Previdencialhas

O aviso prévio indenizado e o tempo de contribuição - Reflexos de visões incompletas

O texto aborda a interconexão entre o plano de custeio previdenciário e o plano de benefícios, destacando a necessidade de uma abordagem integrada na interpretação e aplicação das regras previdenciárias.

18/3/2024

Não é de hoje que tenho dito o óbvio: a interpretação e aplicação do plano de custeio previdenciário não pode ocorrer desagregada dos reflexos no plano de benefícios. Infelizmente, o que tem acontecido é exatamente o inverso. Talvez pela separação administrativa dos subsistemas de benefício e custeio dentro da Administração Federal, com entidades diversas sem sintonia adequada, decisões são tomadas sem o cuidado referido.

Alguns exemplos já são bem conhecidos, como a inacreditável desarticulação estatal no reconhecimento de atividades insalubres para fins de aposentadoria especial, na qual as entidades do segmento previdenciário têm percepções restritivas e, no outro espectro interpretativo, as autoridades fiscais são extremamente “flexíveis” no reconhecimento da insalubridade.

No entanto, chamo a atenção a outro exemplo, recentemente noticiado pela mídia, que é o Tema 1238 do STJ, ao tratar da “possibilidade de cômputo do aviso prévio indenizado como tempo de serviço para fins previdenciários”. Além do erro em falar-se em “tempo de serviço”, outro ponto de destaque é o efeito ignorado das decisões do Poder Judiciário pela não adição do aviso prévio indenizado ao salário-de-contribuição dos segurados empregados.

A medida, hoje pacífica em todos os Tribunais, foi fundada no atributo “indenizatório” da rubrica, pois, afinal, trabalho não houve, mas somente rescisão contratual imotivada e imediata. Embora possa fazer sentido do ponto de vista laboral e mesmo cível, a conclusão implica consequências ruins para a cobertura previdenciária.

Uma vez excluída da base impositiva previdenciária, haveria o imediato descasamento da parcela do histórico contributivo do segurado, com perda não somente do tempo de contribuição, mas de carência e mesmo reflexos outros, como no período de manutenção da qualidade de segurado. Para ficar somente em um exemplo corriqueiro, imaginemos um empregado que, ao longo de toda a sua vida laboral, tenha sido demitido 12 vezes (razoável para uma vida de trabalho, especialmente para trabalhadores sem especialização), sempre com aviso prévio indenizado.

Se não computado o período, nota-se a perda de um ano integral de contribuição, com evidente prejuízo aos segurados, em especial os mais humildes e engajados em atividades temporárias. O referido aspecto, ao que se saiba, não foi sequer ventilado nas milhares de decisões judiciais excluindo a rubrica discutida. Agora, chega-se ao dilema: manter a coerência do sistema e prejudicar o trabalhador ou jogar a conta para o sistema? Nos parece que a solução será a segunda, em nova diluição de renúncias previdenciárias em prol de poucos.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.