Previdencialhas

A "constitucionalidade" da contribuição social instituída pelo art. 1º da LC 110/01 (ou Aliomar Baleeiro tinha razão)

A "constitucionalidade" da contribuição social instituída pelo art. 1º da LC 110/01 (ou Aliomar Baleeiro tinha razão).

24/8/2020

Costumo evitar elaborar textos acadêmicos ou mesmo jornalísticos que coincidam com demandas judiciais nas quais eu tenha atuado como patrono. No entanto, no presente tema, não resisti. Peço perdão ao leitor. As "contribuições especiais" – denominação moderna para a vetusta parafiscalidade – estão ainda a nos surpreender.

A parafiscalidade, de um mero estratagema estatal voltado a mitigar a resistência de contribuintes aos incrementos tributários, mediante promessa de vinculação de receita a determinado fim socialmente relevante, conseguiu, ao mesmo tempo, macular quase um século de dogmática jurídica que apontava a autonomia do direito tributário com foco de estudo na hipótese de incidência para, ainda, desorganizar a racionalidade do orçamento público, retirando das deliberações legislativas as prioridades do gasto estatal.

Nunca escondi dos alunos e leitores minha pouca simpatia com a parafiscalidade, que, não obstante ter abandonado sua denominação de antanho, ainda está por aí; reminiscência de um modelo de Estado Social do Séc. XIX. De suas origens, o único atributo que ainda era considerado válido para fins de identificação de sua natureza jurídica seria a finalidade específica de sua instituição, a qual retrataria seu fundamento de validade jurídica. Não mais.

O Supremo Tribunal Federal, por maioria, deliberou pela constitucionalidade da contribuição social prevista no art. 1º da LC 110/01, a qual produz alíquota adicional nas rescisões imotivadas dos contratos de emprego. Como explicitamente divulgado à época e mesmo na referida lei complementar, a finalidade específica da imposição seria a recomposição das perdas inflacionárias do FGTS.

O decisório, no RE 878.313, teve voto divergente vencedor do Min. Alexandre de Moraes, o qual, em seus fundamentos, apontou que, não obstante a necessidade de destinação específica da contribuição e de sua validade finalística, a razão concreta da criação da contribuição questionada seria, em termos abstratos, "a preservação do direito social dos trabalhadores previsto no art. 7º, III da Constituição Federal, sendo essa sua genuína finalidade".

O ineditismo do decisório reside na ampliação do já compreensivo precedente relativo às ADIs 2556 e 2558, as quais criaram a figura da "contribuição social geral", destinada a quaisquer fins socialmente relevantes, desde que não coincidentes com a seguridade social. Agora, nota-se que a destinação "social" não precisa sequer ser limitada aos explícitos objetivos da norma impositiva, em uma espécie de validação finalística a posteriori. Indo o dinheiro para o bem da sociedade, validada estará a contribuição.

Considero admirável o esforço da doutrina em apontar, dogmaticamente, atributos particulares das contribuições, como forma de afastá-las da tríade clássica do CTN. Marco Aurélio Greco, com profundidade, discorreu sobre o real sentido da validade finalística. Ricardo Lobo Torres e Ricardo Lodi apontaram aspectos relacionados ao fundamento da exação, em uma perspectiva de solidariedade de grupo. E por aí vai. Todavia, nenhuma das teses resiste, especialmente após o decidido no RE 878.313.

Novamente, nos vemos diante da velha maldição, na qual contribuições conseguem subverter as regras de competência tributária e impor encargos aleatórios sob fundamentos indefiníveis. Não sem razão, Aliomar Baleeiro – em um dos raros momentos nos quais é tomado pela emoção em suas obras – apontava a parafiscalidade como um "neologismo afortunado". O neologismo continua por aí, viabilizando criacionismos fiscais e fraude ao pacto federativo, tendo em vista a ausência de repasses obrigatórios a Estados e municípios.

Em um exótico momento no qual discutimos reforma tributária em meio a uma pandemia de COVID-19, nada mais teratológico do que admitir que contribuições sociais sejam criadas ao bel-prazer da União, desde que com alguma finalidade "social", mesmo que oculta e fixada a posteriori. De que adianta o debate sobre impostos relativos a bens e serviços, incidências sobre valor agregado e outras estratégias quando a União, a qualquer momento, pode criar uma "contribuição social geral", mesmo fora de sua competência tributária e com fundamentos genéricos? A COVID-19 passará, mas as contribuições, infelizmente, ficarão.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.