De acordo com o art. 193 da Constituição de 1988, a "ordem social tem como base o primado do trabalho". A ideia, em apresentação sucinta, significa que o caminho para a vida digna, em regra, demanda a garantia de labor remunerado. Por este, a pessoa terá condições de garantir seu sustento e de sua família, sem depender da caridade alheia ou de benesses estatais. Todavia, na realidade nacional, o trabalho, para muitos, é mais um instrumento de degradação do que dignificação, especialmente pelas condições adversas em que o trabalho é realizado.
Já tive oportunidade de expor, em textos anteriores, a importância da revisão do aparato regulatório do meio-ambiente do trabalho. O consequente adiamento da aposentadoria com a vindoura reforma previdenciária irá, inexoravelmente, impor sobrecarga nos benefícios por incapacidade. A atual aposentadoria por tempo de contribuição, por viabilizar aposentadorias precoces, em alguma medida, ajuda a mascarar sequelas laborativas que proliferam no Brasil.
Temos índices acidentários alarmantes, com média de um acidente de trabalho por minuto e uma morte a cada três horas. Isso somente com os dados oficiais. Não é difícil notar que o quadro será agravado com o retardamento da aposentadoria. Embora a questão não esteja recebendo a devida atenção, seguramente será o foco do direito laboral e previdenciário nos próximos anos.
Nesse contexto, o governo Federal já trabalha com ferramenta sem precedentes nos mecanismos de fiscalização e controle do meio-ambiente do trabalho, conhecida como "e-Social". Historicamente limitada a meras análises formais de formulários e documentos técnicos, a fiscalização federal terá, a seu dispor, ampla gama de informações sobre riscos ambientais, incluindo aspectos relacionados a insalubridade e periculosidade, riscos ergonômicos, ações de controle e mesmo treinamentos necessários para fins de segurança na atividade laboral.
Ainda hoje, é comum que empregadores vejam encargos laborais relacionados a gestão de riscos ambientais como mera formalidade, a qual é adimplida mediante contratação de serviços terceirizados de medicina do trabalho, os quais, não raramente, se limitam a reproduzir grosseiramente informações gerais e irrelevantes sobre fatores de risco, sem conformação à realidade laboral de cada empresa e mesmo sem o cuidado de expor conclusões minimamente compreensíveis.
O descuido com a gestão ambiental-laboral será evidenciado com grande facilidade, pois, pelo sistema eletrônico de informações, o detalhamento necessário irá refletir as situações recorrentes de descuido com a higidez física e mental dos trabalhadores. Os aspectos ergonômicos, regularmente ignorados na realidade nacional, serão aferidos com elevado rigor. Em suma, informações incompletas, insuficientes e mesmo equivocadas irão direcionar fiscalizações, com incremento de autuações e mesmo das contribuições previdenciárias.
O procedimento, ainda corriqueiro no Brasil, no qual empregadores submetem empregados a jornadas extenuantes em atividades repetitivas, com degradação severa das aptidões laborais de tais pessoas, não mais será ignorado. O acompanhamento integral da história laboral de cada segurado da previdência social, em seus diversos empregadores, irá compor retrato das estratégias de gestão que prestigiam os resultados econômicos em detrimento da dignidade da mão de obra empregada.
A mudança, caso não seja novamente adiada, terá início para as empresas do chamado grupo 1 (faturamento anual em 2016 maior de R$ 78 milhões) no segundo semestre de 2019. Os preparativos devem ter início já, pois a quantidade de informações demandadas é brutal. O esforço, todavia, compensará. Além de mitigar o encargo crescente sobre as contas previdenciárias, teremos, finalmente, a atuação estatal voltada não somente ao equilíbrio financeiro do sistema, mas, também, a consecução da vida digna.