Previdencialhas

DRU e Seguridade Social – Incongruências de um Modelo Inadequado e o Descalabro Orçamentário

A medida revela a finalidade flagrante de liberação de recursos para aplicação ao bel prazer do grupo político dominante no momento.

22/8/2022

Em 2017, apresentei brevemente a Desvinculação de Receitas da União – DRU como um dos problemas a ser enfrentado na previdência social brasileira. Em resumo, o estratagema de redirecionamento de receitas públicas, perpetuado desde a Emenda Constitucional de Revisão 01/94, foi usado, inicialmente, como instrumento de transferência de receitas excedentes da seguridade social a outras finalidades, desvinculando o que fora criado para ser vinculado e, também, como fraude aos repasses obrigatórios aos Estados e Municípios, os quais, em regra, se limitam a impostos1.

Com o passar dos anos, até o advento da EC 93/16, a qual dá nova redação ao art. 76 do ADCT, nota-se que o excedente de receita da seguridade social foi se reduzindo, a ponto de a DRU representar mero ganho de caixa, pois, ao longo do exercício financeiro, tem havido necessidade de repasses do orçamento fiscal à seguridade social. De qualquer forma, a DRU também representou vantagem para os Administradores Públicos, mediante flexibilização da vinculação das receitas orçamentárias.

A DRU, conjugada com medidas administrativas questionáveis de flexibilização da especificação dos créditos orçamentários2, propiciou a criação de rubricas genéricas nas leis orçamentárias, as quais, como se observa nas recentes manobras de elaboração da lei orçamentária anual, geram abuso de emendas na Comissão Mista do Orçamento, redirecionando dispêndios estatais sem avaliação legislativa adequada das prioridades a serem adimplidas.

Ou seja, a DRU, que começou como ferramenta de realocação de excedentes de receita vinculada da seguridade social, conjugada com uma discutível flexibilização dos créditos orçamentários em prol de uma administração eficiente, conseguiu, ao fim e ao cabo, macular receitas da seguridade social – o que se tentou resolver com a EC 103/19 – e aviltar preceitos básicos do direito financeiro, como a especificidade das rubricas orçamentárias. A não especificação da despesa no orçamento defere poder desproporcional a quem direciona a execução do orçamento.

Com o desejo de viabilizar ainda mais receitas a serem alocadas livremente no orçamento, aliada a necessidade de aportes cada vez maiores na seguridade social, a EC 93/16 chegou ao absurdo de ampliar tanto o percentual da DRU – para 30% – como alargar a base-de-cálculo, incluindo impostos e taxas e, também, estendendo a prerrogativa aos demais Entes Federados. 

A medida revela a finalidade flagrante de liberação de recursos para aplicação ao bel prazer do grupo político dominante no momento. Aplicar a dinâmica de desvinculação de receitas a tributos que, em regra, já são desvinculados de qualquer despesa – caso de impostos e taxas – revela que o pouco caso que havia com o orçamento da seguridade social, agora, amplia-se para toda a atividade financeira do Estado Brasileiro.

Inevitável perceber que algum ajuste do modelo protetivo nacional demandará, também, a revisão do arcabouço normativo da elaboração e aprovação orçamentárias, sob pena de não conseguirmos alcançar resultados adequados no dispêndio público brasileiro. A seguridade social, cada vez mais, torna-se somente parte do problema financeiro nacional.

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1 Sobre o tema, ver Fábio Zambitte Ibrahim e Gustavo Schwartz. As contribuições sociais como instrumento de fraude ao pacto federativo. Revista direito das relações sociais e trabalhistas, v. 3, p. 183-206, 2017

2 Portaria Interministerial nº 163, de 4 de maio de 2001. A referida portaria alterou a classificação por elementos, como exigida pela Lei nº 4.320/64. 

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.