Regularmente, Regimes Próprios de Previdência Social de Servidores Públicos – RPPS, especialmente em âmbito estadual e municipal, adotam, como forma de equacionamento de déficits e aprimoramento da gestão previdenciária, a chamada "segregação de massas", a qual, em curta – e imperfeita – apresentação, refere-se à divisão do público protegido, ficando os servidores antigos em regime financeiro, custeado pelas receitas gerais do ente público, enquanto os novos servidores submetem-se a modelo atuarialmente desenhado com contribuições próprias e do empregador público.
A segregação é reflexo natural da evolução dos regimes protetivos de servidores públicos, os quais, tradicionalmente, eram desprovidos de natureza previdenciária, submetidos a regime administrativo de funcionamento, o que incluía regras equivalentes de remuneração, reajuste e até sanções, entre outras questões. O regime jurídico administrativo de trabalho era aplicável tanto a servidores ativos como inativos (a cassação de aposentadoria é sempre um bom exemplo dessa realidade pretérita).
Com a mudança de paradigma dos últimos anos, surgiu a necessidade de Entes Federados, atuarial e financeiramente, dispor de forma contabilmente diversa servidores anteriores às reformas e os novos. Estes, já regidos pelas novas previsões legais de índole previdenciária, demandando equilíbrio financeiro e atuarial. Obviamente, o equilíbrio desejado é mais complexo para a massa de servidores antiga, pois não raramente sequer existia a contribuição, tanto do servidor como do ente federativo.
Com isso, hoje, é comum encontrarmos a seguinte situação: determinado Ente aplica a segregação de massas e, como consequência, convive com duas realidades previdenciárias absolutamente distintas: de um lado, possui novo regime protetivo perfeitamente equilibrado, com contabilização autônoma de contribuições de servidores e Poder Público (agora efetivamente realizada) e, simultaneamente, com modelo financeiro de servidores ativos e inativos anteriores às reformas previdenciárias, enormemente deficitário e carecedor de aportes estatais cada vez maiores. O que fazer?
A PEC 06, finalmente aprovada, prevê a possibilidade de contribuições extraordinárias para adequação do déficit. Seria a saída a imposição de encargos maiores para parcela de servidores, simplesmente pelo fato de serem regidos por modelo contabilmente diverso e historicamente descompromissado com o aspecto atuarial? Não parece ser a melhor saída. Tendo em vista a manutenção da natureza solidária dos regimes protetivos de servidores, como ainda estabelecerá o art. 40, caput da CF/88 na nova redação da PEC 06, uma outra solução deve ser alcançada.
Uma diretriz, ainda que implícita, pode ser identificada no art. 9º, §§ 4º e 5º da PEC 06, ao dispor que a contribuição previdenciária de servidores federais é o piso mínimo a ser observado por Estados, DF e Municípios, salvo se demonstrada a inexistência de déficit atuarial. Na sequência, afirma-se que a segregação de massas não é admitida como “ausência de déficit”. Sendo assim, a contrario sensu, a Constituição expressará que os servidores segregados atuarialmente e ente público deverão contribuir com determinado percentual mesmo que, nos planos previdenciários novos e equilibrados, seja absolutamente desproporcional e desnecessário. Qual a razão?
A razão não pode ser outra diversa do aporte de tais excedentes ao regime financeiro (antigo), de forma a atender a diretriz geral da solidariedade do modelo, a qual, como se disse, ainda perdurará – corretamente – em regimes básicos de previdência. Assim como seria inaceitável a imposição de contribuições extraordinárias somente para servidores segregados em regime financeiro deficitário, não faria sentido construir excedente contributivo absolutamente desnecessário junto à massa previdenciária de novos servidores.
Como se vê, a reforma da previdência trará novos e importantes desafios. Um norte fundamental da discussão é a percepção que as demandas atuariais do modelo, corretamente expostas na Constituição, não podem refletir situações de flagrante injustiça e desigualdade, especialmente quando produz potencial prejuízo justamente para a classe mais idosa das carreiras públicas, com maior necessidade de proteção do sistema previdenciário.