Previdencialhas

O papel dos tribunais de contas na fiscalização de entidades de previdência complementar

O papel dos tribunais de contas na fiscalização de entidades de previdência complementar.

4/4/2022

Recentemente, tivemos notícia do MS 37.802, impetrado pelo Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, com o objetivo de anular “ato de instauração do TC 045.032/2020-3, bem como quaisquer outras fiscalizações diretas de Entidades Fechadas de Previdência Complementar no âmbito do Tribunal de Contas da União.”

A premissa, em apertada síntese, seria a incompetência do TCU para a atividade desejada, tendo em vista: 1) a autonomia do sistema de previdência complementar frente aos regimes básicos de proteção (art. 202, caput, CF/88); 2) a natureza privada das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), mesmo quando patrocinadas pelo Poder Público; 3) impossibilidade de enquadramento das referidas EFPC nos quadros da Administração Direta ou Indireta e 4) a gestão de recursos exclusivamente privados pelas referidas entidades, que buscam maximizar investimentos em prol de participantes e assistidos, não se tratando, portanto, de recursos públicos.

Os argumentos são bem delineados, mas, ainda assim, não produzem o resultado desejado. No art. 70, parágrafo único da CF/88, o alcance de atuação do TCU é abrangente: “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

Difícil apontar que uma EFPC patrocinada pelo Governo Federal não se enquadre como pessoa que assuma obrigações de natureza pecuniária em nome da União. Basta lembrar que má-gestão de recursos garantidores, na hipótese de déficits dos planos de benefício, tendem a gerar planos de equacionamento com a imposição de contribuições extraordinárias, as quais, inevitavelmente, também recaem sobre a patrocinadoras. No caso, a União.

Afirmar que a EFPC administra recursos privados – o que é correto – também não é capaz de excluir a atuação do TCU, da mesma forma que o Tribunal, por exemplo, deve controlar excessos de horas extras e diárias de servidores públicos, em prejuízo do ente público. A autonomia do sistema complementar de previdência – outra premissa correta – não afasta os aportes estatais necessários para fins de contribuições normais e extraordinárias derivadas do orçamento público.

Como aponta a OCDE, a governança de entidades previdenciárias se beneficia de redundâncias de controle e fiscalização. É natural que um tribunal de contas não detenha a mesma expertise que a autarquia responsável pela fiscalização, mas, por outro lado, o conhecimento de mecanismos formais de gerenciamento de riscos pode ser útil, especialmente na realidade nacional, na qual os mecanismos formais de controle falharam nos últimos anos. Mesmo que se trate de um controle de “segunda ordem”, o risco de encargos adicionais ao ente público, além do evidente risco de prejuízos a participantes e assistidos, justifica a correta interpretação do TCU sobre seu papel.

Nos parece que há mais uma relação de cooperação do que propriamente de fiscalização, de forma a se aprimorar mecanismos internos que sejam capazes de mitigar riscos variados. A experiência recente com perdas vultosas em fundos de pensão de patrocínio estatal – com o correspondente incremento de contribuições extraordinárias dos entes públicos – aponta para a necessidade de melhorias.

O mesmo deve valer para os demais tribunais de contas pelo país, dentro da simetria cabível, de forma a realizar o controle formal dos mecanismos de gestão de riscos e governança no âmbito das respectivas entidades fechadas, minorando os riscos de aportes extraordinários e preservando as expectativas de participantes e assistidos. Este aspecto é de especial importância após a EC 103/19, que prevê a criação do regime de previdência complementar em âmbito estadual e municipal.

Inevitavelmente, a discussão apresentada sofre influxos de ideologias envolvidas e pré-compreensões dos limites de atuação de tribunais de contas. Há também críticas ao talvez excessivo “empoderamento” de tribunais de contas, as quais nem sempre são despropositadas, mas deve-se ter em mente que o corpo técnico destas entidades é qualificadíssimo, com profissionais que, mediante a correta orientação, podem buscar resultados favoráveis à sociedade.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.