Processo e Procedimento

A regência dos recursos no novo CPC (Parte II)

A regência dos recursos no novo CPC (Parte II).

21/7/2015

Dando prosseguimento à abordagem da parte geral dos recursos no Código de Processo Civil de 2015 (lei 13.105), privilegiando, naturalmente, as mudanças trazidas pela novel legislação, iniciamos esta segunda parte pelo artigo 9951, que dispõe sobre como deve ser entendido, doravante, o efeito suspensivo relativamente aos recursos cíveis. Em regra, costuma a doutrina dizer que os recursos possuem efetivo devolutivo, suspensivo, regressivo ou de retratação, expansivo, translativo e substitutivo (obviamente, estão misturados, aí, efeitos da recorribilidade, da interposição e do julgamento dos recursos).

Segundo Barbosa Moreira2, diz-se que um recurso tem efeito suspensivo quando impede a produção imediata dos efeitos da decisão. O mesmo processualista indica que não se trata apenas de impedir a execução imediata, pois há provimentos constitutivos e declaratórios, os quais não comportariam execução, que também podem ser impugnados por recurso que possuem efeito suspensivo. Dessa forma, ressalvada exceção contida na lei, a suspensividade abrangeria toda a eficácia da decisão, além de sua eventual força como titulo executivo.

O efeito suspensivo é uma qualidade não propriamente do recurso, mas sim da particular recorribilidade, que tem a aptidão de adiar a produção dos efeitos da decisão impugnada, mesmo antes da interposição do recurso e que perdura até que se encerre o ciclo do julgamento do recurso interposto.

Dizia-se, com razão, que, sob a égide do Código de 1973 a regra era a suspensividade dos recursos. Para a sua exclusão, haveria a necessidade de existência de norma expressa. Nesse sentido, Barbosa Moreira adverte que a regra, na matéria, é a suspensividade, como, aliás, ressumbra do tratamento dado, no particular, à apelação. Por conseguinte, sempre que o texto silencie, deve entender-se que o recurso é dotado de efeito suspensivo, conclusão reforçada pela leitura contrario sensu do artigo 497.

Décadas atrás, Ovídio Baptista3 esclarecia que a tendência do direito moderno consistia em restringir os recursos com efeito suspensivo e que essa tendência não estava sendo seguida pelo direito pátrio. A necessidade de respeito à celeridade e efetividade do processo (sem prejuízo da segurança) pugnava por que a suspensividade ope legis cedesse passo à suspensividade ope judicis, tema que frequentou as discussões legislativas travadas durante a tramitação do projeto de código, ora transformado em lei.

O novo código não chegou a adotar a atribuição da suspensividade ope judicis, mas, ao menos, inverteu os termos da questão. Pela regência do art. 995, percebe-se que, agora, a regra é a ausência do efeito suspensivo. Esse somente incidirá se houver regra expressa, que é o que ocorre, por exemplo, com o recurso de apelação. Houve necessidade de que o art. 1009 dissesse, expressamente, que aquele recurso possui efeito suspensivo.

O parágrafo único do artigo 995 trouxe regra de atribuição de efeito suspensivo a recurso que o não possui, desde que presente o periculum damnum irreparabile e demonstrada a probabilidade de provimento do recurso. Já era regra constante no art. 558 do Código de 1973, no Título X, Capítulo VII, Da Ordem dos Processos no Tribunal, que, entretanto, falava em “relevância da fundamentação”. Agora, de maneira topologicamente mais bem posta, frequenta o Título II, Capítulo I, que cuida das disposições gerais sobre recursos. Bem é de ver que, com outra redação, o dispositivo comparece de forma abundante no § 4º do art. 1012, que cuida especificamente do recurso de apelação.

A norma inserta no artigo 1.003, de sua vez, encambulhou, no caput e parágrafos, temas relativos aos prazos recursais: duração do prazo, formas de intimação quanto aos prazos, sujeitos intimáveis, regras sobre contagem de prazo, formas por meio das quais se considera satisfeito o ônus dentro do prazo, etc.

