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Imposto sobre grandes fortunas, motor diesel e proteção social

Imposto sobre grandes fortunas, motor diesel e proteção social.

6/4/2020

Em 1893, Rudolf Diesel, ao criar a primeira máquina de combustão interna, viu seu motor rudimentar explodir após segundos de uso. Não supreendentemente, céticos apontaram a impossibilidade de que o engenho pudesse funcionar de forma adequada e segura em algum momento. O tempo nos mostrou que a persistência do engenheiro alemão foi fundamental na criação de uma máquina que mudou o mundo.

O imposto sobre grandes fortunas – IGF nos mostra cenário semelhante. Repleto de experiências fracassadas (embora com alguns exemplos positivos, como na Suíça), ainda pode representar solução adequada para as despesas estatais crescentes com a proteção social, além de viabilizar a redução das desigualdades sociais. Pode ser igualmente revolucionário.

Em geral, a literatura especializada aponta, como erros históricos do IGF, um conjunto de ações inadequadas e realidades particulares indesejadas, como facilidades de transferência de recursos entre países – realidade particularmente comum na União Europeia, ausência de informatização e controles suficientes, falha no correto dimensionamento das "grandes fortunas" e, ainda, planejamentos fiscais variados, como a transferência de patrimônio para pessoas jurídicas.

O desafio ao legislador é extraordinário. Todavia, não é impossível. O Brasil conta com perspectivas mais favoráveis, pois possui sistemas informatizados de controle de renda e patrimônio de elevada qualidade. A facilidade para transferência de recursos ao exterior não é tão simples como parece, especialmente pelos custos de transação e pelo fato de muitos países, atualmente, terem taxas negativas de rendimento. A depender do modelo desenhado, será mais barato pagar o imposto do que transferir a fortuna.

Muito embora a questão da "dupla incidência" reflita, em parte, um equívoco de compreensão da dinâmica tributária, como nos mostrou Alfredo Augusto Becker, é certo que instrumentos de compensação e dedução, além de limites adequados de isenção, se mostram necessários. Nossa realidade econômica e fiscal, aliada à experiência internacional, podem nortear um modelo simples e eficaz de tributação.

Ao mesmo tempo, devemos refletir se as resistências são, verdadeiramente, derivadas de convicções sobre a deficiência do imposto e seus reflexos econômicos ou, simplesmente, de percepções ideológicas que repudiam esse tipo de tributação. Vivemos um momento histórico peculiar: as pessoas reconhecem a necessidade de limites na liberdade individual, mas não patrimonial.

Sabemos que não é possível ou sequer razoável dirigirmos a qualquer velocidade e não respeitar os sinais de trânsito; temos consciência da necessidade de atender a convenções sociais que nos impedem de posturas indesejadas ou inadequadas. Todavia, quando se trata do aspecto patrimonial e econômico, parece existir uma liberdade ilimitada, que nos permite, desde que dentro das regras do sistema vigente, acumular riquezas inimagináveis, ainda que à custa do resto da sociedade.

Qualquer medida contra o vultoso patrimônio reflete intervenção ilegítima na vida privada. Por que tamanha desproporção? Qual a dificuldade em afirmar que acima de determinado patamar, nenhuma pessoa deve acumular tamanha riqueza?

A vida em sociedade nos impõe limites, como aprendemos em disciplinas propedêuticas das Ciências Sociais. Por qual motivo tais limites não se aplicam às liberdades econômicas e, principalmente, ao patrimônio? A pacificação social demanda limites. Por mais competente, inteligente e dedicado que um profissional seja, com externalidades positivas a todos, não é razoável que uma pessoa acumule patrimônio capaz de fragilizar a vida de outrem.

No limite, ainda que uma tributação severa em patamares elevadíssimos de fortunas venha a ser, na prática, um desestímulo a determinadas pessoas ao avanço da civilização, que assim seja. Talvez seja hora de motivarmos nosso povo não somente pela riqueza, mas por outros objetivos que nos causem igual bem-estar. É hora de agir, antes que nosso motor exploda.

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Colunista

Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela PUC/SP. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Professor Associado de Direito Tributário e Financeiro da UERJ, árbitro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e Presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.