Nas últimas semanas a mídia tem se ocupado de um tema palpitante no custeio previdenciário, que seria a tributação da prebenda – retribuição pecuniária pelo mister religioso – como forma de remuneração, nos termos da Lei nº 8.212/91. A discussão é antiga, a ponto de o plano de custeio da previdência social ter sido alterado, explicitando a dispensa fiscal sobre tais valores.
Atualmente, o art. 22, §§ 13 e 14 da Lei nº 8.212/91 assim dispõe sobre o tema:
(...)
§ 13. Não se considera como remuneração direta ou indireta, para os efeitos desta Lei, os valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional com ministro de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa em face do seu mister religioso ou para sua subsistência desde que fornecidos em condições que independam da natureza e da quantidade do trabalho executado. (Incluído pela lei 10.170, de 2000).
§ 14. Para efeito de interpretação do § 13 deste artigo: (Incluído pela lei 13.137, de 2015)
I - os critérios informadores dos valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional aos ministros de confissão religiosa, membros de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa não são taxativos e sim exemplificativos; (Incluído pela lei 13.137, de 2015)
II - os valores despendidos, ainda que pagos de forma e montante diferenciados, em pecúnia ou a título de ajuda de custo de moradia, transporte, formação educacional, vinculados exclusivamente à atividade religiosa não configuram remuneração direta ou indireta. (Incluído pela lei 13.137, de 2015)
Como se nota, as alterações legislativas de 2000 e 2015 buscaram, de forma detalhada, expor que tais retribuições não seriam qualificadas como salário-de-contribuição, “desde que fornecidos em condições que independam da natureza e da quantidade do trabalho executado”. A normativa legal ainda deixa clara a possibilidade de pagamentos em montantes variados, desde que não contraprestacionais.
Muito pode-se discutir sobre a conveniência e oportunidade de tal dispensa fiscal, mas a vontade legislativa é transparente ao estabelecer, ao menos, uma isenção tributária sobre os referidos aportes. Digo “ao menos” pois, em verdade, aportes de mera subsistência a ministros de confissão religiosa dificilmente poderiam ser qualificados com rendimentos do trabalho, nos termos do art. 22, I da Lei nº 8.212/91.
De toda forma, é sabido que há entidades religiosas de poder econômico elevado e formas de retribuição pecuniária que se colocam distante do que se poderia qualificar como “rendimento de subsistência”, o que permite, a priori, visualizar possível subsunção à incidência previdenciária. Dessa forma, não é irrazoável entendermos que os aportes de entidades religiosas a seus ministros podem representar não-incidências puras, por não configurar contraprestação pelo serviço, ou, em valores elevados, como isenção tributária na forma supracitada.
Novamente, não se faz aqui juízo de valor sobre a decisão legislativa, mas somente sua estrita análise, que expressamente prevê pagamentos “em face do seu mister religioso ou para sua subsistência”. Em momento algum a lei limita aportes a valores de mera sobrevivência. Havendo independência “da natureza e da quantidade do trabalho executado”, não é de salário-de-contribuição que se trata.
Haja vista a controvérsia administrativa na exata interpretação da normativa legal, a Receita Federal do Brasil editou o hoje famoso Ato Declaratório Interpretativo nº 01/2022. Importante notar que as diretrizes legais acima já autorizam os pagamentos em montantes diversos aos representantes das Igrejas e expressamente reconhecem a natureza exemplificativa das motivações para os aportes.
O referido Ato, sem extrapolar os limites legais, basicamente reproduz o que é dito pela lei, somente adicionando que os pagamentos de prebenda podem “ocorrer em função de critérios como antiguidade na instituição, grau de instrução, irredutibilidade dos valores, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio”. Zelosamente, o ato demanda comprovação em regras internas da entidade e, expressamente, autoriza autoridades fiscais a autuar entidades religiosas quando configurada fraude.
Diante de uma singela nota interpretativa, criou-se um cavalo de batalha como se autoridades administrativas estivessem ampliando ou mesmo criando vantagens tributárias irregulares, o que, como se observa acima, nunca existiu. Eventuais questionamentos sobre a benesse tributária devem ser direcionados ao Poder Legislativo, que deliberou sobre o tema e o transformou em norma legal, e não autoridades administrativas que buscaram elucidar sua aplicação.