Processo e Procedimento

Regência do recurso extraordinário: do decreto 510/1890 ao CPC/15

Regência do recurso extraordinário: do decreto 510/1890 ao CPC/15.

13/10/2015

Jorge Amaury Maia Nunes

A história do nosso recurso extraordinário está umbilicalmente ligada à história da instituição da República e da Federação no Brasil. Deveras, ao copiarmos o modelo adotado pelos Estados Unidos da América do Norte (e que já havia sido também adotado pela nossa vizinha Argentina), trouxemos a ideia de uma Corte Federal, destinada à preservação da Federação e da aplicação uniforme da lei federal em todo o território nacional.

Nos Estados Unidos da América, a competência recursal da Suprema Corte era provocada, originalmente, por meio da appellate jurisdiction, relativamente a certas causas que tivessem sido julgadas pelos órgãos jurisdicionais de estatura inferior no âmbito da União. No entanto, com o judiciary act de 1789, atribuiu-se-lhe competência para rever as decisões (de última instância) dos tribunais de justiça dos Estados, por meio do writ of error (que foi, após, rebatizado de appeal pelo Judiciary act de 1925), quando o tema estivesse vinculado à constitucionalidade das leis, à legitimidade das normas estaduais, aos títulos, direitos, privilégios e isenções que tivessem pertinência com a Constituição e com os tratados e leis da União.

Além dessa possibilidade de revisão por meio do writ of error, cogitava-se, também, da utilização do certiorari, sendo certo, porém, que, nessa hipótese, a Corte poderia ou não, em exercício puramente discricionário (o que não acontecia em relação ao instituto anterior), examinar a súplica formulada. Esse último instituto acabou por prevalecer, sendo, hoje, reconhecido, o claro poder da Corte de rever ou não quaisquer processos em grau de apelo extremo, com arrimo no exercício do poder discricionário que lhe é deferido.

Na história do direito brasileiro, por força da edição do decreto 510, de 22/6/90, verifica-se a inserção desse recurso no nosso ordenamento (art. 58, § 1º) ainda sem o nome de recurso extraordinário. Na mesma esteira, o decreto 848, de 11/10/90, que organizou a Justiça Federal brasileira, o adotou no art. 9º, parágrafo único. A respeito da redação do Decreto por último citado, vale a referência a dois primorosos apontamentos da lavra de MATOS PEIXOTO:

1) Estas disposições, difusas e mal articuladas do dec. n. 848 (quão diversas das normas correspondentes concisas e elegantes da Constituição do Governo Provisório, nas quais transparece o esmeril de RUY BARBOSA!) moldaram-se também pelo Judiciary Act, sem se levar em conta as prescrições dessa lei, promulgada para um país no qual os Estados Federados legislam sobre o direito substantivo, somente poderiam aplicar-se ao Brasil, se eles aqui tivessem egual competencia, a menos que se quisesse erigir o Supremo Tribunal em instancia de revista, sempre que interpretando a legislação federal, a justiça dos Estados decidisse contra o direito pleiteado pela parte, com apoio nessa legislação.

2) O dec. n. 848, imitando a Constituição do Governo Provisório, creou um caso de recurso para o Supremo Tribunal, não destacado no Judiciary Act: - quando a justiça estadual julga em última instância contra a aplicabilidade de lei Federal.1

A primeira Constituição da República, de 24/2/91, dispunha, no seu art. 59, sobre a competência do Supremo Tribunal Federal, estabelecendo, no § 1º, o cabimento de recurso para a corte:

a) quando se questionar sobre a validade ou a applicação de tratados e leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado for contra ella;

b) quando se contestar a validade de leis ou de actos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado considerar validos esses actos, ou essas leis impugnadas.2

Observa-se, aí, a descrição de hipóteses de cabimento de recurso que coincidem com o que hoje constitui tema dos recursos extraordinários: caberia recurso quando se tratasse de decisão da justiça dos Estados (as decisões da justiça federal eram julgadas em grau de recurso ordinário). Percebe-se que o recurso de que se cuida ainda não tem a denominação de extraordinário, que somente viria ser adotada com edição do primeiro regimento interno do STF, de 26 de fevereiro de 1981. Na legislação ordinária, essa denominação apareceu no art. 24 da lei 221, de 1894, e, a partir daí, pode-se considerar que foi consagrada.3

Na seara constitucional, a denominação recurso extraordinário somente aparece na Constituição de 1934, que trocou a denominação do STF para Corte Suprema, e dispôs, no art. 76:

Art. 76. À Corte Suprema Compete:


2. Julgar:


III. Em recurso extraordinario, as causas decididas pelas justiças locaes em unica ou ultima instancia:

a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicabilidade se haja questionado;

b) quando se questionar sobre a vigência ou a validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do tribunal local negar applicação á lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou acto dos governos locaes em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar valido o acto ou a lei impugnado;

d) quando occorrer diversidade de interpretação definitiva de lei federal entre Côrtes de Appellação de Estados diferentes, inclusive do Districto Federal ou dos Territórios, ou entre um destes tribunaes e a Côrte Suprema, ou outro tribunal federal.