Ainda que o artigo pareça extremamente detalhista e procedimentalista, assim o é justamente para evitar dúvidas a respeito do tema. Com relação ao caput, nele restou fixado o entendimento de que a contagem do prazo deve ser feita a partir da data em que os detentores de capacidade postulatória são intimados da decisão. Dentre esses, nenhuma dúvida pode existir no que concerne aos advogados, à Advocacia Pública, à Defensoria Pública ou ao Ministério Público são intimados da decisão. Os primeiros são a própria encarnação, no Direito brasileiro, da capacidade postulatória. Os demais são órgãos que exercem a atividade institucional do agir em juízo e cuja intimação é sempre pessoal e na pessoa de algum de seus membros a tanto legitimado.

Quanto à intimação da sociedade de advogados, não nos pareceu de boa técnica sua inserção no caput. Sociedades de advogados não advogam. O que talvez tenha querido dizer o legislador (e que poderia ser lançado em um parágrafo) foi que a intimação feita à sociedade de advogados estende seus efeitos, para fins de contagem de prazo, aos advogados que a integrem, tenham sido, ou não, nominados na publicação.

Pela nova regência da matéria, o prazo para interposição dos recursos cíveis foi quase que totalmente unificado. Com efeito, ressalvados os embargos de declaração, que hão de ser opostos no prazo de cinco dias (art. 1023), os demais recursos serão interpostos e respondidos no prazo de quinze dias. Cabe recordar, aqui, que, por força do disposto no art. 219, para efeito de contagem dos prazos processuais, sejam legais ou judiciais, devem ser computados apenas os dias úteis; mais bem explicitando, apenas os dias em que normalmente ocorre funcionamento do foro (v.g., sábado é dia útil, mas não deve ser considerado para fins de contagem de prazo processual, por força do disposto no art. 216). Os feriados que ocorram no meio do prazo devem ser descontados. Bem por isso, reza o § 6º do artigo que o recorrente tem o ônus de comprovar a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso. Já a jurisprudência dos tribunais superiores assim o exigia, mesmo antes da existência de norma positivada. Muito mais razão o Judiciário terá, agora, para fazê-lo.

Quanto ao tema, convém, aqui, mencionar a evolução da jurisprudência pátria. Em um primeiro momento, o STJ entendeu que a comprovação de feriado local, ou de não funcionamento do foro, deveria ocorrer mediante a oferta de documento idôneo, já no ato da interposição do recurso. Mais recentemente, entretanto, o STJ passou a entender que essa demonstração pode ocorrer a posteriori, até por ocasião da oposição de agravo regimental (AREsp 538914, DJ de 11/11/14).

O art. 1006 não trouxe diferenças substanciais em relação ao art. 510 do Código de 1973. Mais analítico, entretanto, teve oportunidade de elucidar certas questões que, vem por outra, assombravam os militantes do Direito. Fala-se, agora, em “certificado o trânsito em julgado” e fica claro que a respectiva certidão há de fazer menção expressa à data em que ocorreu o trânsito. Com efeito, uma coisa é a data da certidão e outra, diversa e mais importante, é a data do trânsito em julgado. É essa que importa, por exemplo, para a fixação do dies a quo do prazo para a propositura da ação rescisória de que cogita o art. 966 deste Código.

Parece que no artigo sob análise deveria haver a menção a dois prazos: (i) o primeiro, para a certificação do trânsito em julgado: (ii) o segundo, para providenciar a baixa dos autos ao juízo de origem. O constante ao final do texto legal, somente contempla a segunda necessidade. Quanto à primeira, deve ser forrada de toda a cautela por parte do escrivão ou secretário. É certo que deve ser, também, prazo de cinco dias. A questão complexa, entretanto, é encontrar o dies a quo da contagem do prazo, máxime porque o escrivão ou secretário, no caso, atuará independentemente de despacho. Explica-se: a decisão transita em julgado quando (a) ainda que cabível o recurso, não foi ele interposto; (b) já não cabe nenhum recurso. Ora, o servidor do Judiciário não tem nem deve ter atribuição para afirmar que o recurso X ou Y é ou não cabível, na situação tal ou qual, principalmente nas hipóteses em que se vislumbre a possibilidade de interposição de um recurso de fundamentação vinculada. Ademais, se interposto um recurso, aparentemente incabível, não pode nem deve o servidor (que tenha essa compreensão sobre o descabimento) certificar o trânsito em julgado. Deve, isso sim, fazer a conclusão dos autos ao detentor da jurisdição, que é quem tem competência para deliberar a esse respeito.

