A recente lei 14.689/23, ao alterar o decreto 70.235/72, produziu alteração desejada pelo Governo Federal e, em larga medida, já esperada por todos os setores envolvidos, com o retorno do critério de desempate das votações no CARF em favor da União Federal. A medida, acompanhada com possível dispensa de consectários legais, insere-se no plano maior de revisão do sistema tributário nacional.
Dentro das limitadas perspectivas do presente texto, chamo atenção a um determinado ponto, que é o art. 4º da referida lei, ao dispor que contribuintes com capacidade de pagamento, como lá disciplinado, ficam dispensados da apresentação de garantias para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade.
A questão é muito interessante, pois é sabido que contribuintes, na discussão judicial do crédito tributário definitivamente constituído, encontram dificuldades na suspensão judicial da exigibilidade do crédito. Mesmo com instrumentos admitidos pela legislação, não raramente a Fazenda Nacional aciona os seguros e garantias, tornando-os escassos ou excessivamente onerosos.
A nova previsão legal não representa privilégio a grandes contribuintes, mas, realisticamente, permite tratamento diverso a pessoas que, além de patrimônio mais do que suficiente para a constituição de garantias, ainda que informalmente, são também as principais pessoas no bojo das discussões de elevada complexidade no CARF, as quais, não raramente, sofrem derrotas via decisões pelo voto de qualidade.
Contribuintes de menor porte, sem "capacidade de pagamento", raramente enfrentam derrotas no CARF pelo voto de qualidade, pois, no geral, representam temas já exauridos e consagrados nas vias administrativa e judicial. As novas teses tributárias, inevitavelmente representadas por grandes contribuintes e em valores vultosos, são a arena na qual o voto de qualidade é protagonista destacado.
Em suma, a medida me parece correta e adequada. Todavia, carece de uma interpretação alargada. Não raramente, as turmas do CARF não contam com representação paritária, por ausências justificadas de conselheiros. O próprio Regimento Interno do CARF assim permite, ao admitir julgamentos quando presente a maioria simples das turmas (art. 54 do Anexo II, RICARF).
Ou seja, pode uma decisão não ter sido resolvida pelo voto de qualidade, mas assim potencialmente seria se todos os conselheiros representantes de contribuintes lá estivessem. Em temas de complexidade técnica e elevada divergência, é razoável presumir que a turma, se completa, teria os contribuintes votando de forma uniforme. A ampliação teleológica do preceito permite evitar que a ausência de um conselheiro produza resultado excessivamente oneroso às partes.
Dessa forma, acredito que o preceito estampado no art. 4º da lei 14.689/23 seja aplicável não somente nas decisões por voto de qualidade, mas, também, em acórdãos em turma ordinária ou superior que, no momento do julgamento, contaram com todos os votos dos conselheiros representantes dos contribuintes em desfavor do crédito tributário, mas o voto de qualidade não se instaurou por ausência de um ou mais destes conselheiros.
Novamente, a medida, longe de representar privilégios a determinadas pessoas e setores, retrata adequação legislativa que permite correção de eventuais excessos administrativos sem custos excessivos às partes interessadas. Um toque de pragmatismo no processo tributário é sempre algo a se desejar.