaria em razão da ausência de causalidade. A Fazenda Pública, por força do regime constitucional de precatórios, não teria a opção de efetuar, sponte sua, o pagamento de crédito contra ela imposto por decisão judicial transitada em julgado. É dizer, a execução era passo necessário, e eventual causalidade a atrair honorários sucumbenciais somente nasceria supervenientemente em virtual oposição de embargos à execução, no bojo dos quais a verba haveria de ser fixada.
Diversamente, créditos definidos como de pequeno valor foram postos a salvo do regime de precatórios, na forma do artigo 100, § 3º, da Constituição — com redação inicialmente dada pela EC 20/98 e posteriormente alterada pela EC 62/09 —, e poderiam ser pagos espontaneamente, de sorte que a cobrança forçada pelo exequente derivaria de resistência injustificada da Fazenda, fazendo-se presente a causalidade ensejadora de honorários, independentemente do aviamento de embargos.
A doutrina, bebendo na fonte do raciocínio antes desenvolvido, foi ainda mais além, também afastando a norma inserta no artigo 1º-D da lei 9.494/97 das execuções de obrigação de pagar contra a Fazenda Pública que se fundassem em título extrajudicial. Os fundamentos são trazidos pelo excelente Leonardo Carneiro da Cunha:
Diversamente, quando há um título executivo extrajudicial que imponha ao Poder Público o pagamento de quantia certa, já há previsão orçamentária e rubrica específica para pagamento. Em outras palavras, ao firmar o contrato ou subscrever o documento que se encaixa na previsão contida no art. 585 do CPC, a Fazenda Pública já assumiu a dívida. Se não paga no prazo ajustado, está a dar causa ao ajuizamento da execução.
Em razão da causalidade, haverá honorários na execução fundada em título extrajudicial, ainda que não embargada e mesmo que seja necessária a expedição do precatório. Não se aplica, portanto, o disposto no art. 1º-D da lei 9.494/97 nas execuções fundadas em título extrajudicial que não sejam embargadas.2
Como se depreende do excerto acima, também na hipótese de execução de obrigação de pagar quanta certa calçada em título extrajudicial, que depende, para sua adesão pela Fazenda, de prévia previsão/disponibilidade de recursos, se faria presente a causalidade ensejadora de condenação em honorários sucumbenciais independentemente de embargos, eis que, possível o pagamento espontâneo, os ônus oriundos da necessidade de se ajuizar a execução hão de recair sobre a Fazenda.
Todo esse raciocínio, como adiantado, foi muito bem resumido pelo CPC/15 em norma simples, singela, constante do artigo 85, § 7: “Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.”3
Quando fala em “cumprimento de sentença”, o dispositivo naturalmente afasta a execução, autônoma, fundada em título extrajudicial; quando fala em “que enseje expedição de precatório”, é rechaçado o crédito de pequeno valor. Assim, o artigo 20, § 4º, do CPC/73, que já havia sido parcialmente derrogado pelo artigo 1º-D da lei 9.494/97 — com todas essas ressalvas apontadas pelo STF e pela doutrina —, deu lugar ao § 7º do artigo 85 no CPC/15, norma autossuficiente.
Retomando as inovações, concernentes aos honorários advocatícios, que confrontaram entendimentos sedimentados no seio do STJ, há dissonância que deflui do contraste entre a súmula 453 do STJ (“Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”) e o § 18 do artigo 85 (“Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança”).
Analisados os julgados que culminaram na edição daquele enunciado, a justificativa para a impossibilidade de cobrança de honorários, quando omissa a esse respeito a decisão judicial, se calçava na preclusão máxima operada pela coisa julgada; em outras palavras, sendo os honorários sucumbenciais “pedido implícito” ou “efeito anexo da sentença”, silenciando o julgador a esse respeito, a cristalização operada pela coisa julgada afastaria “revisitação” do tema.
Ocorre que não há falar em efeito preclusivo da coisa julgada acerca do que jamais foi objeto de decisão. A sentença citra petita não transita em julgado quanto ao capítulo por ela omitido. A decisão, na parte em que deixou de decidir, não chega nem sequer a existir, não se podendo falar em vedação a reenfrentamento — propósito da coisa julgada material — do que não enfrentado.
