Nos últimos 24 anos (tive de fazer a conta), sempre busquei apontar falhas variadas no rol de dependentes do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. A previsão de lista taxativa é correta, até pela necessidade de equilíbrio atuarial do sistema protetivo, ainda que, na prática, este objetivo seja algo mais vinculado ao domínio do desejo do que da realidade. Por outro lado, este segmento particular dos beneficiários do RGPS sempre sofreu com restrições indevidas como forma de combates às fraudes.
É certo que a manutenção da higidez financeira e atuarial do modelo protetivo – ainda que distante da realidade nacional – demanda opções legislativas e gerenciais que busquem a eficiência na gestão administrativa e, normativamente, sejam capazes de minorar as possibilidades de fraudes e conluios. No âmbito dos dependentes previdenciários, esta realidade é infelizmente recorrente, com casamentos e uniões simuladas, tutelas e guardas judiciais com o propósito de obter benefícios indevidos e, ainda, dependências econômicas forjadas para concessões de prestações.
O desafio para o administrador previdenciário é enorme: como atender as expectativas legítimas de um modelo previdenciário adequado com tantas lacunas e subjetividades de análise da dependência previdenciária? Este aspecto deve ser reconhecido, pois alterações legislativas que venham a colmatar lacunas devem ser buscadas. Para tanto, não raramente simplificações e mesmo restrições se fazem necessárias, em prol da coletividade previdenciária. Mas o pragmatismo administrativo encontra limites na justiça social, objetivo último de nossa Ordem Social na Constituição de 1988.
Dentre as falhas que sempre me pareceram patentes no âmbito dos dependentes previdenciários, havia a lei 9.528/1997, a qual, ao alterar a redação do art. 16, § 2º, da lei 8.213/1991, excluiu o menor sob guarda do rol dos dependentes. O STJ, após algumas idas e vindas, formou convicção pela prevalência do Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma a manter a vinculação previdenciária do menor sob guarda (Tema 732).
Em óbvia tentativa de superação do precedente judicial, a EC 103/2019 em seu §6º, art. 23 passou a dispor que "equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica". No entanto, semana passada o STF, nas ADIs 5083 e 4878, reconheceu, finalmente, a inconstitucionalidade da estratégia normativa, impondo a regra constitucional da máxima proteção ao menor, o qual é dotado de prioridade nas ações estatais.
Porta aberta às fraudes? É claro que haverá casos – e muitos – de pessoas que tentarão obter guarda judicial com finalidade fraudulenta, até pela facilidade com a qual pode ser concedida, ao contrário da tutela. No entanto, aí reside o desafio do administrador previdenciário: criar mecanismos de controle que sejam capazes de lidar com as dificuldades ao invés de, simplesmente, excluir direito da parcela mais vulnerável da sociedade. Resolver fraudes previdenciárias extinguindo prestações ou excluindo beneficiários é fácil. Difícil é buscar soluções compatíveis com os objetivos da eficiência e justiça social. A previdência social brasileira conta com corpo técnico de qualidade internacional. É certo que serão capazes de construir caminhos seguros.