A Emenda à Constituição 103/19 produziu a mais abrangente reforma do sistema previdenciário brasileiro desde o advento da Constituição de 1988. Adicione-se o fato de ser extremamente casuística e, com isso, há um resultado inevitável, que será a dificuldade de aplicação e interpretação de seus preceitos em cenários diversos.
Na presente coluna, quero apontar uma dessas inconsistências, que é a nova regra de aposentadorias, prevista no art. 26 da EC 103/19. A norma, a qual estabelece disciplina provisória de quantificação do salário-de-benefício na ausência de lei regulamentadora, prevê reduzido percentual de 60% dos salários-de-contribuição dos segurados do RGPS sobre a média integral, sem o descarte dos 20% piores salários, como fora previsto pela lei 9.876/99.
Pelo exposto no regramento referido, todas as aposentadorias – o que inclui a aposentadoria por invalidez – são inseridas na nova dinâmica. A perda é evidente, pois, até então, o RGPS assegurava 100% do salário-de-benefício para o referido benefício, em qualquer hipótese, com o potencial incremento de 25% para as situações de "grande invalidez", ou seja, quando há necessidade do auxílio permanente de terceiros.
A reforma, ao mesmo tempo em que reduz o percentual básico para 60%, ainda traz triste retrocesso ao majorar o percentual para 100% somente nas hipóteses de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho. Ou seja, para todo o segurado do RGPS que se aposente por invalidez com menos de 20 anos de contribuição e cuja incapacidade não tenha relação com o trabalho, a perda será brutal, pois receberá somente 60% da média integral.
Temos, de saída, duas incoerências: como regra geral, é comum que o segurado incapacitado receba, por algum tempo, auxílio-doença, até como forma de se aferir a eventual recuperação de capacidade laborativa ou a possibilidade de readaptação profissional. Nesses casos, caberá o pagamento do benefício no percentual de 91% do salário-de-benefício. A EC 103/19, embora tenha, no caput do art. 26, estabelecido nova regra provisória de quantificação do salário-de-benefício, não alterou o percentual para fins de renda mensal dos auxílios doença e acidente.
Sendo assim, um segurado hipotético que tenha salário-de-benefício de R$ 3.000,00 e 15 anos de contribuição irá receber, na concessão do auxílio-doença, R$ 2.730,00. Caso sua situação seja alterada para a aposentadoria por invalidez, seu benefício cairá para R$ 1.800,00! Não parece razoável que o modelo apene segurados aposentados por invalidez. Parece uma previsão maquiavélica que claramente desestimula o retiro por incapacidade.
Para piorar, a EC 103/19 ressuscita a distinção entre a invalidez ordinária e a decorrente de acidentes do trabalho. Desde o advento da lei 9.032/95 essa diferença foi encerrada no RGPS, a qual configurava resquício histórico no qual a cobertura acidentária era diversa e, ainda, uma cultura hipócrita na qual haveria um "sobrevalor" na hipótese de incapacidade no exercício da atividade laboral.
Sendo a previdência social modelo protetivo frente aos infortúnios da vida, não há sentido na distinção, a qual, aliás, só amplia as desvantagens de contribuintes individuais frente a empregados, pois aqueles não possuem prestações acidentárias. A melhor solução será identificar uma limitação implícita da aposentadoria por invalidez ao último auxílio-doença ou, no melhor cenário, a equiparação do benefício em 100% a todos, em prol da isonomia.