A Constituição de 1937 retornou à antiga denominação (Supremo Tribunal Federal) e dispôs no art. 101:

Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

III — julgar, em recurso extraordinário as causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância:

a) quando a decisão for contra a letra de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado;

b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição e a decisão do tribunal local negar aplicação à lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgar válida a lei ou o ato impugnado;

d) quando decisões definitivas dos Tribunais de Apelação de Estado diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou decisões definitivas de um dêstes Tribunais e do Supremo Tribunal Federal derem à mesma lei federal inteligência diversa.

A Constituição de 1946 inovou (sem que isso tenha tido repercussão na jurisprudência pátria como se verá no momento oportuno), ao dispor, no art. 101, de forma apenas parcialmente semelhante:
Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:

...
III - julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes:

a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição a letra de tratado ou lei federal;

b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;

c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;

d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada fôr diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio STF.

A Constituição de 1967 dispôs:

Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:

....

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em única ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência a tratado ou lei federal;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato do Governo local, contestado em face da Constituição ou de lei federal;

d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal.

A Emenda Constitucional 1 de 1969 não inovou na matéria, dispondo, no art. 119:

Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal:

.......

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato do govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou

d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.

Finalmente, a Constituição de 1988, já com a redação da Emenda Constitucional nº 45, estabeleceu:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

É esse o regramento constitucional positivo, com sua pertinente evolução, que informa o exame que passa a ser feito sobre o recurso extraordinário.

A natureza do recurso extraordinário

Como resulta do rápido apanhado histórico que se fez, o nosso recurso extraordinário tem origem no writ of error e no certiorari norte-americanos, e tem como objetivo a preservação da supremacia da Constituição e da unidade da federação. Costuma-se dizer, nesse sentido, que o recurso extraordinário não é um recurso com função precípua de realização da justiça. É claro, o cidadão, quando avia o seu recurso extraordinário, normalmente não se preocupa com as mazelas que uma lesão pode causar à Carta Política. O seu objetivo mais imediato é a possível reparação de um direito subjetivo eventualmente desrespeitado. Para o Estado, entretanto, o que está em jogo são outros valores objetivamente considerados, de natureza constitucional e que visam à própria preservação do Estado e da estrutura para ele preconizada pelo poder constituinte.

Bem examinado, o recurso extraordinário prestava-se a funcionar como último elo da cadeia de controle de constitucionalidade por via incidental, isto é, da técnica de controle em que o bem da vida perseguido pelas partes tinha como pressuposto o reconhecimento (incidenter tantum) de que determinada norma legal era compatível ou incompatível com o texto constitucional que estivesse vigendo. A decisão proferida no recurso extraordinário, entretanto, somente fazia coisa julgada em relação às partes.

Como, todavia, o raciocínio disseminado no seio da advocacia (e da sociedade leiga) não percebia as qualidades e especificidades do recurso extraordinário, rapidamente passou-se a acreditar que ele constituiria uma espécie de terceiro grau de jurisdição ao qual todos deveriam ter acesso, máxime porque, diversamente do ocorrido no direito norte-americano — que se baseara também no certiorari, (Lê-se na Rule 10, da Suprema Corte: Considerations Governing Review on Certiorari: Review on a writ of certiorari is not a matter of right, but of judicial discretion.) por meio do qual era pacificamente admitido o poder discricionário da Suprema Corte para deliberar se iria ou não examinar determinado pedido de revisão —, no direito brasileiro, o entendimento era o de que havia um direito absoluto ao recurso, desde que atendidos os pressupostos previstos nas diversas constituições republicanas.

É certo que as três primeiras constituições republicanas deixavam evidenciado que seria necessário — para permitir ao cidadão o acesso ao Supremo Tribunal Federal, que a matéria tivesse pertinência com a letra de tratado ou lei federal sobre cuja aplicação se houvesse questionado.

