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Gestão de recursos garantidores na previdência complementar e a seleção de investimentos baseada em aspectos extrafinanceiros

Gestão de recursos garantidores na previdência complementar e a seleção de investimentos baseada em aspectos extrafinanceiros.

13/10/2020

Após algumas semanas de decisões exóticas de nossa Suprema Corte em matéria de contribuições sociais, incluindo validações finalísticas aleatórias e a posteriori; mudanças jurisprudenciais sem fundamentação adequada (art. 927, § 4º, CPC) e, ainda, uma inédita competência tributária "exemplificativa", resolvi direcionar meus esforços à previdência complementar, a qual, ainda, mantém algum grau de racionalidade no seu funcionamento.

Um tema interessante e ainda pouco discutido é a seleção de investimentos, pelo gestor dos recursos garantidores do plano de benefício, com base em parâmetros não exclusivamente financeiros/econômicos. A ideia, em suma, seria a possibilidade de buscar aplicações não unicamente pelo grau de rentabilidade esperado, mas, também, em virtude de atributos ambientais, sociais e mesmo de governança.

Por exemplo, poderia um gestor de fundo de pensão optar por investir recursos em determinada empresa em virtude de sua atuação positiva na preservação do meio ambiente? Obviamente, todos acreditamos na importância de tais medidas, mas quando a conduta implica colocar em risco nossos rendimentos futuros, a opinião pode ser outra...

No sistema norte-americano, o tema é disciplinado pelo Departamento de Trabalho (DOL), o qual, atualmente, sugere interpretação e aplicação conservadora da legislação local (ERISA), a qual estabelece a máxima do "interesse exclusivo" de participantes e assistidos. A diretriz de atuação dos gestores e administradores é norteada pelos valores lealdade, prudência e diversificação e, com isso, o objetivo financeiro seria prioritário e, agora, quase exclusivo.

Interessante notar que, até 2018, a regulamentação Norte-Americana admitia, limitadamente, a adoção de critérios extrafinanceiros para investimentos, de forma subsidiária. Mais recentemente, essa posição tem sido revista. Em recente proposta de nova regulamentação administrativa, o DOL busca consagrar que investimentos sejam realizados unicamente no objetivo de retorno desejado ("based solely on pecuniary factors that have a material effect on the return and risk of an investment").

No sistema nacional, a Resolução CMN nº 4.661/18, que disciplina as normas de aplicação dos recursos garantidores, no art. 10, § 4º, limita-se a prever que "A EFPC deve considerar na análise de riscos, sempre que possível, os aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos". O Manual PREVIC de melhores práticas de investimento, com clara inspiração no modelo ESG norte-americano (environmental, Social, & Governance), estabelece as diretrizes ASG (fatores ambientais, sociais e de governança) nas decisões de investimento.

O modelo nacional adota, de forma resumida, a compreensão do tema do modelo Norte-Americano antes da recente guinada contrária a fatores extrafinanceiros. o Relatório DOL de dezembro de 2017 (DOLQ129633250), o qual, naquela época, ainda prestigiava aspectos ambientais na escolha de investimentos, é evidente fonte de inspiração para o manual nacional. No entanto, desde o Governo Trump, tais estratégias têm sido, paulatinamente, refutadas e afastadas pelo próprio DOL.

Em suma, a disciplina vigente no modelo norte-americano, hoje, somente admite critérios ambientais se a referida estratégia for adotada, na verdade, não pelas virtudes sociais do empreendimento, mas, unicamente, se demonstrada a vantagem financeira/econômica. O modelo nacional ainda é signatário de uma abordagem mais geral na seleção de investimentos, mas, corretamente, coloca a adoção de atributos ASG com função acessória, desde que, por critérios financeiros e econômicos, o investimento seja considerado adequado.

Na prática, gestores devem considerar aspectos ASG como critério de desempate entre opções adequadas ou, ainda, se o atributo ASG, isoladamente, representar qualidade que justifique maior expectativa de ganho futuro. A aplicação fundada em aspectos exclusivos ou prioritários ASG, possivelmente, gerará responsabilidades legais aos gestores responsáveis.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.