Esses fundamentos, curiosamente, já eram sustentados pelo Ministro Luiz Fux — que mais tarde presidiria a Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo CPC — como ressalva de seu entendimento pessoal, embora acompanhasse a jurisprudência da Corte ao relatar julgado submetido ao rito dos recursos repetitivos, pouco antes da edição da Súmula 453:
(...) 5. Ressalva do Relator no sentido de que o acórdão, que não fixou honorários em favor do vencedor, não faz coisa julgada, o que revela a plausibilidade do ajuizamento de ação objetivando à fixação de honorários advocatícios. Isto porque a pretensão à condenação em honorários é dever do juiz e a sentença, no que no que se refere a eles, é sempre constitutiva do direito ao seu recebimento, revestindo-o do caráter de executoriedade, por isso, a não impugnação tempestiva do julgado, que omite a fixação da verba advocatícia ou o critério utilizado quando de sua fixação, não se submete à irreversibilidade decorrente do instituto da coisa julgada.4
Merece registro, ademais, que a norma contida § 18 do artigo 85 é corroborada, em saudável diálogo sistemático, pelo artigo 503 também do CPC/15, que, em contraposição ao artigo 468 do CPC/73, consigna que somente serão atingidas pela coisa julgada “as questões expressamente decididas”, tudo a convergir, como se percebe, para a caducidade da Súmula 453.
Por fim, deve ser enfrentado o entendimento sedimentado pelo STJ sob a dinâmica dos recursos repetitivos por ocasião do julgamento do REsp 1.291.736, no sentido de que “Em execução provisória, descabe o arbitramento de honorários advocatícios em benefício do exequente.”
Em suma, o aresto do STJ se fundou nos argumentos de que em execução provisória, a obrigação exequenda ainda não é definitivamente exigível, sendo ilógica a imposição de seu cumprimento ao executado, que, adimplindo a obrigação, estará a praticar ato incompatível com o recurso por ele manejado e ainda pendente de julgamento. De mais a mais, dependendo o cumprimento provisório de iniciativa do exequente, por conta e risco de quem aquela haverá de tramitar, não haveria falar em causalidade da parte do executado.
O CPC/15, no § 2º do artigo 520, todavia, passa a prever que “A multa e os honorários a que se refere o § 1º do art. 523 são devidos no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa.”
Referida norma positiva a tese doutrinária5 que, em contraposição à conclusão alcançada pelo STJ no REsp 1.291.736, se dá no sentido de que a obrigação objeto de cumprimento provisório tanto é exigível que é executável, exigibilidade essa não desmerecida pela provisoriedade — revertida a exigibilidade em cognição exauriente, os ônus sucumbenciais seguirão a mesma sorte.
Assim, exigível a obrigação, o descumprimento pelo executado impõe a esse os ônus da instauração da execução, não havendo falar que a causalidade resida na iniciativa do exequente — toda ação, em última análise, deriva da opção da parte pelo exercício daquele direito —, mas, antes, na resistência injustificada do executado.
Como visto, foram muitas as mudanças importantes relacionadas aos honorários no CPC/15, ganhando especial destaque, aqui, a superação das súmulas 306 e 453, ambas do STJ, e do que decidido no REsp 1.291.736, por essa mesma Corte, sob o rito dos recursos repetitivos. Voltamos em breve com o próximo texto da séria voltada à análise da superação jurisprudencial pelo CPC/15. Até!
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A primeira parte da série de textos sobre o overruling ope legis pode ser acessada aqui.
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1 “(...) IV. Fazenda Pública: execução não embargada: honorários de advogado: constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal, com interpretação conforme ao art. 1º-D da L. 9.494/97, na redação que lhe foi dada pela MPr 2.180-35/2001, de modo a reduzir-lhe a aplicação à hipótese de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (C. Pr. Civil, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidos em lei como de pequeno valor (CF/88, art. 100, § 3º).” RE 420816, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2004, DJ 10-12-2006 PP-00050 EMENT VOL-02255-04 PP-00722.
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3 Quiçá o único reparo que pudesse ser feito no parágrafo fosse para nele incluir o que disposto na Súmula 345/STJ (“São devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não embargadas”), que, inobstante a omissão, remanesce válida aplicável.
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5 Nesse sentido: TALAMINI, Eduardo. Execução provisória e honorários. In: ALVIM, Arruda et. al. (Coord.). Execução e temas afins. Do CPC/1973 ao Novo CPC. Estudos em homenagem a Araken de Assis. São Paulo: RT, 2014, p. 252-277; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et. al. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 862.
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