Vale anotar, aqui, que o decreto 23.055, de 9 de agosto de 19334, instituiu uma espécie de recurso extraordinário ex officio (com efeito suspensivo) que deveria ser interposto pelas justiças locais e do Distrito Federal sempre que o julgado se fundasse em disposição ou princípio constitucional ou decidisse contrariamente a leis federais ou a decretos ou atos do governo da União.
Voltemos ao ponto central: passou-se a ter como certo que, além dos pressupostos e requisitos genéricos, i.e., comuns a todos os recursos, o extraordinário, até por inserir-se na categoria dos recursos de fundamentação vinculada, teria pressupostos específicos, dentre os quais avultava o do questionamento (após, prequestionamento), na instância da qual se recorria, da aplicabilidade do tratado ou lei federal. Mais: considerava-se ocorrido o prequestionamento quando tivesse havido debate sobre o tema no âmbito do colégio julgador. Não bastava que a matéria tivesse sido simplesmente apontada no recurso de apelação pela parte interessada. Era necessário que sobre ela o tribunal se houvesse pronunciado.

Ocorre que essa exigência deixou de ter assento constitucional desde a Constituição de 1946. Dizendo de outra forma, pelo menos em tese, a partir de 1946 não seria mais possível ao Supremo Tribunal Federal exigir o requisito do prequestionamento. Parcela da doutrina tenta sustentar que o requisito do prequestionamento está mantido por força da expressão ?causas decididas? que consta no inciso III do art. 102. O argumento vale zero. A uma porque de causas decididas não se pode, nem por larga concessão hermenêutica, inferir a necessidade do prequestionamento. Causas decididas quer dizer causas em que houve deliberação judicial (e não necessariamente debate sobre lei federal) sobre o bem da vida vindicado. A duas porque as constituições de 1934 e 1937 possuíam nos incisos III dos arts. 76 e 101, respectivamente, a mesma expressão ?causas decididas?, mas, nas alíneas “a” havia a exigência de que tivesse havido questionamento sobre a matéria federal. Dizendo de forma bem clara: a exigência do questionamento sempre esteve lançada na alínea “a” e não na cabeça do inciso dessas constituições.

Quando o legislador constituinte efetuou a modificação na redação das alíneas “a” dos textos constitucionais subsequentes (ressalvada a hipótese de cochilo do constituinte, o que não se pode presumir) fê-lo porque entendeu necessário mudar o sistema. Se antes o exigia, depois deixou de fazê-lo.

Sem embargo da clara modificação constitucional, o Supremo Tribunal Federal continuou a exigir o requisito do prequestionamento, chegando a editar a súmula nº 282, dispondo ser inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada. Ora, com certeza, a edição da súmula em questão, que não homenageia o direito constitucional brasileiro, ocorreu como forma de evitar que o STF sucumbisse literalmente sobre o peso dos recursos que desabariam sobre ele após a supressão da exigência constitucional do prequestionamento.

Assim, a medida preconizada na súmula atende muito mais à necessidade de construção de uma jurisprudência defensiva (como tem sido apelidado esse fenômeno) do Supremo Tribunal Federal do que propriamente ao direito que passou a vigorar com a Constituição de 1946. Com ela, o STF corrigiu o fato de que nossa cultura não havia importado a discricionariedade na admissão dos recursos extraordinários (para se ter uma ideia, em apenas dois anos —2004/2005 – o Supremo Tribunal Federal recebeu em seu protocolo um número de processos superior a todos os que foram julgados pela Suprema Corte norte-americana em toda a sua história, até aquela data.)

Daí em diante, e sem embargo de nenhuma constituição brasileira haver repetido a exigência do prequestionamento, permaneceu inalterado o posicionamento da Corte quanto a esse requisito. É bem verdade que outros mecanismos constitucionais foram criados visando a dar ao STF outras formas de exercer o poder discricionário sobre a subida de recursos extraordinários de modo a permitir que a Corte continuasse a funcionar. Deveras, a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 dispôs no parágrafo único do art. 119 que as causas a que se refere o item III, alíneas “a” e “d” deste artigo serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie ou valor pecuniário. E, realmente, o Regimento Interno, desde 1970, passou a prever no art. 308 hipóteses nas quais não se admitia o cabimento do recurso extraordinário, sempre com a ressalva de que essas limitações que criara não incidiriam quando se tratasse de ofensa à Constituição ou discrepância da decisão recorrida com a assim chamada jurisprudência dominante da casa. Logo após, em 1975, com a emenda regimental 3, o STF alterou o art. 308 do seu Regimento para adotar a chamada arguição de relevância da questão federal em substituição à formula exceptiva que acaba de ser mencionada5.

A arguição de relevância passou a ser considerada como um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, sendo, nas palavras do Ministro VITOR NUNES LEAL, a melhor forma de aliviar a sobrecarga de trabalho em que se encontrava o STF. Percebe-se que a arguição era uma tentativa de aproximar o Recurso Extraordinário de seu símile norte-americano, dando-lhe dignidade e estatura de sorte que o STF pudesse preocupar-se somente com aquelas questões que considerasse realmente importantes ou significativos para justificar uma revisão.

