Processo e Procedimento

A audiência de conciliação e de mediação no CPC/2015

audiência de conciliação e de mediação no CPC/2015 é tema abordado pelo colunista.

25/8/2015

Guilherme Pupe da Nóbrega

O CPC/1973, em seu rito ordinário, tinha na audiência preliminar, presidida pelo juiz, primeira oportunidade formal voltada para a tentativa de composição entre as partes.

A audiência de conciliação ou de mediação no limiar do processo é "novidade"1 trazida pelo CPC/2015 que visa a estimular a autocomposição em fase processual em que os ânimos ainda não estejam tão acirrados — porque ainda não apresentada a contestação pelo réu —, que ocorre não perante o juiz, mas, sim, perante conciliador/mediador2, em ambiente menos formal e intimidador e mais propício ao desarme de espíritos.

Cuida-se de inovação a favorecer o chamado sistema multiportas3, bem presente a ideia de que, sendo várias as veredas possíveis rumo à solução do conflito, deve o Judiciário, sim, ser o meio alternativo, subsidiário para dirimir controvérsias.

Tamanha importância estabeleceu a realização da audiência como regra a encontrar apenas duas exceções: se os direitos envolvidos não admitirem composição ou se, tendo o autor já manifestado desinteresse na inicial, o réu, até dez dias antes da audiência, igualmente expressar que não pretende conciliar. É o que dispõem os incisos I e II do § 4º do artigo 334, CPC/2015.

A fim de viabilizar a manifestação, pelo réu, sobre seu virtual desinteresse, a sua citação deve ocorrer com no mínimo vinte dias de antecedência em relação à data designada (artigo 248, § 3º, CPC/2015).

Na hipótese de litisconsórcio unitário, o desinteresse deve ser manifestado por todos os litisconsortes (artigo 334, § 6º, CPC/2015); sendo simples o litisconsórcio, o desinteresse é manifestado autonomamente, adotado como termo inicial da contestação de cada litisconsorte a data do protocolo da respectiva petição pela não-realização (artigo 335, § 1º, CPC/2015).

A regra de que a audiência ocorre antes da contestação também comporta flexibilização.

A primeira exceção é trazida pelo artigo 331, § 1º, que dispõe que, indeferida liminarmente a petição inicial, e provida apelação interposta pelo autor contra a sentença terminativa, o prazo para contestação será contado da intimação, em primeiro grau, do retorno dos autos. É dizer, volvidos os autos ao primeiro grau, será o réu intimado — já houve a citação para oferta de contrarrazões — para contestar e, apenas em seguida, designada, se o caso, audiência de conciliação ou de mediação, já com a defesa ensartada aos autos.

A segunda exceção consta do artigo 340, § 4º, CPC/2015, que dispõe que o réu, aduzindo a incompetência do juízo em preliminar, poderá apresentar sua contestação perante o foro de seu domicílio. Nessa hipótese, a defesa será remetida pelo juízo em que protocolizada ao juízo perante o qual tramita o processo, sendo suspensa a realização de audiência eventualmente já designada. Ato contínuo, apreciada a alegação de incompetência, sendo ela acolhida, será definitivamente cancelada a audiência previamente designada pelo juízo incompetente e designada nova data pelo juízo competente; sendo rejeitada a incompetência, nova data é designada pelo juízo, se necessário.

Na situação trazida pelo artigo 340, § 4º, CPC/2015, perceba-se que o réu, que deve suscitar incompetência em contestação, pretende evitar o comparecimento à audiência no foro incompetente — por vezes distante de seu domicílio —, e, assim, "antecipa-se" e apresenta contestação a fim de invocar a incompetência. Nesse caso, em que a contestação antecede a audiência designada pelo juízo incompetente, o enfrentamento da defesa processual invocada pelo réu em preliminar de contestação finda por subverter a lógica estabelecida pelo CPC/2015: haverá audiência de conciliação ou de mediação perante o juízo reconhecido competente após a apresentação de contestação pelo réu.

Firme no propósito de buscar a composição, o CPC/2015 estabelece a criação de centros de conciliação e de mediação no âmbito dos tribunais, prevendo a capacitação de conciliadores e de mediadores. Admite o Código, ainda, que as próprias partes indiquem a figura do conciliador ou do mediador ou que a audiência se realize por videoconferência (art. 236, § 3º, CPC/2015)4.

O reforço é dado, ainda, pelo prazo mínimo de vinte minutos entre as audiências e pela possibilidade de que se realize mais de um encontro, em havendo necessidade para que se ultime a composição.

