Guilherme Pupe da Nóbrega
A supressão da admissibilidade dos recursos especial e extraordinário pelos Tribunais ordinários é um dos temas mais pujantes do Código de Processo Civil de 2015.
A novidade não se fez presente no anteprojeto do novo CPC, que previa, em seu artigo 945, parágrafo único, o juízo de admissibilidade em segundo grau.1
Por ocasião da 7ª audiência pública voltada para os debates sobre a nova lei, ocorrida em Porto Alegre (RS) em outubro de 2010, houve singela sugestão, pela supressão da admissibilidade pelas Cortes ordinárias. A provocação, nada obstante, não surtiria efeito.2
Quando da conversão do anteprojeto no Projeto de Lei do Senado Federal (PLS) 166/10, lá estava a admissibilidade, prevista no artigo 984, parágrafo único.3
A previsão foi mantida no Projeto de Lei da Câmara dos Deputados (PLC) 8.046/10, no artigo 1.052, parágrafo único. No âmbito dessa Casa, porém, foi apresentada a emenda 825/2011, de autoria do deputado Gabriel Guimarães, que trazia como justificativas:
(...) abusos vêm sendo perpetrados pelos assessores dos magistrados responsáveis; (...)
Cerca de 90% dos recursos interpostos tem o seu seguimento denegado, e, na grande maioria das vezes, com base em fundamentos que não poderia ser objeto de juízo de admissibilidade; (...)
Quando se deixa a cargo do Tribunal de origem a realização do juízo de admissibilidade dos recursos já mencionados, o processo fica parado, tranquilamente, por pelo menos um ano; (...)4
Cerca de 85% das decisões denegatórias são agravadas, o que mostra que não é tão eficaz assim esse método de filtragem dos recursos.
A modificação proposta, nada obstante, receberia parecer contrário dos deputados Sérgio Barradas Carneiro5 e Paulo Teixeira.6 Apenas posteriormente, no âmbito de Comissão Especial, haveria a mudança7, posteriormente aprovada em Plenário.
No Senado Federal, a modificação vingou, encontrando morada, na redação final da proposição, no artigo 1.030, parágrafo único.8
Não tardou a que surgissem críticas e questionamentos, notadamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, ao fundamento de que a novidade teria o condão de inviabilizar ou dificultar sobremaneira os trabalhos naquelas Cortes.9
As preocupações repercutiram no Congresso, culminando em proposições legislativas tendentes a restabelecer, ainda no período de vacatio legis da lei 13.105/15, o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial em segundo grau: PLs 2.38410 e 2.468/1511, na Câmara; PLS 414/201512, no Senado Federal.
De nossa parte, encaramos a supressão da admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário pelos Tribunais em segundo grau é algo que tende a ser mais positivo que negativo, com todo respeito a quem possa pensar diversamente.
Muitos foram os números apresentados de um lado e de outro a fim de defender as diferentes posições: há quem demonstre numericamente que grande quantidade de recursos são represados em segundo grau (isto é, inadmitidos por decisão que acaba não sendo atacada por agravo); há quem sustente, lado outro, também com números, que a esmagadora maioria dos recursos inadmitidos acaba subindo ao STJ e ao STF de qualquer maneira, via interposição de agravo.
Não há, ao menos segundo as pesquisas que nossas limitações permitiram fazer, números confiáveis e definitivos que demonstrem de forma clara e em âmbito nacional qual a taxa de recorribilidade de decisões de inadmissibilidade de recurso especial e recurso extraordinário.
Sem embargo disso, não se vislumbra na mudança proposta pelo CPC/2015 os efeitos nefastos projetados pela parcela a ela contrária.
A percepção deste escrito, na verdade, é a de que o projeto político do novo Código é no sentido de substituir aqueles filtros de admissibilidade por "filtros de mérito".
Explica-se: haverá, sim, barreiras que impedirão a subida indiscriminada de recursos. Essas barreiras, contudo, não mais se prenderão a requisitos formais e processuais, privilegiados em inadmissibilidade muitas vezes banalizada. Os óbices passam, em verdade, a um fortalecimento dos precedentes, que ganham eficácia vinculante de uma vez por todas no novo Código.
