Previdencialhas

A Instituição de regime de previdência complementar em regimes próprios de previdência

A Instituição de Regime de Previdência Complementar em regimes próprios de previdência: Controvérsias quanto ao Certificado de Regularidade Previdenciária e a adesão a entidades abertas de previdência complementar.

21/3/2022

A reforma previdenciária de 2019, em virtude de sua abrangência, ainda traz perplexidades e dificuldades interpretativas, as quais, ao longo dos próximos anos, serão objeto de amplo desenvolvimento na dogmática jurídica e no âmbito da jurisprudência nacional. Por agora, nos parece interessante apontar aspectos relacionados à previdência complementar de servidores públicos em duas questões conexas: a emissão do certificado de regularidade previdenciária (CRP) e a adesão dos entes federados a entidades abertas de previdência complementar (EAPC).             

De início, a emissão e obtenção do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) de regimes próprios de previdência de servidores estaduais e municipais (RPPS), desde longa data, representa tema de elevada controvérsia, especialmente pela natureza condicionante do documento para fins de obtenção de benesses variadas junto à União Federal.

Desde questionamentos quanto à ausência de prerrogativa legal da União (definitivamente sanada pela lei 13.846/19) até questões complexas relacionadas à autonomia federativa do Entes, a matéria sempre resultou em judicialização acentuada. A questão ganha novos contornos com a edição da Portaria MPT nº 905/2021, a qual, entre outras mudanças, exige a instituição, pelos regimes próprios, do regime de previdência complementar (RPC) previsto na EC nº 103/19.

A instituição do RPC em âmbito estadual e municipal, em entes dotados de regimes próprios, teria o prazo fatal de dois anos, nos termos do art. 9º, § 6º da EC nº 103/19. Com o fim do prazo aludido, o atual Ministério da Previdência e Trabalho, na portaria referida, fixou a data de 31 de março de 2022 como limite para apresentação, pelos entes federados, da lei de instituição dos respectivos regimes complementares, sob pena de cancelamento do CRP.

A previsão administrativa, a princípio, parece dar cumprimento às normas constitucionais e legais envolvidas. Sem embargo, algumas nuances merecem alguma reflexão, ainda que incipiente. De início, a obrigatoriedade de instituição do RPC a todo e qualquer RPPS não é razoável. Mesmo com a possiblidade de adesão a entidades fechadas de natureza múltipla, com fundos multipatrocinados, é sabido que boa parte dos Municípios sequer possui servidores que tenham remuneração acima do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Embora o comando constitucional não preveja, explicitamente, exceções (art. 40, §§ 14 a 16 da CF/88), não é difícil identificar que a obrigatoriedade – já de difícil admissão para entes federados que seriam “obrigados a legislar” – se torna ainda mais incongruente quando a parcela de potenciais interessados é limitada ou inexistente. A perspectiva do RPC é mitigar os encargos futuros dos regimes próprios; objetivo inexistente em muitos regimes previdenciários municipais, nos quais pouquíssimos servidores possuem remuneração acima do teto do RGPS.

A mesma reflexão vale para a aparente vedação de contratos com entidades abertas de previdência complementar (EAPC). A União Federal optou pela inadmissão de entidades abertas de previdência complementar no referido mercado na ausência de lei complementar, mas, em perspectiva mais adequada, a premissa parece também incorreta. Muito embora o art. 33 da EC nº 103/19 pareça assim prever, a normativa resultante seria incongruente: o Poder Constituinte Derivado avança nas possibilidades de cobertura previdenciária de servidores públicos para, no mesmo ato, exarar autolimitação ao preceito que acabara de criar e, pior, condicionar sua eficácia aos humores e vontades do legislador complementar.

Caso fosse este o desejo, por qual motivo incluir a previsão de entidades abertas e fechadas na Constituição? Bastaria previsão genérica do sistema a ser regulado “na forma da lei”. Desde o advento da Constituição de 1988 e com o avanço da dogmática da força normativa da Constituição, se repele a existência de normas constitucionais “sem eficácia” ou, no caso, criadas e imediatamente despojadas de aplicabilidade. É sabido que o controle de constitucionalidade alcança Emendas à Constituição e, aqui, a norma relativa ao art. 33 da EC nº 103/19, na interpretação dada pelo Governo Federal, merece ser afastada por incongruência com o corpo permanente do texto constitucional.

A solução é simples. Em interpretação conforme, em busca da máxima efetividade das normas constitucionais, basta se admitir a aplicabilidade da LC nº 109/01, no que tange às entidades abertas de previdência complementar, ao novo mercado que se cria. O art. 33 da EC nº 103/19, ao dispor que “Até que seja disciplinada a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e entidades abertas de previdência complementar”, não necessariamente requer nova lei complementar, mas somente ato administrativo, com base na LC nº 109/01, que regule eventuais particularidades e traga segurança aos gestores estaduais e municipais.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.