O não-comparecimento de quaisquer das partes atrai sanção pecuniária por ato atentatório ao exercício da jurisdição5. A razão de ser da multa é de evitar o esvaziamento da audiência como instituto e, ao mesmo tempo, punir a parte que ignora a designação do ato processual e a mobilização de todo um aparato visando à composição das partes. A sanção é justificada, ademais, pelo fato de não servir o ódio pessoal como justificativa: a parte pode se fazer representar no ato processual por pessoa com procuração específica outorgando poderes para transigir (artigo 334, § 10, CPC/2015).

Surge natural dúvida: qual o sentido de "forçar" a audiência quando uma das partes manifesta seu desinteresse? Sendo possível, no CPC/2015, a realização de mais de uma audiência voltada para a tentativa de conciliação, que celeridade seria trazida pela inovação?

Premissa a merecer atenção é o fato de que o estímulo à autocomposição pelo CPC/2015 tem no desafogamento da Justiça ou na celeridade jurisdicional mera consequência. O que se visa, mais, é a que as partes — auxiliadas por seus advogados, que devem se fazer presentes — assumam a tarefa de resolver seus entreveros, participando ativamente da solução que, por isso mesmo, tenderá a ser "mais legítima".

Dito de outro modo, o investimento que se pretende fazer na conciliação — e é este um dos projetos políticos do CPC/2015 — mira, sobretudo, seu potencial replicador: logrando êxito em determinada composição, as partes envolvidas na solução, dali pra frente, tendem a absorver a cultura conciliadora incutida pelo ordenamento, criando-se terreno fértil para que, a médio e longo prazo, o Judiciário vá sendo gradativamente abandonado como único meio para apaziguar conflitos.

Nas hipóteses em que realizada a audiência de conciliação ou de mediação, atingida a composição em seu bojo, o juiz a homologa por sentença que põe fim ao processo, resolvendo o mérito (artigo 487, III, CPC/2015); inocorrendo audiência, ou sendo essa realizada, mas não se atingindo a composição, prossegue o processo para as respostas do réu, a etapa seguinte da fase postulatória.

__________

1 Nem tão novidade assim: a Constituição Federal de 1824 trazia em seu artigo 161 a previsão de que "Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum"; o artigo 16 da lei 9.099/1995, no procedimento especial dos Juizados Especiais Cíveis, a exemplo do rito sumário no antigo CPC/1973, dispõe que o réu é citado não para oferecer resposta, mas para comparecer a audiência de conciliação; o artigo 625-A da Consolidação das Leis do Trabalho prevê, ainda, as comissões de conciliação prévia como tentativa de composição anterior à instauração do processo.

2 O conciliador e o mediador são figuras que ganham proeminência no CPC/2015, recebendo atenção especial dos artigos 165 a 175.

3 A terminologia é atribuída a Frank Sander, professor de Harvard que em 1976 proferiu discurso na Roscoe Pound Confference sobre a insatisfação popular com a administração da justiça intitulado "Varieties of dispute processing". MOFFIT, Michael L. Special Section: Frank Sander and His Legacy as an ADR Pioneer. Before the Big Bang: The Making of an ADR Pioneer. In: Negotiation Journal, Outubro, 2006. Disponível em clique aqui. Conferir ainda: SANDER, Frank E.A. Varieties of Dispute Processing. In: The Pound Conference. 70 Federal Rules Decisions 111, 1976.

4 Já há notícia de conciliação promovida por meio do aplicativo Whatsapp - clique aqui.

5 Diferentemente do anterior procedimento sumário no CPC/1973, o comparecimento passa a ser encarado como dever em vez de encargo (lembrando que a consequência da não-desincumbência de encargo é uma situação de desvantagem. No caso do CPC/1973, essa desvantagem decorria eventualmente dos efeitos oriundos da revelia resultante do não-comparecimento, consoante o artigo 277,§ 2º, CPC/1973).

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Guilherme Pupe da Nóbrega é advogado. Especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Professor de Direito Processual Civil na graduação e na pós-graduação lato sensu do IDP. Coordenador do Grupo de Estudos "Instituições de Processo Civil" do IDP. Coordenador da disciplina de Processo da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal (ESA-OAB/DF). Autor de livro e artigos jurídicos.

Jorge Amaury Maia Nunes é advogado. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou a disciplina Direito Processual Civil na graduação e na pós-graduação stricto sensu. Diretor da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal (ESA-OAB/DF). Autor de livro e artigos jurídicos.