A arguição era ofertada na própria petição de recurso extraordinário, em capítulo destacado daquele em que se apresentavam as razões do recurso propriamente dito e nelas a parte buscava superar os óbices regimentais, expondo as razões por que entendia que naquele específico caso estariam presentes elementos de natureza jurídica, social, etc., que extrapassariam os lindes da causa, a sugerir a necessidade de deliberação da Corte maior.

Ocioso lembrar que o instituto foi objeto de críticas porque a relevância, tal como concebida, de forma discricionária, poderia conduzir ao arbítrio por parte dos Juízes da Corte, ou no sentido de que a relevância é um dado axiológico que deve ser ponderado pelo legislador ao momento da edição da norma jurídica primária e não pelo julgador, ao momento de sua aplicação. Ora, a ideia da discricionariedade em relação à admissão do RE é justamente fundada no fato de que um cidadão tem direito a um duplo grau de jurisdição, não mais do que isso. Não há um terceiro ou quarto grau de jurisdição. Ao depois, dizer que ponderações axiológicas são prerrogativa do legislador e não do aplicador da lei é afirmação destituída de qualquer fundamento lógico. Ao contrário, não se pode conceber a adequada aplicação da norma jurídica sem considerar a sua dimensão axiológica.

Vale lembrar que, não obstante a defesa que fazemos da arguição de relevância, o fato é que, talvez por se tratar de instituto nascido na época da ditadura militar, a Constituição de 1988 não acolheu esse requisito de admissibilidade e o Supremo Tribunal deixou de contar com o filtro de que dispunha para selecionar as demandas a examinar, o que teve como consectário natural o aumento da carga de recursos extraordinários em condições de ir a julgamento (independentemente de o STF continuar utilizando aquele malsinado critério do prequestionamento).

Nem por outro motivo, a Emenda Constitucional nº 45 reinseriu na Carta Política outra e necessária forma de filtro, por meio do qual o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, para que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Semelhantemente à arguição de relevância, a repercussão geral é um pressuposto específico de admissibilidade do Recurso extraordinário, cujo exame compete exclusivamente ao STF, diferentemente do que acontece com os demais pressupostos de admissibilidade, que podem ser valorados pelo presidente ou vice-presidente do tribunal a quo. Certamente que a doutrina será capaz de encontrar formas distintivas entre um instituto e outro (um é includente, outro, excludente. Um tem presumida a existência, outro, a inexistência, etc.), mas, na essência, são a mesma coisa. As diferenças são mais pertinentes ao procedimento da repercussão geral, que será examinado mais à frente.

Adicione-se a isso o instituto da súmula vinculante que tem conexão com a atividade do STF relativa ao julgamento dos recursos extraordinários e se terá uma nova configuração do recurso extraordinário: cada vez mais o RE deixa de ser o último elo na cadeia do controle de constitucionalidade incidental para se tornar mais um instrumento de controle in abstracto de constitucionalidade naquilo que já vem sendo chamado, não sem razão, de objetivação do recurso extraordinário, em evidente alusão ao fato de que o controle abstrato de constitucionalidade se faz por meio de processos objetivos, não de partes. Com isso, o julgamento do recurso extraordinário pela Corte maior passa a ter o condão de ultrapassar os lindes da causa para ter eficácia erga omnes derramando-se sobre todas as outras questões de mesma natureza.

Na próxima terça, examinaremos as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário e a regência que o CPC de 2015 emprestou ao tema.

__________

1 Recurso Extraordinário, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1935, pp. 105/108

2 Mantida a grafia da época para todos os textos históricos.

3 Matos Peixoto, op. cit. p. 112

4 Esse Decreto vigorou menos de um ano e não foi recebido pela constituição de 16 de julho de 1934.

5 Esse Decreto vigorou menos de um ano e não foi recebido pela constituição de 16 de julho de 1934.

6 Cf. Mancuso, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e especial. P. 65.

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Guilherme Pupe da Nóbrega é advogado. Especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Professor de Direito Processual Civil na graduação e na pós-graduação lato sensu do IDP. Coordenador do Grupo de Estudos "Instituições de Processo Civil" do IDP. Coordenador da disciplina de Processo da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal (ESA-OAB/DF). Autor de livro e artigos jurídicos.

Jorge Amaury Maia Nunes é advogado. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou a disciplina Direito Processual Civil na graduação e na pós-graduação stricto sensu. Diretor da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal (ESA-OAB/DF). Autor de livro e artigos jurídicos.