Ilustra-se o que se quer dizer: afetado um recurso especial como paradigma de controvérsia repetitiva, poderá haver a suspensão de todos os processos que versarem sobre o tema, na forma do artigo 1.037, II, CPC/2015. Esses processos, obviamente, por estarem suspensos, não subirão ao STJ.
Uma vez julgado o paradigma, eventuais recursos especiais que estivessem sobrestados, aguardando o julgamento do paradigma, terão negado seguimento, na forma do artigo 1.040, I, do CPC/2015. Se o processo ainda estiver em primeiro grau, poderá haver a desistência pelo autor, a teor do artigo 1.040, § 1º. São esses, também, processos que podem acabar sendo extintos por ali mesmo, sem subir ao STJ e ao STF.
Para que se tenha uma ideia, em recente pesquisa realizada no sítio eletrônico do STJ, já havia 673 temas de recursos repetitivos julgados, 21 temas em julgamento e 72 temas já afetados, mas sem julgamento iniciado. São temas, sobre os quais há diversos processos, em que já há entendimento consolidado no STJ, consolidação essa que, por meio da dinâmica dos recursos repetitivos, funcionará como barreira à subida de casos idênticos, como dito anteriormente.
O mesmo poderá acontecer em segundo grau, com o incidente de resolução de demandas repetitivas. Afetado caso paradigma, haverá a suspensão dos processos que, naquele Estado ou região, versarem sobre o tema, consoante o artigo 982, I. Julgado o incidente, a solução dada será replicada aos casos idênticos, na forma do artigo 985, I e II. Aqui, também, mais um filtro que terá o condão de impedir uma infinidade de processos de chegar ao STJ e ao STF.
Essa maior valorização dada aos repetitivos, bem assim o novo instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas repercutirão, ainda, na primeira instância, com a objetivação das hipóteses de improcedência liminar presentes nos incisos II e III do artigo 332, mais outro filtro possível.
Ficam evidentes as barreiras criadas em primeiro (improcedência liminar) e segundo (repetitivos e IRDR) graus, que eliminarão muitos dos processos. Fica clara, ademais, a opção legislativa: aos casos repetidos serão aplicados os entendimentos consolidados; quanto aos casos inéditos, que se evitem os riscos de eles não chegarem ao STJ e ao STF por conta de uma desarrazoada inadmissibilidade pelos Tribunais ordinários. Daí por que a eliminação do juízo de admissibilidade em segundo grau.
A semente que se busca plantar é no sentido de reforçar a previsibilidade jurídica nos casos repetitivos (o que, se espera, redunde numa menor litigiosidade e recorribilidade), ao mesmo tempo em que se pretende uma prestação jurisdicional efetiva quanto aos chamados leading cases.
Por essas razões é que são encaradas com ressalvas as tentativas legislativas de restaurar a admissibilidade em segundo grau. Quando não pelos motivos antes aduzidos, pelo fato de elas representarem um recuo em mudança ocorrida ao longo de tramitação que não se deu de afogadilho e que ainda nem sequer produziu efeitos que permitam mais bem analisá-la, positiva ou negativamente.
Não se ignora que, num primeiro momento, a supressão da admissibilidade dos recursos especial e extraordinário em segundo grau possa gerar um aumento na remessa de recursos ao STJ e ao STF; no médio e longo prazo -- e para isso é feito um Código --, é o que pensamos, tenderá a prevalecer o intento do legislador de barrar casos repetitivos e facilitar o trânsito de matéria inédita.
Reconheça-se, nada obstante, que o tema é complexo e instigante, e a ele poderemos retornar, eventualmente.
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1 Disponível em clique aqui.
2 "Que o juízo de admissibilidade do RE/REsp seja feito exclusivamente pelo tribunal competente para o julgamento da causa. Facilitaria a atuação dos advogados não radicados em Brasília, bem como diminuiria o número de recursos, evitando o agravo de instrumento contra a inadmissibilidade pelo juízo a quo". Disponível em clique aqui.
3 Disponível em clique aqui.
4 Disponível em clique aqui.
5 Disponível em clique aqui.
6 Disponível em clique aqui.
7 O registro é feito por BUENO, Cassio Scapinella. Projetos de Novo Código de Processo Civil Comparados e Anotados. Senado Federal PLS n. 166/2010 e Câmara dos Deputados PL n. 8.046/2010. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 498.
8 Disponível em clique aqui.
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