Assim, embora o prazo para certificação do trânsito em julgado seja de cinco dias, na forma do art. 228 do Código, é conveniente que o servidor aguarde a fluência do prazo normal dos recursos, que é de quinze dias, para, somente após e sem que tenha sido interposto recurso, certificar o trânsito em julgado. Após a certificação começará a correr o prazo para providenciar a baixa dos autos ao juízo de origem.

O art. 1007, de sua vez, cuida, de forma exaustiva, do chamado preparo, que, na lição de Barbosa Moreira consiste no pagamento prévio das despesas relativas ao processamento do recurso. Deve ser prévio e comprovado no momento da protocolização da petição recursal, a não ser motivo relevante impeça o recorrente de cumprir a exigência legal como, por exemplo, a falta de coincidência entre os expedientes forense e bancário. Na Justiça Federal, que possui legislação específica a respeito do recolhimento do preparo, a parte pode comprovar o pagamento no prazo de cinco dias (art.14 da lei 9.289/96).

É certo que, em algumas circunstâncias, a exigência do preparo não se faz presente. Deveras, há certas hipóteses de dispensa de preparo, fundadas ora em critério objetivo, ora em critério subjetivo. São exemplos de dispensa de preparo fundada em critério objetivo: os embargos de declaração (art. 1023 do Código) e os recursos interpostos em processos regidos pela Lei n. 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, por força do seu artigo 198, I. No processo eletrônico, é dispensado o pagamento do porte de remessa e de retorno, mas não o valor do preparo.

Exemplos de dispensa de preparo fundada em critério subjetivo são os recursos interpostos pelo Ministério Público, União, Estados e Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias, na forma do § 1º do artigo em análise, e também pelos beneficiários da justiça gratuita.

À irregularidade no cumprimento da exigência formal do preparo (por insuficiência) a lei comina a pena de deserção. A sanção não será aplicada sem que antes seja oportunizado à parte que lhe complemente o valor no prazo de cinco dias.

Sob a égide do Código de 1973, a ausência de comprovação da realização do preparo resultava na inadmissibilidade do recurso, já que operada a prec1usão consumativa do direito de recorrer, de nada adiantando a posterior apresentação da guia de recolhimento do preparo após a interposição do recurso, ainda que essa interposição tivesse sido realizada antes da exaustão do prazo para recurso. Com a nova regência da matéria, antes da aplicação da pena de deserção, pela não comprovação do recolhimento, deve ser o recorrente intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro do preparo, inclusive porte de remessa e retorno. Na hipótese de equívoco no preenchimento da guia de custas, que atemorizava a advocacia, não mais implicará a imediata aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de cinco dias.

Quanto à assistência judiciária gratuita, já decidiu o STJ que obstar a subida de agravo de instrumento desacompanhado da guia de recolhimento do porte de remessa e retorno, tendo sido interposto o recurso especial (inadmitido ao fundamento da deserção) justamente para discutir o desacolhimento do pedido de gratuidade da justiça, importa usurpação de competência; e também que, havendo pedido de gratuidade da justiça como preliminar de recurso, este não pode ser julgado deserto antes de analisado o referido pedido, e, no caso de não-acolhimento, antes que seja oportunizado à parte o recolhimento do preparo (RESP 440.007, DJ de 19/12/02).

Cabe um apontamento adicional sobre a questão relativa à assistência judiciária: a jurisprudência do STJ, após permanecer pendular por algum tempo, firma, agora, por sua corte especial, o entendimento de que a parte beneficiária da gratuidade da justiça deve, no ato da interposição do recurso especial, demonstrar isso, ou renovar o pedido de gratuidade, apesar da clareza da lei no sentido de que a gratuidade compreende todos os atos do processo (AgRg nos EREsp 1182705, DJ de 19/11/14).

Às disposições gerais atinentes aos recursos no novo CPC volveremos novamente.

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1 Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.

Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

2 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

3 SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso, vol. 1. Porto Alegre: Fabris, 1987

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Guilherme Pupe da Nóbrega é advogado. Especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Professor de Direito Processual Civil na graduação e na pós-graduação lato sensu do IDP. Coordenador do Grupo de Estudos "Instituições de Processo Civil" do IDP. Coordenador da disciplina de Processo da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal (ESA-OAB/DF). Autor de livro e artigos jurídicos.

Jorge Amaury Maia Nunes é advogado. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou a disciplina Direito Processual Civil na graduação e na pós-graduação stricto sensu. Diretor da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal (ESA-OAB/DF). Autor de livro e artigos jurídicos.